Por ROBERT BOYER*
É totalmente contraproducente afirmar que uma reforma é a única possível
Depois dos relatórios do Conselho de Orientação das Aposentadorias [Conseil d’orientation des retraites] (COR) e das muitas discussões que eles provocaram, não é abusivo falar de improvisação? Esta é, contudo, a hipótese obrigatória a fim de analisar a estratégia dos governos, desde o primeiro mandato de Emmanuel Macron.[1]
De imediato, a reforma de 2019…
A reforma da aposentadoria por pontos já tinha sido apresentada como indispensável, como produtora de justiça social e como a única solução para evitar a crise do sistema de repartição. No decorrer das discussões que esta reforma estrutural implicava, tornou-se evidente que o número de categorias sociais que foram penalizadas exigia medidas compensatórias de tal complexidade e volume que a eficácia da proposta se tornou problemática. Por coincidência, a irrupção da Covid ratificou o abandono do projeto.
O que foi submetido à discussão no Parlamento é o oposto do primeiro projeto, já que ele consiste em um simples ajustamento paramétrico que se fundamenta em uma única variável: a idade legal para o início da aposentadoria. Este projeto impõe o ônus da reforma essencialmente sobre a fração da população já mais desfavorecida em termos de esperança de vida em relação à idade efetiva da aposentadoria. A apresentação desse projeto à opinião pública manifesta os mesmos erros e estimativas.
Em um primeiro momento, anunciou-se que o objetivo é promover a justiça social antes que os porta-vozes do governo reconhecessem que as mulheres e os assalariados de longa carreira seriam de fato penalizados. Isto suscita emendas a fim de corrigir estas deficiências, seguindo o mesmo processo de desconstrução ponto a ponto do projeto da aposentadoria por pontos.
Em um segundo momento, a reforma foi apresentada como a única solução para evitar o aumento dos défices, enquanto que os últimos cenários do COR mostram que a urgência é totalmente relativa e que existem muitas outras soluções, desde que o governo aceite assumir todos os parâmetros que são o nível e o número de anos de contribuição e o nível de vida relativo dos aposentados em comparação aos trabalhadores ativos.
A escolha da desigualdade
Há uma lógica para esta restrição concernente aos parâmetros da reforma. Um dos princípios orientadores da presidência de Emmanuel Macron é reduzir os impostos e os encargos sociais que recaem sobre as empresas, a fim de tornar o território francês mais atrativo e, assim, impulsionar o crescimento e o emprego. Além disso, os aposentados são, de fato, numerosos entre o eleitorado do centro e de direita.
Mas será a atual reforma viável é inteligente? De modo algum! De fato, a implementação de uma lógica contabilística entra em conflito aberto com as transformações do trabalho e as expectativas dos cidadãos. Não basta anunciar uma ampliação das carreiras salariais para que as empresas decidam formar melhor os seus empregados, para que eles continuem a ser eficazes quando mais velhos. Com efeito, as profissões mais insalubres são as mais susceptíveis de resultar em uma situação de invalidez e nas quais a obsolescência das competências não foi compensada por uma formação ao longo de toda a vida, de sorte a se verificar o desemprego dos seniors.
A reforma se depara com uma segunda fonte de desigualdade: o acesso à educação e depois da formação profissional. Além disso, a força das manifestações vem lembrar o governo que o desgaste no trabalho é um fenômeno decisivo que se acentuou com a desregulamentação, o que torna o período da aposentadoria ainda mais precioso. O sistema de repartição e a idade legal para o início da aposentadoria fazem parte de um pacto social fundador. Esta percepção prevalece sobre a lógica fria da evolução do índice entre aposentados e trabalhadores ativos.
Os três caminhos para resolver o impasse
Como resolver o impasse? Reconhecendo um triplo imperativo. Em primeiro lugar, é ilusório declarar uma emergência para fenômenos demográficos e econômicos que ocorrem em um longo período de tempo: o princípio da antecipação deve prevalecer. Em segundo lugar, é totalmente contraproducente afirmar que uma reforma é a única possível: a palavra de ordem “não há alternativa” provou ser a causa de grandes crises e deve ser substituída pelo princípio da deliberação entre todas as partes interessadas envolvidas (os representantes dos assalariados, empresas, sistema de educação e de formação, os especialistas na organização da saúde ocupacional, os pesquisadores que trabalham com o processo de envelhecimento e de doenças crônicas, etc.).
Não terá sido este o grande mérito da planificação ao estilo francês, que agora foi esquecida? De fato, ela permitiria construir um pacto social, ainda que implícito, a fim de ordenar as prioridades de todas as políticas públicas, coordenadas por um objetivo comum: trazer à tona um outro modo de desenvolvimento. Além disso, essa instância também poderia ser responsável pela planificação ecológica, horizonte no qual a questão das aposentadorias deve ser incluída.
*Robert Boyer é diretor de pesquisas do CNRS na École normale supérieure. Autor, entre outros livros, de Teoria da regulação: fundamentos (Estação Liberdade).
Tradução: Angela Lazagna.
Publicado originalmente em Alternatives Economiques.
Nota da tradutora
[1] Em 2019 é apresentado um Projeto de Reforma da Previdência Social no Parlamento que mobilizou uma greve nacional na França. As manifestações ocorrem entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. A pandemia de Covid 19 interrompe a análise do projeto no parlamento, bem como o movimento que se opõe a ele. O projeto é, pois, retirado da pauta da pauta de votação.
O projeto volta a ser apresentado em 2023, provocando manifestações massivas no país no mês de fevereiro e o início de uma greve geral em 7 de março. A greve atinge, sobretudo, o setor de transportes, o setor enérgico, o setor de coleta e incineração de lixo e o setor do ensino fundamental e médio.
O principal ponto combatido pelos movimentos sindicais é o aumento da idade para o início da aposentadoria de 62 para 64 anos. Outro aspecto extremamente criticado (e que já foi votado e aprovado pelo Senado no sábado, 04/03) é o fim do regime especial de aposentadoria, a partir de 1º de setembro de 2023, para os futuros assalariados dos setores energéticos e de transporte.
O governo se pauta em um só argumento: o aumento demográfico de aposentados em relação aos trabalhadores ativos, sem considerar outras variáveis do mundo do trabalho na atualidade (precarização, desregulamentação dos contratos por tempo indeterminado, etc).
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