Emendas pix e partidos nas eleições 2024

Imagem: Maksim Ilyukhin
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Por JEFFERSON FERREIRA DO NASCIMENTO & MARIA DO SOCORRO SOUSA BRAGA*

A extrema direita e parte da direita tradicional assumiram o discurso antissistêmico e de reformas, associados ao conservadorismo moral e ao neoliberalismo econômico

Nos últimos anos, o crescimento eleitoral dos partidos de direita (de diversas vertentes, incluindo a bolsonarista) enseja uma série de hipóteses explicativas. Assinalamos que a janela de oportunidades para o fortalecimento da direita está relacionada a alguns movimentos das próprias organizações de esquerda. Cláudio Katz (2016), em Neoliberalismo, neodesenvolvimentismo e socialismo, debate a conversão do Partido dos Trabalhadores (PT) em um partido da ordem.

Essa mudança pode ser exemplificada pela complexa estratégia de compatibilizar políticas neodesenvolvimentistas com elementos neoliberais do tripé macroeconômico, conforme explicam Alfredo Saad Filho e Lecio Morais (2018) em Brasil: neoliberalismo versus democracia. Some-se a isso, a política de alianças complexa, e por vezes contraditória, da concertação política que deu base parlamentar aos governos petistas. É possível argumentar — com razão — que o espaço de manobra da esquerda institucional era reduzido, haja vista as bancadas no Congresso Nacional. Não discordamos nem pretendemos desqualificar as escolhas do passado, apenas discutimos elementos a serem investigados para explicar o presente.

Há mudanças na esquerda institucional para além do PT, como o enfraquecimento da base classista nos programas de partidos e organizações. Porém, o caráter fragmentário do mundo do trabalho e a heterogeneidade das relações de produção não eliminam as situações de classe e suas contradições. Essa constatação não questiona a importância da luta pelo reconhecimento dos grupos discriminados, mas alerta para a provisoriedade da política que não considere a dimensão de classe na luta pela redistribuição, como Ellen Wood pontuou desde pelo menos The retreat from class (1986). Notem que parece crescer a distância entre organizações de esquerda e parte significativa dos trabalhadores, como é mais evidente o caso dos trabalhadores por aplicativos.

As organizações de esquerda também aparentam dificuldade para enfrentar armadilhas impostas pela direita e extrema-direita. Estes grupos agem pela criminalização de elementos da cultura popular, como o funk, as torcidas organizadas e outros. Essa estigmatização não é eficientemente enfrentada por organizações e entidades de esquerda. Porém, a cultura popular é um fator de identificação, pertencimento e mobilização das classes populares.

A prova de que a esquerda deveria fazer esse enfrentamento está no avanço da direita e da extrema-direita justamente ao trazer para seus quadros lideranças do funk, das torcidas organizadas, do futebol amador (de várzea) etc. Por contraditório que pareça, as direitas estigmatizam, mas recrutam com relativo sucesso lideranças desses movimentos. O resultado está na geografia dos votos: algumas das principais esperanças da esquerda enfrentam dificuldades para obter apoio em áreas periféricas, tendo melhor desempenho em regiões de classe média-alta.

À luz dessas digressões, cabe perguntar: as eleições de 2024 confirmam o avanço dos partidos das direitas? Se os resultados indicam efetivamente um recuo dos partidos de esquerdas perante o eleitorado, a ideologia do eleitorado é capaz de explicar a situação?

A redução relativa das legendas de esquerda e associados

Para responder essas questões utilizaremos os votos válidos para o legislativo municipal e o número de vereadores eleitos em 6 de outubro. A escolha se justifica pela desigual estrutura e nacionalização dos partidos que impacta na possibilidade de lançamento de candidatos às prefeituras e na escolha por compor coligações em vez de encabeçá-las em diversas localidades.

O número de partidos caiu de 33 para 29, o eleitorado cresceu 5,4% e, associado à redução da abstenção e dos votos inválidos (nulos e brancos) em âmbito nacional, ocorreu um aumento de 9,6% nos votos válidos em relação à 2020 — significando 9.751.430 votos válidos a mais. Feitas essas considerações, vamos à tabela 1:

Tabela 1: Total de votos para o Legislativo dos partidos registrados como centro-esquerda, esquerda e vinculados por Federação em 2020 e 2024 (em milhões)
Partido20242020Variação (em milhões)Variação (%)
PT7,135,681,4526%
PDT4,865,42-0,56-10%
PSB6,615,001,6132%
PcdoB0,881,70-0,82-48%
PCB00,02-0,02-100%
PSTU0,020,0200%
UP0,040,030,0133%
PSOL1,701,71-0,01-1%
Rede0,710,72-0,01-1%
PV1,241,90-0,66-35%
PCO0000%
Total23,1922,20,994,5%
Fonte: TSE. Observação: partidos com 0 obtiveram menos de 10 mil votos.

Comparando 2024 com 2020, o conjunto dos partidos de esquerda ganhou quase 1 milhão de votos, mas o crescimento (4,5%) foi menor que o do eleitorado (5,4%) e bem inferior ao dos votos válidos (9,6%). Ou seja, existe perda relativa: a esquerda passou de 22% para 21% dos votos válidos. Outrossim, o PT praticamente absorve as perdas dos outros partidos de sua federação (PCdoB e PV) e, apesar da heterogeneidade ideológica, o PSB ganha mais votos que a soma das perdas dos demais (PDT, PCB, PSOL e Rede). Em todo caso, essa perda relativa de votos resultou em 557 vereadores eleitos a menos. Veja a tabela 2:

Tabela 2: total de Vereadores dos Partidos registrados como centro-esquerda, esquerda e vinculados por Federação (2020 e 2024)
Partido20242020Variação
PT31272667460
PDT25033430-927
PSB35833010573
PcdoB354704-350
PCB000
PSTU000
UP000
PSOL8093-13
Rede17214923
PV488811-323
PCO000
Total1030710864-557
Fonte: TSE e Poder 360

PT, PSB e Rede aumentaram seus vereadores eleitos e, juntos, absorvem as perdas de PCdoB, PSOL e PV. No entanto, não cresceram o suficiente para compensar todas as perdas do PDT. Em alguns locais, o PDT realizou uma grande mudança de posicionamento para se distinguir do PT e sua federação, chegando a apoiar candidatos bolsonaristas (como no Ceará, local em que Ciro Gomes gozava de grande capital político), resultando na perda de 927 vereadores — 1,6 vezes maior que as perdas do conjunto bloco. É preciso avaliar o crescimento das demais legendas, vejamos a tabela 3:

Tabela 3: Quantidade de votos para o Legislativo Municipal por partidos da centro-direita, direita tradicional e extrema-direita (em milhões)
Partido20242020Variação (em milhões)Variação (%)
MDB11,348,622,7232%
PSD10,547,932,6133%
PP10,197,522,6736%
PL10,15,324,7890%
União9,349,68-0,34-4%
Republicanos8,175,482,6949%
Podemos5,606,83-1,23-18%
PSDB4,786,70-1,92-29%
PRD3,516,26-2,75-44%
Avante3,302,370,9339%
Solidariedade2,984,66-1,68-36%
Novo1,700,710,99139%
DC1,410,740,6791%
Agir1,290,920,3740%
Cidadania1,173,1-1,97-63%
 Mobiliza1,050,750,340%
PRTB0,671,03-0,36-35%
PMB0,660,410,2561%
Total87,879,078,7311%
Fonte: TSE. Observação: o Podemos incorporou o PSC, o Solidariedade incorporou o PROS, o União Brasil nasceu da fusão entre PSL e DEM e o PRD da fusão entre PTB e Patriota. Por isso, para aferir os votos de 2020 foram somados os incorporados e/ou que se fundiram.

A tabela 3 indica um crescimento dos demais partidos (11%) acima do crescimento dos votos válidos (9,6%), resultando na eleição de 1.763 vereadores a mais que em 2020, como mostra a tabela 4.

Tabela 4: Quantidade de vereadores por partidos da centro-direita, direita tradicional e extrema-direita
Partido20242020Variação
MDB8.1097.352757
PP6.9476.376571
PSD6.6225.700922
União5.4825.547-65
PL4.9573.4631.494
Republicanos4.6422.5742.068
PSDB3.0024.399-1.397
Podemos2.3293.030-701
Avante1.5251.042483
PRD1.4132.327-914
Solidariedade1.2512.113-862
Cidadania4.371.582-1.145
Mobiliza360199161
Agir29621482
Novo26329234
DC253122131
PMB1094663
PRTB97216-119
Total48.09446.3311.763
Fonte: TSE. Observação: o Podemos incorporou o PSC, o Solidariedade incorporou o PROS, o União Brasil nasceu da fusão entre PSL e DEM e o PRD da fusão entre PTB e Patriota. Por isso, para 2020 foram somados os vereadores eleitos pelos partidos incorporados e/ou que se fundiram.

Esses dados apresentados nas tabelas 1, 2, 3 e 4 compõem um quadro explorado na imprensa. Nessa linha, a perda relativa das legendas classificadas de esquerda e associadas resultaria do sucesso das direitas nas eleições municipais. Essas explicações transitam entre o sucesso do bolsonarismo, a crise do lulopetismo e o argumento de que o eleitorado brasileiro continua seu movimento rumo às ideologias de direita.

Fatores institucionais — o peso da história e os efeitos das reformas eleitorais pós-2015

Em entrevista à BBC, o pesquisador do Ipespe Analítica, Vinícius Alves, lembra: (1) historicamente, as legendas de direita levam mais vantagem que as da esquerda em eleições municipais; (2) a direita possui muito mais partidos; (3) maior oferta de candidatos de direita (entre as cinco maiores legendas, 82,54% eram de partidos de direita e centro-direita).[i] Portanto, existe uma vantagem histórica desses partidos ofertando muito mais candidatos com maior estrutura para campanha. Por isso, cumpre desmembrar esses dados, vejamos a tabela 5.

Tabela 5: Os seis partidos que mais obtiveram votos para o Legislativo municipal (em milhões)
Partido20242020Variação (em milhões)Variação (%)
MDB11,348,622,7232%
PSD10,547,932,6133%
PP10,197,522,6736%
PL10,105,324,7890%
União9,349,68-0,34-4%
Republ.8,175,482,6949%
Total59,6844,5515,1334%
Fonte: TSE. Observação: o União Brasil nasceu da fusão entre PSL e DEM. Por isso, para aferir os votos de 2020 foram somados os votos dos referidos partidos.

Entre os seis mais votados, apenas o União Brasil teve redução, sendo possível associar a perda à desvinculação mais direta de parte da legenda ao bolsonarismo. Dado que, em 2020, antes da fusão, o PSL disputou as eleições ainda muito identificado com o então presidente Jair Bolsonaro e alguns importantes quadros, apesar do rompimento já ocorrido naquela época. Isso ajuda a compreender o crescimento do PL, que se tornou o partido de Bolsonaro e das principais lideranças associadas. Vejamos o outro lado na tabela 5:

Tabela 5: Quantidade de votos para o Legislativo Municipal por partidos, exceto os seis mais votado e a Esquerda, Centro-esquerda e vinculados (em milhões)
Partido20242020Variação (em milhões)Variação (%)
Podemos5,606,83-1,23-18%
PSDB4,786,70-1,92-29%
PRD3,516,26-2,75-44%
Avante3,302,370,9339%
Solidariedade2,984,66-1,68-36%
Novo1,700,710,99139%
DC1,410,740,6791%
Agir1,290,920,3740%
Cidadania1,173,1-1,97-63%
Mobiliza1,050,750,340%
PRTB0,671,03-0,36-35%
PMB0,660,410,2561%
Total28,1234,52-6,4-19%
Fonte: TSE. Observação: o Podemos incorporou o PSC, o Solidariedade incorporou o PROS, o União Brasil nasceu da fusão entre PSL e DEM e o PRD da fusão entre PTB e Patriota. Por isso, para aferir os votos de 2020 foram somados os incorporados e/ou que se fundiram.

Houve uma importante migração de votos para os maiores partidos, quando observado o conjunto de legendas não registradas como esquerda, centro-esquerda ou associado a eles: enquanto os seis mais votados ganharam cerca de 15 milhões de votos, o conjunto dos outros dezoito perde 6,4 milhões. Portanto, além do crescimento desses maiores partidos conquistando a maioria do adicional de votos válidos, há um processo de concentração de votos nas maiores legendas. Algo similar ocorreu no grupo dos partidos de esquerda, centro-esquerda e associados, com o crescimento de PT e PSB.

Está ocorrendo aquilo que os legisladores preconizavam com as reformas políticas realizadas após 2015: o fortalecimento dos maiores partidos e a perda relativa de importância das menores legendas, forçando fusões e incorporações. Quer dizer, assistimos uma contínua redução de partidos relevantes e, seguindo essa tendência, devemos ter menos legendas representadas no Congresso Nacional em 2026, portanto uma redução do número de partidos efetivos e do índice de fracionalização.

Não é só uma questão ideológica, tem uma coisa prática e material”

Segundo o sociólogo Tiaraju Pablo D’Andrea, coordenador do Centro de Estudos Periféricos (CEP), a força da esquerda nas periferias estava relacionada à presença de políticas públicas eficazes e a um contexto cujos direitos trabalhistas eram mais robustos. Em contrapartida, o crescimento da direita estaria relacionado, para ele, à capacidade desse espectro ideológico se fazer mais presente nas redes sociais e na Igreja e de dispor de mais recursos — que efetivamente chegam por meio da “[…] associação de moradores, ao time de várzea. Não é só uma questão ideológica, tem uma coisa prática e material.”[ii]

Desse modo, é importante destacar uma correlação cuja análise se mostra necessária e urgente: as mudanças nas emendas impositivas a partir de 2019 promoveram uma redução da discricionariedade do Poder Executivo sobre o Orçamento que, associada ao antigo Teto de Gastos e ao atual Arcabouço Fiscal, reduziu a capacidade do Governo Federal encabeçar políticas públicas e seu custeio, dando aos parlamentares inéditas condições de direcionar o Orçamento e custear obras e projetos em seus redutos eleitorais. Sobre esse tema, a Transparência Brasil analisou:

“[…] a Emenda Constitucional (EC) nº 105 criou uma nova modalidade de emendas individuais impositivas. Desde então, parlamentares podem utilizar a cota a que têm direito no orçamento da União de duas formas: definindo como o recurso será gasto (por meio de convênios dos beneficiários com o governo federal) ou pelo novo instrumento das transferências especiais, que desobriga as partes autoras (parlamentares) ou beneficiárias (estados ou municípios) de informarem a motivação e o detalhamento do gasto. O dinheiro é transferido dos cofres federais direto para a conta bancária dos entes subnacionais. Tamanha facilidade rendeu a essa modalidade o apelido de emendas Pix […] Constatou-se que o instrumento foi turbinado logo após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou inconstitucionais as emendas do relator-geral do orçamento (RP 9), popularmente conhecidas como “orçamento secreto” […] A opacidade das emendas Pix foi amenizada, ainda que em caráter insuficiente, pela Instrução Normativa (IN) 93 do TCU, publicada em janeiro de 2024 e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024” (Transparência Brasil, Setembro de 2024, p. 6-7).[iii]

A Transparência Brasil considera que a forma como ocorrem as emendas Pix, carente de melhor arcabouço normativo, é, na prática, uma forma de continuidade do orçamento secreto: verifica-se o aumento dessa categoria de emenda individual conforme a pressão aumentou sobre o orçamento secreto até a sua suspensão pelo STF. Ademais, o uso dessa dotação alcançou um nível de nacionalização extremamente elevado:

Das 5.570 cidades brasileiras, apenas 1.006 (18%) não foram contempladas com emendas Pix em 2024, nos dados consolidados até agosto. A pulverização de recursos impossibilita a eficaz fiscalização pelos órgãos de controle, e é consequência do interesse dos parlamentares em contemplar quantitativamente o máximo de localidades possível, em detrimento da qualidade do gasto. Entre os municípios “esquecidos”, seis têm mais de 600 mil habitantes: Teresina (PI), Jaboatão dos Guararapes (PE), Feira de Santana (BA), Duque de Caxias (RJ), São Gonçalo (RJ) e Brasília (DF) (Transparência Brasil, Setembro de 2024, p. 16-17).[iv]

Pedimos licença para utilizar uma ilustração da Transparência Brasil visando ressaltar o elevado grau de nacionalização desses recursos, veja a figura 1.

Figura 1: Percentual de municípios com emendas Pix empenhadas em 2024, por estado

Fonte:  Transparência Brasil (Setembro de 2024, p. 17)[v]

Vejamos alguns números sobre a utilização dessas emendas, nos gráficos 1 e 2:

Elaborado por Transparência Brasil (Junho de 2024; p. 13)[vi]
Elaborado com base em Transparência Brasil (Junho de 2024)[vii]

É possível verificar o aumento da proporção das emendas Pix dentre as emendas RP6 concomitante ao aumento do montante para esses fins. Com isso, é notável a correlação entre quantidade e proporção de emendas Pix com os resultados eleitorais. Vejamos o gráfico 3:

Fonte: Transparência Brasil (Junho de 2024)[viii]

