Força eleitoral

Imagem Gerhard Lipold
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por IGOR FELIPPE SANTOS*

Lula supera perseguição e se consagra ao derrotar “vale tudo” de Jair Bolsonaro

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma disputa encarniçada contra o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) é a vitória mais importante das forças populares na última década. Depois da brutal ofensiva da direita para destruir a esquerda e implementar um programa ultraneoliberal, Lula voltará à presidência com uma ampla e heterogênea aliança.

O resultado das eleições consagra a força eleitoral e a profunda identidade com o povo brasileiro de Lula. Somente a maior liderança popular da história do Brasil poderia vencer essa disputa. Depois de toda a difamação moral, da perseguição política, midiática e judicial, do encarceramento injusto por 580 dias, ele unificou as forças populares, resgatou a confiança da militância, contagiou a sociedade e construiu uma ampla aliança nacional.

A militância teve um papel fundamental para a vitória, com ações de agitação, trabalho de base e mobilização, especialmente nos comícios e caminhadas com o Lula. Os comitês populares, construídos antes mesmo das eleições, tiveram o papel importante de desenhar uma estrutura organizativa e consolidar um calendário de ações de agitação política, que movimentaram a militância em torno da eleição do Lula. Na abertura do período eleitoral, o processo político se intensificou e ganhou uma dinâmica em torno da campanha dos candidatos a deputado. No segundo turno, apesar da votação expressiva de Jair Bolsonaro, contagiou toda a sociedade que se envolveu de diversas formas para eleger Lula.

Jair Bolsonaro levou ao máximo que pôde, ainda que de forma ilegal, o uso do dinheiro público e das mentiras como método de manipulação em uma eleição que transcorreu sob condições bastante desiguais. A escala da utilização da máquina pública se deu de forma inédita em uma disputa presidencial. O uso das finanças nacionais via as emendas secretas destinaram R$ 44 bilhões neste ano, que irrigaram prefeituras e empresas fantasmas no Nordeste que financiaram a campanha em todo o país. Somente na “parcela” liberada em setembro, nas vésperas das eleições, R$ 3,5 bi foram para as mãos de parlamentares aliados do atual presidente. A ampliação eleitoreira do Auxílio Brasil, com o aumento da base de beneficiados e do valor dos pagamentos, distribuiu R$ 35 bilhões para manipular o resultado.

A profunda luta político-ideológica imposta pela corrente bolsonarista fez uma escalada de mentiras (as chamadas fake news) nas redes sociais e nos programas de rádio e TV, manejando uma agenda ultraconservadora. Há indícios de que essas ações tiveram a assessoria estrangeira de Steve Bannon, com recursos externos para o pagamento de anúncios no Google, YouTube e Facebook. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, ministro do STF, atuou para coibir o “gabinete do ódio”. Articulou restrições com as plataformas, derrubou canais, páginas, grupos e perfis que espalhavam fake news e chamou Carlos Bolsonaro, o responsável pela articulação de redes do presidente, para prestar depoimento. Mesmo assim, não acabou com o problema das fake news, que encontrou terreno fértil no conservadorismo brasileiro.

Muitos pastores pentecostais e padres conservadores transformaram seus púlpitos em comitês eleitorais de Jair Bolsonaro. Fizeram pregações fantasiosas contra o comunismo, em nome de Deus, da família e da propriedade. Além disso, explodiram as denúncias de assédio eleitoral de patrões para chantagear trabalhadores. Foram 2.556 denúncias neste ano, 12 vezes superior ao registrado em 2018. Quase 2 mil empresas foram denunciadas, a maioria na região Sudeste, sobretudo em Minas Gerais.

Lula construiu uma ampla aliança desde o primeiro turno. Unificou o campo da esquerda, atraiu a centro e incidiu sobre franjas da direita. Levou para a campanha artistas, intelectuais, esportistas e personalidades, que fizeram um esforço para encerrar a disputa na primeira rodada. No segundo turno, congregou a maior parte do campo de oposição a Jair Bolsonaro, construindo a maior aliança política, em torno da luta democrática. Assim, incidiu em frações da burguesia, expressa na adesão dos velhos caciques tucanos e dos criadores do Plano Real.

O segundo turno da eleição foi decidido nos detalhes, em uma disputa que terminou com uma diferença de um pouco mais de 2 milhões de votos. O embate, em certa medida, aconteceu às cegas, com o descrédito das pesquisas de opinião depois do primeiro turno. Os ataques das campanhas de ambos os lados baixaram muito o nível, inclusive no horário eleitoral na TV e no rádio. Com a tática do “bateu levou”, a campanha do Lula saiu da passividade e obrigou o bolsonarismo a se defender. Na reta final, o desgaste do “pintou um clima” com menores de idade, dos tiros e granadas jogados por Roberto Jefferson contra policiais federais e, especialmente, das declarações de Paulo Guedes sobre questões econômicas pode ter sido decisivo.

A “questão meridional” brasileira se expressou na larga vantagem de 12 milhões de Lula no Nordeste. Nas outras regiões, Bolsonaro venceu, com diferença mais expressiva no Sul e no Centro-oeste. Dos votos agregados pelo petista no segundo turno, 60% (1,75 milhão) foram conquistados no Sudeste, que foi a região onde Bolsonaro mais encolheu em comparação à eleição de 2018.

Nas eleições para os governos estaduais, a vitória de Tarcísio de Freitas (PR), ministro de Bolsonaro, demonstrou a força do conservadorismo no interior de São Paulo, um contraponto à trincheira progressista na capital e na região metropolitana, que deu maioria a Lula e Haddad. Na Bahia, o petista Jerônimo Rodrigues venceu em uma dura disputa com ACM Neto. No Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Mato Grosso do Sul, o PSDB elegeu governadores e ganhou uma sobrevida depois de minguar na eleição para o Congresso Nacional.

A vitória de Lula representa uma mudança na correlação de forças na institucionalidade. A retomada do governo confere ao presidente instrumentos para reorganizar o quadro político e articular segmentos econômicos para construir uma força político-social para avançar com um projeto de mudanças sociais. No entanto, o governo enfrentará uma oposição radical sob liderança da extrema-direita. Com disposição de fazer mobilizações de rua, como demonstram os bloqueios nas estradas depois das eleições, a corrente bolsonarista se consolida no campo da direita com os 58 milhões de votos obtidos por Bolsonaro.

A implementação de um programa de emergência para resolver os graves problemas do povo e o debate de um novo projeto de país dependerá, sobretudo, da capacidade de organização popular e luta da classe trabalhadora e da consolidação de instrumentos para enfrentar a intensa luta ideológica. Assim, avançar na implementação de um programa capaz de unificar setores e concentrar força política e social para fazer as mudanças na política e na economia.

*Igor Felippe Santos é jornalista e ativista de movimentos sociais. É apresentador do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato.

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição
  • O perde-ganha eleitoralJean-Marc-von-der-Weid3 17/11/2024 Por JEAN MARC VON DER WEID: Quem acreditou numa vitória da esquerda nas eleições de 2024 estava vivendo no mundo das fadas e dos elfos

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES