Por LUIZ EDUARDO NEVES DOS SANTOS & FERNANDO EURICO LOPES ARRUDA FILHO*
A luta dos catadores de lixo por condições mais dignas de vida
“Nenhuma praga é tão letal e, ao mesmo tempo, tão evitável como a fome” (Martín Caparrós, A fome, p. 11).
Como é sabido, o Brasil é um dos países mais desiguais do planeta, a concentração de riqueza e renda tem aumentado bastante, mesmo em um cenário pandêmico, enquanto a situação de pobreza e extrema pobreza são onipresentes e não param de se expandir no território do país. Segundo dados do IBGE, 52 milhões de brasileiros se encontram nesta situação, são homens e mulheres desempregadas ou subempregadas, sobrevivendo em lugares insalubres e habitações precárias, sem acesso à serviços básicos de Saúde e Educação, sem Assistência Social, invisibilizados pelo Estado e pela sociedade e em situação de grave insegurança alimentar, um verdadeiro “museu da exploração humana”, como bem definiu Mike Davis em seu Planeta Favela. Tal contingente populacional é composto, em sua maioria, por pessoas pretas e pardas (73%), um doloroso retrato de uma sociedade que ainda possui fortes marcas da escravidão.
As senzalas modernas, produto da espoliação causada pelo sistema de acumulação, são representadas pelas favelas, guetos e palafitas. Essa massa de despossuídos também se aglomera em torno de lixões, “na imundície do pátio, catando comida entre os detritos”, e compõem uma paisagem desoladora, repleta de urubus, ratos e baratas, algo comum em diferentes lugares do Brasil, especialmente em estados como o Maranhão, que ainda amarga os piores índices socioeconômicos e ambientais entre as 27 unidades da federação. Assim, é possível identificar milhares de pessoas que sobrevivem nos e dos lixões. Um verdadeiro contingente de famélicos nos mais variados municípios maranhenses.
As violações aos Direitos Humanos são gravíssimas. É escandaloso e revoltante, ainda hoje, a manutenção de áreas destinadas ao acúmulo de lixo a céu aberto no Brasil e no Maranhão. Lembrando que em 2010 foi promulgada a lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Entre seus objetivos havia a previsão de estimular a redução e a reutilização de resíduos, bem como banir os lixões no Brasil até 2014, algo que a imensa maioria dos municípios brasileiros não cumpriu, por absoluta ausência de responsabilidade social e vontade política de prefeitos, vereadores, deputados e governadores, que alegam dificuldades de alocação de recursos financeiros.
O fato é que nos últimos anos o Brasil aumentou muito sua geração de lixo, passando de 66,7 milhões de toneladas em 2010 para quase 80 milhões de toneladas em 2019, segundo dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020. Municípios como Pinheiro, o maior da baixada maranhense, em virtude da aprovação do Novo Marco do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), têm até o fim de 2023 para extinguir seu lixão e municípios com menos de 50 mil habitantes possuem até dezembro de 2024 para desativar essas aberrações.
O conhecido “catador de lixo” faz parte de um ciclo econômico perverso. Esse trabalhador invisível vai em busca de alumínio, ferro e cobre, além de sacolas plásticas e garrafas pet, os quais são comercializados para os donos de depósitos, tendo como destino final a indústria da reciclagem, ou seja, a procura é por materiais que podem ser reciclados e reutilizados.
Existem dois tipos de catadores, o das ruas e o do lixão. Aqueles que catam no lixão não usam qualquer tipo de calçado para proteção. São inúmeros relatos de queimaduras por cinzas e faíscas porque ateiam fogo para ficar visível o ferro, cobre e alumínio. Em Pinheiro, a catação dos materiais recicláveis é realizada nas ruas, na feira, próximo ao mercado e onde há intensa produção de resíduos.
No lixão da Piçarreira, município de Pinheiro-MA, homens, mulheres, idosos e crianças arriscam a vida sem qualquer equipamento de segurança, os acidentes de trabalho são frequentes. Para evitar queimaduras do sol, usam camisas de manga comprida durante o dia e muitos trabalham à noite, para evitar insolação. O trabalho começa cedo, é extenuante, mas se o catador consegue reunir material suficiente, não necessita trabalhar muito o restante do dia.
A defensoria pública em Pinheiro visitou o lixão e lá presenciou situações chocantes. Crianças disputam restos de comida com urubus e cachorros. O catador não mira apenas os produtos, pois matar a fome é mais urgente, por isso, frequentemente, não esperam de imediato a venda para os depósitos.
O ponto de maior fluxo é quando um caminhão de uma grande rede de supermercados da cidade vai despejar seu lixo, por volta das 13h30min. Todos correm para disputar os rejeitos, incluindo toda sorte de indivíduos: crianças, idosos e mulheres grávidas, por exemplo. A partir disso, a defensoria encampou a luta para a criação de uma associação de catadores, tendo em vista a falta de equipamentos, de condições de trabalho, de conhecimentos para executar a coleta, a seleção de materiais e de apoio financeiro para a infraestrutura.
Em audiência pública promovida pela defensoria foi constituída uma associação de catadores e o poder público municipal, de imediato, instituiu uma renda mínima mensal e o fornecimento de cestas básicas para cada catador. Graças ao trabalho da defensoria, que também tem mostrado e denunciado tal situação a setores importantes da mídia progressista, cerca de 300 pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social estão sendo beneficiadas, isto quer dizer que este grupo deixou de ser invisível para o poder público e para a sociedade. E a luta para que estas pessoas tenham condições mais dignas de vida está longe de terminar.
*Luiz Eduardo Neves dos Santos, geógrafo, é professor na Universidade Federal do Maranhão, Campus Pinheiro.
*Fernando Eurico Lopes Arruda Filho é defensor público do estado do Maranhão.