Gaza

Maram Saqer, Esperança do nada
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PEDRO TIERRA*

(Ou: eles não podem continuar nascendo)

30 mil mortos.
Essa informação cabe num verso?
Metade dos mortos nessa guerra são crianças.
Com que material será escrita a poesia desse tempo?

Gaza:
70% dos corpos identificados são mulheres.
Contando as grávidas.

Move-se uma guerra contra o ventre
das mulheres palestinas.

Elas não podem continuar nascendo…
Elas não podem continuar nascendo…
Elas não podem continuar nascendo
em Gaza.

Elas não podem continuar nascendo
em Ramallah.

Eles (os palestinos)
não podem continuar nascendo.


Oitenta e quatro anos depois de Auschwitz,
move-se diante dos meus olhos de espanto
uma guerra de extermínio
contra mulheres e crianças.

Move-se diante dos meus olhos gastos
pela contemplação dolorosa da saga
em busca da ressurreição possível
uma guerra contra mulheres e crianças
sobre as areias de Gaza.

Em Ramá se ouviu uma voz,
muito choro e gemido.
É Raquel que chora
os filhos assassinados
e não quer ser consolada
porque os perdeu para sempre” (Mt.12,18)

(Não serei a voz,
desde o conforto da sombra
que me abriga, 
nesse ocaso da vida,
que direi aos escravos enfurecidos
como sacudir dos ombros
a opressão que os esmaga.)

Acender a memória
da explosão do Hotel King David,
22 de julho de 1946 às 12:37.
Jerusalém foi sacudida:
91 mortos. 45 feridos.
Que nome dar a esse ato?
Perguntem a Menachen Beguin.

Hoje, é preciso desenterrar
os deslocados para lugar nenhum.
Os que já não podem retornar
dos escombros, das areias,
das cinzas, do vento que sopra
sobre a memória de Gaza.

Por onde andará Islam Hamed?

É preciso reacender sobre sua ausência
a luz do sol bombardeada
na tarde de ontem.
E perguntar ao coração das bombas:
que destino aguarda um milhão e meio
de palestinos acantonados em Rafah?

Escombros nas ruas.
Escombros de corpos.
Escombros nas almas.

“Ficou muito irado e mandou massacrar,
em Belém e nos seus arredores,
todos os meninos de dois anos para baixo,
conforme o tempo exato
que havia indagado aos Magos. (Mt,12-16)

Não há luz no Hospital Al-Shifa
que permita fazer uma sutura
nos corpos destroçados
pelos bombardeios.

Uma sutura no corpo da Palestina:
haverá uma geração de mutilados
condenados a mirar sem ternura
na dor aguda dessa perna que falta,
na pele que já não protege
a carne exposta,
as digitais de Benjamin Netanyahu.

Recolho o espanto e me afasto
enquanto ouço a voz rouca
que emerge do sul e parte em pedaços
os espelhos cegos da indiferença do mundo…

*Pedro Tierra é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Arquétipos e símbolos
Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO: Carl Jung combinou a literatura, a narração de histórias e a psicanálise para chegar às memórias inconscientes coletivas de certos arquétipos, promovendo a reconciliação das crenças com a ciência
Apelo à comunidade acadêmica da USP
Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: Carta para a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional – AUCANI
Fundamentos da análise social
Por FABIO DE OLIVEIRA MALDONADO: Apresentação à edição brasileira do livro recém-lançado de Jaime Osorio
O humanismo de Edward Said
Por HOMERO SANTIAGO: Said sintetiza uma contradição fecunda que foi capaz de motivar a parte mais notável, mais combativa e mais atual de seu trabalho dentro e fora da academia
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
O martírio da universidade brasileira
Por EUGÊNIO BUCCI: A nossa universidade precisa se preparar e reforçar suas alianças com suas irmãs do norte. O espírito universitário, no mundo todo, só sobrevive e se expande quando sabe que é um só
A ampliação do Museu de Arte de São Paulo
Por ADALBERTO DA SILVA RETTO JR.: O vão livre do MASP será um espaço inclusivo ou excludente de alguma forma? A comunidade ainda poderá ali se manifestar? O famoso “vazio” continuará sendo livre, no mais amplo sentido do termo?
Minha infância nos porões da Bela Vista
Por FLORESTAN FERNANDES: “Eu morava lá na casa dele e queria sair de lá, eu dizia que passava mal, que comia mal, dormia mal e tudo ia mal, e ela não acreditava”
Sofia, filosofia e fenomenologia
Por ARI MARCELO SOLON: Considerações sobre o livro de Alexandre Kojève
A “bomba atômica” do tarifaço de Donald Trump
Por VALERIO ARCARY: Não é possível compreender o “momento Trump” do tarifaço sem considerar a pressão de mais de quarenta anos dos déficits comercial e fiscal gigantescos e crônicos nos EUA
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES