Conjuntura política e institucional

Imagem: Renan Quinalha
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Por IGOR FELIPPE*

Elementos sobre a correlação de forças pós-manifestações de 29 de maio.

Correlação de forças das classes sociais

A correlação de forças na sociedade ainda é desfavorável para as organizações da classe trabalhadora, marcada pelo golpe do impeachment de 2016, pela prisão do Lula e pela eleição de Jair Bolsonaro para a presidência em 2018. Nesse período, sofremos as derrotas da reforma trabalhista e da previdência, a aprovação da emenda constitucional do teto de gastos e da autonomia do Banco Central.

A burguesia tem atuado como um bloco unitário em torno de um programa neoliberal, que tem como objetivos diminuir o valor da força de trabalho, restringir o papel do Estado na economia, desregulamentar a exploração de recursos naturais e submeter a política externa aos interesses dos Estados Unidos.

A economia brasileira se mantém em uma profunda crise, chegando a patamares ainda maiores com a pandemia de coronavírus. Fracassou a promessa neoliberal de saída da crise com o teto dos gastos, a flexibilização da legislação trabalhista e a reforma da previdência.

O quadro do mercado de trabalho é marcado pelo desemprego, pela informalidade e pela queda da renda com o corte do auxílio emergencial. A taxa de desemprego supera 14 milhões de pessoas. O número de ocupados está em 85 milhões, abaixo do contingente de 2019. A maior parte do crescimento da ocupação nos últimos meses foi no mercado informal, que congrega 39% da população ocupada (33 milhões de trabalhadores).

A crise institucional é profunda. Com a implosão do sistema político tradicional, que tinha como pólos organizadores da disputa eleitoral PT e PSDB, emergiu a extrema-direita com discurso ideológico contra as instituições democráticas burguesas. Sob o governo Bolsonaro, o conflito entre Executivo, Judiciário e Legislativo é permanente, inclusive com o envolvimento das Forças Armadas.

As forças populares enfrentam dificuldades para incidir na sociedade, que se aprofundaram com os limites impostos pela pandemia. As ações realizadas no último período não conseguiram mobilizar a classe trabalhadora. Persiste a dificuldade em converter as bandeiras definidas pelas organizações em lutas populares com participação de faixas da classe trabalhadora.

A retomada dos direitos políticos do Lula, que recolocou a esquerda no jogo eleitoral com a perspectiva de retomar o governo federal, operou uma alteração na correlação de forças. Lula passou a exercer seu papel de maior liderança da oposição ao governo Bolsonaro, deu maior unidade ao campo progressista, atraiu setores do centro e abriu um canal de diálogo direto com o povo brasileiro.

As manifestações de rua, a depender da capacidade de agregar faixas da classe trabalhadora, podem alterar a correlação de forças. Os protestos de 29 de maio tiveram um contingente de setores médios, da juventude estudantil e das direções das organizações da classe trabalhadora. Foi baixa a participação da base da classe trabalhadora e dos camponeses.

Conjuntura política e institucional

A tragédia da pandemia de coronavírus, com uma média de 2 mil mortos por dia, atravessa a conjuntura, com impacto na vida das pessoas, na intensidade da atividade econômica, nas discussões no Congresso e no Judiciário e na atuação das forças populares.

As manifestações expressivas do dia 29 de maio são um elemento novo, tanto pela  capilaridade nacional quanto pelo número de participantes dos protestos. Foram registrados atos em todos os estados e DF, em 213 municípios, mobilizando mais de 420 mil pessoas. Com essa demonstração de força, os movimentos populares retomam o protagonismo político e expressam a unidade da esquerda, animando os setores progressistas com a volta às ruas.

Bolsonaro perde o “monopólio das ruas” com as mobilizações das forças populares, ao mesmo tempo em que a CPI da Pandemia de Covid-19 no Senado impõe um desgaste permanente com a exposição da postura irresponsável na condução das medidas sanitárias, a fixação pela cloroquina e o descaso com a compra das vacinas. Paralelamente, perde intensidade a atuação das milícias bolsonaristas nas redes sociais, que enfrentam dificuldades para construir narrativas para sair da situação adversa.

Uma nova jornada está marcada para o dia 19 de junho, pode ganhar força e viabilizar uma ofensiva contra o governo. As manifestações mantém a centralidade nas bandeiras “Fora Bolsonaro” , vacina no braço (maior investimento no SUS, garantia de leitos e insumos e aceleração da vacinação) e comida no prato (auxílio emergencial de R$600, políticas para manutenção de salários e apoio a pequenas e médias empresas). O tema Copa América no Brasil aparece de forma secundária, mantendo o foco nas bandeiras unitárias. Para evitar a descaracterização, serão mantidos os cuidados sanitários nos protestos e a perspectiva de que são atos extraordinários em uma pandemia diante da situação extrema de irresponsabilidade do governo Bolsonaro.