Onze partidos tiveram acesso a mais de R$ 100 milhões em emendas Pix, segundo a LOA 2024. Desses, apenas quatro (União, PDT, Podemos e PSDB) receberam menos votos que em 2020; os outros cresceram entre 26% e 90%, sendo o maior crescimento do PL (o maior montante). Destaque positivo para o PSB, que conseguiu a 8° maior votação sendo o 10° em valor; e alerta para o PT (5° em emendas Pix e 7° em votos) e, principalmente, para União Brasil, PDT e Podemos que conseguiram menos votos mesmo estando entre os 10 maiores beneficiários. Vejamos o gráfico 4:

Fonte: Transparência Brasil (Junho de 2024)[ix]

Dos 20 partidos mencionados, apenas seis tiveram o percentual de emenda Pix abaixo de 30%, chamando a atenção para os casos do Novo (9,9%) e PSOL (0,4). Proporcionalmente, os partidos que tiveram menor percentual de emenda Pix guardam discrepâncias não só ideológica: o Novo apresentou crescimento de votos e não realizou detalhamento (transparência) em 100% do recurso destinado por essas emendas; o PSOL teve leve redução dos votos, utilizou um percentual ainda mais baixo das emendas nessa modalidade e todo valor destinado “via Pix” conta com detalhamento regular (50%) ou muito alto (50%), conforme a Transparência Brasil (Junho de 2024).

Esses números permitem encontrar uma correlação. Exceto PSDB e União, que apresentaram queda no percentual de votação, os partidos mais relevantes que encaminharam mais de 30% das emendas via “emendas Pix” e, em simultâneo, atingiram um montante superior R$ 100 milhões apresentaram um crescimento de votos superior à 30%. O PT, por sua vez, teve um crescimento de 26% dos votos, teve acesso a uma das maiores quantias em emendas Pix, mas usou apenas 23,1% nessa modalidade (preferindo outros tipos de RP6).

Esse tipo de emenda está associado a uma menor transparência, sobretudo pelo fato de apenas dois partidos (PCdoB e PSOL) terem se comprometido com algum nível de detalhamento sobre destinatário e finalidade, e os maiores aumentos de votos estão relacionados aos partidos que proporcionalmente mais usaram emendas Pix dentre as modalidades de RP6.

Cabe refletir se a correlação entre usar mais essas emendas e o melhor desempenho eleitoral está associado apenas às benfeitorias e complementação de políticas públicas, a outras formas de turbinarem as campanhas de seus aliados ou ambas. Fazer esse questionamento e investigar a questão permitirá: (i) compreender se a estruturação ideológica do voto é, de fato, a principal explicação para os resultados; (ii) permitirá compreender se as emendas Pix aumentam o capital político de parlamentares e partidos exclusivamente pelas obras e políticas públicas custeadas; e/ou (iii) se há outras formas de utilização dessas emendas impactando no desempenho dos partidos.

À guisa de conclusão

Não ignoramos o componente ideológico. Apesar de ser um tema com certa polêmica na ciência política nacional, ao menos dois bons artigos sustentam a relevância da ideologia e a coerência entre ela e o voto depositado (FUKS e MARQUES, 2020,[x] SILVA, 2019[xi]). Estamos, na verdade, indicando outros caminhos que precisam ser melhores analisados dadas as correlações. Outro exemplo, se observarmos as disputas para prefeitura, a predominância de partidos à direita se repete.

Sobre isso, a matéria da BBC traz o seguinte: “[…] de acordo com dados do TSE, dos cinco partidos com mais candidatos ao cargo de prefeito, quatro são de centro-direita ou de direita: MDB (1.926), PSD (1.751), PP (1.501) e PL (1.499) […] O único partido de esquerda entre os cinco primeiros é o PT, que neste ano lançou 1.412 candidaturas a prefeito […] das 8.089 candidaturas lançadas pelos cinco principais partidos do país, apenas 82,54% delas eram de legendas de direita ou centro-direita”.[xii]

Para completar o quadro, dos outros dez partidos de esquerda, centro-esquerda e associados, quatro não elegeram nem vereadores e obtiveram apenas cerca de 60 mil votos juntos. Em contrapartida, todos de direita ou centro-direita elegeram pelo menos 97 vereadores, um prefeito e a menos votada obteve 11 vezes mais votos que a soma dos quatro piores de esquerda (mais de 660 mil). Portanto, sete partidos de esquerda, centro-esquerda e associados possuem algum grau de competitividade contra 18 de centro-direita ou direita.

De fato, o desempenho da esquerda é fraco, mas avançou em relação a 2020. Além disso, os números indicam um crescimento mais evidente de partidos ligados ao chamado Centrão e com bom acesso às diversas modalidades de emendas e que “alimentaram” sua base eleitoral desde os tempos de orçamento secreto. Neste ínterim, cabe questionar a habilidade do PT na utilização dos recursos visando resultados eleitorais, sem esquecer do processo de deslegitimação colocado em curso desde, pelo menos 2013. Nesse processo, as turbulências políticas e econômicas permitiram identificar a esquerda com a má gestão no imaginário de parte da população, favorecendo a oposição das direitas.

Concomitantemente, a extrema direita e parte da direita tradicional assumiram o discurso antissistêmico e de reformas, associados ao conservadorismo moral e ao neoliberalismo econômico. A esquerda, colocada na defensiva, adotou a defesa das instituições democráticas sendo vista como defensora do status quo. Houve uma distinção: parte da população enxerga na esquerda institucional um esforço em conservar a ordem política e, apesar do conservadorismo moral, a direita assumiu o discurso da renovação da política, conseguindo mobilizar amplos setores da sociedade, unindo as críticas à promessa de uma moralidade restaurada e de ordem econômica.

Junto a isso, parte da direita assume discursos autoritários, individualistas e punitivistas. Uma armadilha que coloca a esquerda em dificuldades para discutir segurança pública. Quando não, políticos de partidos identificados com a esquerda adotam pautas da direita: como é o caso de Lúdio Cabral (PT), derrotado no segundo turno para a prefeitura de Cuiabá (MT); no debate sobre gênero; e o uso a violência, autoritarismo e punivitismo pelos últimos governadores petistas na Bahia. Há ainda, por diversas razões, pouca disposição ou incapacidade para resgatar a primazia do Executivo sobre o Orçamento Federal, aceitando uma política austera que restringe ao Bolsa Famílias as políticas sociais efetivas.

Resgatando Tiaraju Pablo D’Andrea, as periferias são áreas permanentemente em disputa por diferentes campos ideológicos e candidaturas, não fazendo sentido afirmar que eram de esquerda e, pelo conservadorismo moral, viraram de direita[xiii]. Para ele, não se deve reduzir a esquerda a “[…] só um setor da classe média intelectualizada […] Tem outra parte que é o movimento popular de moradia, o coletivo cultural, o movimento de saúde, as lutas por educação, os sindicalistas, os trabalhadores sindicalizados”.[xiv]

Portanto, além da orientação ideológica da população, é necessário compreender o que os partidos e candidatos ofertam aos eleitores. Concentrar a explicação unicamente na demanda (ideologia e comportamento eleitoral), sem considerar as opções apresentadas do lado da oferta (candidatura e partidos), e ignorar como os recursos institucionais favoreceram a atuação política dos principais “vencedores” das eleições de 2024, é uma forma de desresponsabilizar os atores políticos, culpabilizar os eleitores e deixar as coisas como estão.

*Jefferson Ferreira do Nascimento é doutor em ciência política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professor no Instituto Federal de São Paulo (IFSP).

*Maria do Socorro Sousa Braga é professora de ciência política na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Notas


[i] Ver este link

[ii] Ver este link

[iii] Transparência Brasil. “Menos de 1% das emendas Pix aprovadas no Congresso identificam o destino dos recursos”. Transparência Brasil: Junho de 2024. Disponível aqui.

[iv] Transparência Brasil. “Cidades com até 10 mil habitantes representam 6% da população, mas 25% das emendas ‘Pix’”. Transparência Brasil: Setembro de 2024. Disponível neste link

[v] Idem.

[vi] Ver nota 5.

[vii] Ver nota 5.

[viii] Ver nota 5

[ix] Ver nota 5.

[x] FUKS, M; MARQUES, PH. Contexto e voto: o impacto da reorganização da direita sobre a consistência ideológica do voto nas eleições de 2018. Opinião Pública. Set. 2020 (3), p. 401—430. Disponível em aqui.

[xi] SILVA, TM da. Nem tão “Flamengo”: questões de posição e o voto no Brasil. Revista de Sociologia e Política. 2019, 27(69), e005. Disponível em aqui.

[xii] Ver neste link.

[xiii] Consideração: além de não fazer sentido histórico, esse argumento é usado mais para desqualificar os movimentos em defesa de minorias políticas que para explicar o desempenho da esquerda. É um erro desassociar a luta pelo reconhecimento das diversas identidades sociais da dimensão de classe, mas não corroboramos com uma explicação monocausal.

[xiv] Ver neste link.


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