O mito da democracia inabalada

Imagem: Marina Leonova
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por IGOR FELIPPE SANTOS*

O 8 de janeiro não foi o capítulo final da crise política nem a regeneração da democracia brasileira

O novo mito que ganha impulso com a efeméride de um ano do ataque às instituições republicanas de 8 de janeiro de 2023 é que a democracia brasileira venceu e está “inabalada”.

Não há dúvidas de que a tentativa de golpe com a ação de destruição das hordas fascistas não conseguiu impor uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que entregasse o poder às Forças Armadas e afastasse o então empossado presidente Lula.

No entanto, a democracia brasileira enfrenta uma profunda crise e continua agonizando. A derrota dos golpistas não representou, definitivamente, a redenção do nosso sistema político.

Essa normalização da crise política nacional serve somente a quem quer manter o atual estado das coisas. Talvez por se beneficiar do crescente conflito entre poderes. Talvez por temer que as suas raízes venham à tona e ensejem mudanças.

O Brasil é um país presidencialista, mas avança o fato consumado de que vivemos sob um parlamentarismo velado ou um semipresidencialismo. O conflito entre os poderes, que se agudizou nos últimos 10 anos, tem como vetor a crescente mutilação do poder do governo federal.

O Poder Judiciário e o Poder Legislativo têm tomado, sob a condescendência daqueles que hoje exaltam a democracia, atribuições políticas, econômicas e institucionais do Poder Executivo e usurpado a soberania popular expressa no voto.

É estarrecedora a sanha dos deputados e senadores para obter fatias cada vez maiores do Orçamento para emendas parlamentares. Transformaram-se num instrumento para que os congressistas aumentem sua influência nos seus redutos eleitorais, independentemente do governo de plantão.

Não há precedentes no nível de exposição dos ministros do STF, que intervêm na cena política em entrevistas nos jornais, programas de TVs, podcasts e redes sociais de forma cada vez mais banal. Depois da desmoralização da Operação Lava Jato, houve uma alteração de orientação do Judiciário, mas não aconteceram mudanças no sistema de Justiça.

Membros da cúpula das Forças Armadas, que tiveram participação no processo do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, atuaram para manter a prisão do Lula, fizeram parte do governo de Jair Bolsonaro e se envolveram no ataque de 8 de janeiro, continuam impunes.

O governo federal, sob o comando de um presidente da República eleito pela maioria dos eleitores e expressão da soberania popular, está cada vez mais refém do Congresso Nacional e do STF.

Nesse cenário, a burguesia mantém o controle da economia, joga a carta da “estabilidade econômica” e usa o Poder Legislativo e o Poder Judiciário para limitar a atuação do governo federal e bloquear o programa vencedor nas eleições de 2022.

O 8 de janeiro não foi o capítulo final da crise política nem a regeneração da democracia brasileira. A tentativa de golpe, inclusive, é consequência da dissolução do regime político. Enquanto não houver mudanças na estrutura de poder, que resgatem o sentido profundo da soberania popular, de que todo o poder emana do povo, nossa frágil democracia estará em risco.

É muito perigoso idealizar essa democracia em crise porque a frustração da população e a falta de uma alternativa ao colapso do sistema político e das instituições, forjados pela Constituição de 1988, podem levar o país a mais uma ofensiva da extrema direita, muito mais violenta que o 8 de janeiro.

*Igor Felippe Santos é jornalista e ativista de movimentos sociais.


Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
André Márcio Neves Soares Luiz Renato Martins Lorenzo Vitral Sandra Bitencourt Paulo Capel Narvai Ari Marcelo Solon Walnice Nogueira Galvão Denilson Cordeiro José Costa Júnior Mário Maestri Francisco de Oliveira Barros Júnior Maria Rita Kehl José Luís Fiori Leonardo Avritzer José Micaelson Lacerda Morais Tadeu Valadares Marcos Silva Tarso Genro Andrés del Río Alexandre de Lima Castro Tranjan Manchetômetro Michael Löwy João Carlos Loebens Manuel Domingos Neto João Lanari Bo Eduardo Borges Thomas Piketty Ricardo Musse Eliziário Andrade Mariarosaria Fabris Antônio Sales Rios Neto Carla Teixeira Luciano Nascimento Érico Andrade Luiz Marques Flávio R. Kothe João Paulo Ayub Fonseca Tales Ab'Sáber Elias Jabbour Marilena Chauí Bruno Machado Francisco Fernandes Ladeira Jorge Branco Eugênio Bucci Dênis de Moraes Jean Marc Von Der Weid Caio Bugiato Luiz Bernardo Pericás Michel Goulart da Silva Alexandre de Freitas Barbosa Gabriel Cohn Henry Burnett Paulo Martins Bernardo Ricupero Vinício Carrilho Martinez Henri Acselrad Fernando Nogueira da Costa Antonio Martins Luís Fernando Vitagliano Leonardo Boff Alysson Leandro Mascaro Marcelo Guimarães Lima Bruno Fabricio Alcebino da Silva Julian Rodrigues Ronaldo Tadeu de Souza Armando Boito Francisco Pereira de Farias Benicio Viero Schmidt Milton Pinheiro Valerio Arcary Carlos Tautz Paulo Sérgio Pinheiro Paulo Nogueira Batista Jr Remy José Fontana Valerio Arcary Antonino Infranca Vladimir Safatle Celso Favaretto João Sette Whitaker Ferreira Osvaldo Coggiola Andrew Korybko Celso Frederico João Feres Júnior Daniel Brazil Berenice Bento Priscila Figueiredo Marcos Aurélio da Silva Annateresa Fabris João Adolfo Hansen Igor Felippe Santos Vanderlei Tenório Anselm Jappe Michael Roberts Marcelo Módolo Atilio A. Boron Jean Pierre Chauvin Luiz Eduardo Soares Ladislau Dowbor Luis Felipe Miguel Daniel Afonso da Silva Lincoln Secco Rodrigo de Faria Liszt Vieira Lucas Fiaschetti Estevez Gerson Almeida Fernão Pessoa Ramos Dennis Oliveira Sergio Amadeu da Silveira Kátia Gerab Baggio Leda Maria Paulani Otaviano Helene Everaldo de Oliveira Andrade Chico Whitaker André Singer Fábio Konder Comparato Daniel Costa Luiz Carlos Bresser-Pereira Jorge Luiz Souto Maior Paulo Fernandes Silveira Ricardo Abramovay Eleutério F. S. Prado Plínio de Arruda Sampaio Jr. José Geraldo Couto Marilia Pacheco Fiorillo Rafael R. Ioris Boaventura de Sousa Santos João Carlos Salles Afrânio Catani Marcus Ianoni Eleonora Albano Airton Paschoa Yuri Martins-Fontes Ronald Rocha José Raimundo Trindade Claudio Katz Slavoj Žižek Renato Dagnino Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Heraldo Campos Ricardo Antunes Eugênio Trivinho Chico Alencar José Machado Moita Neto Marjorie C. Marona Gilberto Maringoni Luiz Roberto Alves Rubens Pinto Lyra Flávio Aguiar Salem Nasser Luiz Werneck Vianna Leonardo Sacramento Ronald León Núñez Bento Prado Jr. Juarez Guimarães José Dirceu Gilberto Lopes Matheus Silveira de Souza Samuel Kilsztajn Alexandre Aragão de Albuquerque Ricardo Fabbrini

NOVAS PUBLICAÇÕES