No seu pior momento político, Bolsonaro usa o controle sobre áreas estratégicas do governo, a sustentação do “centrão” (a direita fisiológica) na Câmara dos Deputados e do procurador-geral da República Augusto Aras para enfrentar a situação. A fatura do centrão para o governo deve ficar mais cara. Serão cobradas medidas para recompor o apoio nas eleições, com o aumento de gastos públicos e a aceleração de reformas para atender as pressões do grande capital. O ministro da Economia Paulo Guedes, de acordo com nota de jornal, estaria convencido da necessidade de abrir o cofre. Valdemar da Costa Neto, presidente do PL e conselheiro do presidente, propôs retomar o auxílio emergencial de R$ 600.

Bolsonaro mantém a aposta na radicalização, no discurso ideológico e na mobilização dos apoiadores fiéis. Os atos que têm realizado com motoqueiros em Brasília e no Rio de Janeiro sinalizam para a sua base de apoio. Os movimentos nas Forças Armadas, como a participação do ex-ministro da Saúde e general da ativa Eduardo Pazuello em um ato político – que incorreu em uma transgressão militar, não foi punido e foi nomeado na secretaria de Assuntos Estratégicos – esgarçam o regulamento disciplinar e a hierarquia do Exército.

O endurecimento de setores bolsonaristas na Polícia Militar nos estados, como na repressão ao ato do 29 de maio em Recife e na prisão do professor Arquidones Bites Leão em Goiás, demonstra a influência do presidente entre os policiais. Uma pesquisa nacional sobre a qualidade de vida dos policiais militares e policiais civis dos 26 estados e do Distrito Federal, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, dará ao governo uma radiografia e uma lista de contatos dos agentes da repressão de todo o país.

Esse cenário fortalece a polarização entre Bolsonaro e Lula, projetando um horizonte de acirramento da disputa pré-eleitoral. O quadro pode evoluir para uma guerra política e ideológica, inclusive, com atos de violência e ódio da extrema-direita. Não é possível descartar a possibilidade da extrema-direita lançar mão de artifícios para desestabilizar as eleições e abrir um confronto. Bolsonaro já antecipa a disputa contra Lula e destila o discurso ideológico anti-esquerda e tenta recolocar a pauta conservadora (“Deus, Pátria e Família” ).

As margens para a direita neoliberal estão cada vez mais estreitas. Não tem um nome competitivo para a eleição presidencial e assiste as forças populares retomarem o protagonismo na oposição ao governo Bolsonaro. No entanto, controla governos estaduais importantes, tem força política, referência na sociedade, confiança programática de frações da burguesia e de grandes meios de comunicação.

A direita não bolsonarista terá que aumentar a carga contra Bolsonaro, caso contrário terá dificuldades para suplantar o atual presidente e viabilizar a 3ª via contra Lula, que aparece consolidado como candidato da esquerda. Além disso, deve abrir as artilharias contra o fantasma da polarização, na linha do vídeo divulgado pelo Partido Cidadania (EX-PPS), para semear o medo e pregar a necessidade de uma 3ª via para “pacificar” o país.

Tendências, cenários e desafios

A evolução da pandemia, mais precisamente da vacinação, e o cenário econômico são determinantes para a disputa política e para as eleições. A gestão da crise hídrica, que poderá levar a um apagão em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, a depender do volume de chuvas, é um elemento adicional.

A leitura mais “pessimista” destaca o nível baixo da atividade econômica, a manutenção de grandes níveis de desemprego, a corrosão da renda com a inflação alta de produtos e serviços básicos, o aumento do endividamento e da inadimplência. Consequentemente, haverá uma deterioração das condições de vida dos trabalhadores. Nesse cenário, a direita neoliberal poderia deslocar Bolsonaro, arrastar setores da burguesia e atrair o eleitorado mais conservador descontente com o governo.

A projeção mais “otimista” aponta uma leve recuperação econômica com o crescimento do primeiro trimestre (acima das expectativas de estagnação), em um quadro de câmbio desvalorizado, o juro baixo e a recuperação de China e EUA. A ampliação dos repasses federais para os fundos de participação de estados e municípios sinaliza o aumento da arrecadação de impostos. Com isso, o governo terá alguma margem fiscal para abrir o caixa, fazer investimentos em algumas áreas e criar um novo programa social de maior envergadura. O crescimento pode alcançar 5% neste ano e criar um efeito de melhora na vida dos trabalhadores mais pobres. Ao mesmo tempo, a vacinação está avançando, mesmo que lentamente, e deve alcançar boa parte da população até dezembro. Nesse caso, Bolsonaro estará em melhores condições políticas em 2022, terá uma base de apoio maior do que a atual e poderá atrair as frações da burguesia, interessadas na derrota do Lula.

O acirramento da polarização implica organização e preparação das forças populares para o recrudescimento da luta de classes até as eleições. Agora, a tarefa é avançar com a campanha “Fora Bolsonaro” para desgastar ao máximo o atual governo. Ao mesmo tempo, cresce o desafio de disputar ideologicamente e envolver na luta faixas da classe trabalhadora, especialmente da juventude, defendendo políticas de renda, salário e emprego. Mais pra frente, no processo de preparação para as eleições, será necessário envolver as forças democráticas e progressistas para derrotar a extrema-direita e construir uma campanha militante em defesa de medidas populares emergenciais para enfrentar a crise nacional, contrastando com o programa neoliberal em curso desde 2015.

*Igor Felippe Santos é jornalista.

 

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