Liberdade de expressão – proteção e limites

Imagem: Alexander Zvir
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CRISTHYANO RODRIGUES DO CARMO BARBALHO*

As liberdades de pensamento e reunião jamais deverão ser utilizadas como instrumentos que possam inserir ilegalidades mascaradas no Estado Democrático de Direito

A ditadura militar, sem sombra de dúvidas, foi um dos eventos mais sombrios da recente história do Brasil ao suprimir, efetivamente, os direitos e garantias, dentre eles as liberdades democraticamente advindas da Constituição de 1946.

Diante da instauração do regime ditatorial, “em 1967 é elaborada nova Constituição, mantendo formalmente a liberdade de expressão (art. 150, § 8º), com os mesmos limites impostos pela Constituição de 1946 e pelo Ato Institucional no. 2”.[i] Além disso, também foi mantido o direito de reunião no artigo 150, §27. Nesse período, entre os atos institucionais editados, destacou-se o Ato Institucional nº 5 (AI 5) instituído em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, ficou conhecido como “o ano que não acabou”.[ii]

O AI 5 “produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados”.[iii]

Em 1969, com a edição da Emenda Constitucional nº 1, já se sentia os severos efeitos das restrições impostas pelos militares aos direitos as liberdades de expressão e reunião, cuja previsão normativa era tão somente uma maquiagem a realidade.

Quando veio abaixo o regime ditatorial, uma nova luz de esperança ressurgiu iluminando o caminho do país para a redemocratização, trazendo de volta consigo os inúmeros direitos que haviam sido suprimidos, dentre eles as liberdades de expressão e reunião.

Em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Cidadã, o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulisses Guimarães, em discurso marcante, ao afirmar que “Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”.[iv]

A partir desse discurso foi possível prever que a nova Constituição teria gênese democrática, conferindo liberdades individuais e coletivas aos cidadãos, sendo esta uma forte resposta àqueles que impuseram o regime ditatorial, silenciando a população de pensar e se reunir.

As liberdades de pensamento e reunião, ora em comento, foram inseridas pelo legislador constituinte originário na Constituição Federal de 1988, Título II que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, mais precisamente no Capítulo I, que elenca o rol de Direitos e Garantias Individuais e Coletivas.

Na abordagem dos direitos das liberdades de pensamento e reunião, convém tratar de questões atinentes a proteção e limitações do seu exercício em consonância com a Constituição. A liberdade de pensamento assegurada pelo artigo 5º, IV, estabeleceu que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”[v]

O direito de reunião assegurado no artigo 5º, XVI, que dispõe que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.[vi]

Primeiramente, é importante esclarecer que os direitos e garantias individuais e coletivos previstos na Constituição Federal de 1988 não podem ser exercidos de forma absoluta, salvo exceções. Nesse cenário, os direitos das liberdades de pensamento e reunião também estão inseridos numa classificação relativizada, uma vez que o seu exercício pode entrar em conflito com outros direitos e garantias previstos na Constituição, onde não há hierarquia de um em relação ao outro.

No caso concreto, os conflitos de interesses são ponderados com especial atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, respectivamente. Além disso, devem ser considerados sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana.

A liberdade de expressão do pensamento tem sua base originária no Bill of Rights em 1689. Em 1769, esse direito fundamental surge na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, sendo este diploma um marco na consagração das liberdades individuais e coletivas.

A liberdade de expressão do pensamento, em regra, deve ter ampla proteção, tendo o indivíduo incorporado ao seu direito à livre escolha de exteriorizar o pensamento, cabendo ao Estado abster-se de restringi-lo.

Em que pese a regra seja a liberdade do indivíduo de expressar o seu pensamento, há casos excepcionais que admite a restrição quando, no caso concreto, haverá uma ponderação se o exercício desse direito coloca em risco bens jurídicos de terceiros tutelados pelo Estado.

Por outro lado, o direito à liberdade de reunião tem sua gênese no princípio republicano e está agasalhada aos direitos de liberdade de expressão. “Trata-se de um direito de aspecto eminentemente instrumental, que visa assegurar a livre expressão das ideias, incluindo-se, em seu âmbito de proteção, o direito de protestar.”[vii]

“A noção de reunião é suficientemente ampla para acomodar tanto manifestações estáticas, circunscritas a um único espaço territorial, como para acolher situações mais dinâmicas, em que há o deslocamento dos manifestantes por vias públicas.”[viii]

Desse modo, a liberdade de reunião tem “uma dimensão negativa, consubstanciada no dever de não interferência do Estado em seu exercício; por outro, uma dimensão positiva, presente no dever do Estado de “proteger os manifestantes, assegurando os meios necessários para que o direito à reunião seja fruído regularmente”.[ix]

A Constituição Federal de 1988 elenca dois limites condicionantes ao seu exercício, sendo a primeira exigência de reunião pacífica e sem armas. Quanto a segunda exigência, trata-se do lugar escolhido e o prévio aviso a autoridade competente, para que não seja frustrado o bem jurídico de terceiros.

A democracia pressupõe que a sociedade sempre deve ter o seu direito voz e reunião assegurados em diversos campos e segmentos. A efetiva utilização dessas garantias constitucionais pelo indivíduo em vários períodos da história do Brasil tem demonstrado a sua importância no postulado do Estado Democrático de Direito.

Essas garantias devem receber maior proteção, para que a sociedade a utilize de forma ampla e irrestrita quando sempre se fizer necessária a manutenção da democracia no país. É a partir das garantias individuais e coletivas conferidas em uma constituição promulgada pela vontade do povo que a democracia subsistirá, afastando as garras do totalitarismo que um dia escureceu os céus do Brasil.

As liberdades de pensamento e reunião jamais deverão ser utilizadas como instrumentos que possam inserir ilegalidades mascaradas no Estado Democrático de Direito, em especial aquelas que visem ameaçar a sua estrutura, de modo a não mais flertar com o autoritarismo.

A proteção as liberdades de pensamento e reunião devem ser celebradas e estimuladas em benefício da manutenção da democracia, mas sempre com um olhar atento aos preceitos constitucionais.

*Cristhyano Rodrigues do Carmo Barbalho é advogado.

Notas


[i] SARMENTO, Daniel. Comentário ao artigo 5º, IV. In CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 517.

[ii] Fundação Getúlio Vargas. O AI5. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5.

[iii] Fundação Getúlio Vargas. O AI5. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5.

[iv] BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Integra do Discurso Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Dr. Ulisses Guimarães. Disponível em: https://www.camara.leg.br/radio/programas/277285-integra-do-discurso-presidente-da-assembleia-nacional-constituinte-dr-ulysses-guimaraes-10-23/.

[v] Brasil. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional no 125/2022. – Brasília, DF: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2022. p.13.

[vi] Brasil. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional no 125/2022. – Brasília, DF: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2022. p.13.

[vii] NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 370-371.

[viii] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Comentário ao artigo 5º, XVI. In CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 641.

[ix] NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 371.

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como 

Outros artigos de

Este é o único artigo publicado.

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Leonardo Avritzer Flávio Aguiar Michael Roberts Luis Felipe Miguel Luiz Carlos Bresser-Pereira Francisco Pereira de Farias Anselm Jappe Rafael R. Ioris Otaviano Helene Sergio Amadeu da Silveira Antonino Infranca Marcus Ianoni Flávio R. Kothe Luiz Bernardo Pericás Jorge Branco Walnice Nogueira Galvão José Raimundo Trindade Everaldo de Oliveira Andrade Tadeu Valadares Ladislau Dowbor Lincoln Secco Vanderlei Tenório José Machado Moita Neto Fábio Konder Comparato Henri Acselrad Priscila Figueiredo Ricardo Fabbrini Maria Rita Kehl Antônio Sales Rios Neto Eduardo Borges Rodrigo de Faria Kátia Gerab Baggio Daniel Brazil Eugênio Trivinho Ari Marcelo Solon Daniel Afonso da Silva Sandra Bitencourt Anderson Alves Esteves Ricardo Musse Carlos Tautz Jean Pierre Chauvin Chico Whitaker José Costa Júnior Marilena Chauí Gerson Almeida Celso Favaretto Tales Ab'Sáber Bruno Machado Marcelo Módolo Michael Löwy Igor Felippe Santos Ronald Rocha Julian Rodrigues Luiz Werneck Vianna Jean Marc Von Der Weid Luiz Roberto Alves Andrew Korybko Roberto Bueno Marcos Silva Vinício Carrilho Martinez Matheus Silveira de Souza Gabriel Cohn Thomas Piketty Fernando Nogueira da Costa João Adolfo Hansen Chico Alencar José Micaelson Lacerda Morais Jorge Luiz Souto Maior Slavoj Žižek Manuel Domingos Neto Eleonora Albano João Carlos Salles Mariarosaria Fabris Elias Jabbour Luiz Marques Paulo Martins Leda Maria Paulani Caio Bugiato Marjorie C. Marona Lucas Fiaschetti Estevez Alexandre de Lima Castro Tranjan Lorenzo Vitral Érico Andrade Annateresa Fabris Carla Teixeira Eliziário Andrade Paulo Sérgio Pinheiro Henry Burnett Yuri Martins-Fontes Paulo Capel Narvai Salem Nasser Manchetômetro Valerio Arcary Francisco de Oliveira Barros Júnior Gilberto Lopes José Geraldo Couto Ronaldo Tadeu de Souza Bento Prado Jr. João Sette Whitaker Ferreira José Dirceu Tarso Genro Luiz Renato Martins Ricardo Abramovay Remy José Fontana Bernardo Ricupero Francisco Fernandes Ladeira Renato Dagnino Marilia Pacheco Fiorillo Leonardo Sacramento Afrânio Catani Milton Pinheiro Celso Frederico Bruno Fabricio Alcebino da Silva Juarez Guimarães André Márcio Neves Soares José Luís Fiori Paulo Nogueira Batista Jr Dennis Oliveira Marcelo Guimarães Lima Heraldo Campos Denilson Cordeiro Alexandre Aragão de Albuquerque Plínio de Arruda Sampaio Jr. André Singer João Carlos Loebens Mário Maestri Vladimir Safatle Roberto Noritomi Ricardo Antunes Eleutério F. S. Prado Osvaldo Coggiola Valerio Arcary Berenice Bento Luciano Nascimento Luís Fernando Vitagliano Ronald León Núñez Dênis de Moraes Alexandre de Freitas Barbosa Eugênio Bucci João Feres Júnior Leonardo Boff Fernão Pessoa Ramos João Paulo Ayub Fonseca Airton Paschoa Samuel Kilsztajn Armando Boito Rubens Pinto Lyra Marcos Aurélio da Silva Boaventura de Sousa Santos Gilberto Maringoni Liszt Vieira João Lanari Bo Claudio Katz Luiz Eduardo Soares Paulo Fernandes Silveira Daniel Costa Atilio A. Boron Alysson Leandro Mascaro Benicio Viero Schmidt Antonio Martins

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada