Guilherme Boulos

image_pdf

Por VALERIO ARCARY*

A eleição em São Paulo é a “mãe” de todas as batalhas. Mesmo se perder em quase todas as capitais fora do Nordeste, se a esquerda ganhar em São Paulo equilibra o desfecho do balanço eleitoral

As eleições municipais deverão confirmar, em dimensão nacional, uma relação política de forças desfavorável para a esquerda. Mas há um paradoxo. As duas correntes com maior implantação nacional são o lulismo e o bolsonarismo. Acontece que o centrão deverá ser o campo mais fortalecido nestas eleições. O desmoronamento do PSDB, partido que ocupou o lugar de liderança política-ideológica da classe dominante durante 25 anos, abriu uma crise de direção dos capitalistas.

O pêndulo da representação deslocou, vertiginosamente, para a direita. Surgiu uma extrema direita à frente de uma fração radicalizada da burguesia. E ocorreu uma pulverização da direita dura “histórica”. O papel do PSDB como centro político-eleitoral foi ocupado pelo centrão no Congresso Nacional com Arthur Lira na Câmara dos deputados e Rodrigo Pacheco no Senado.

Mas o centrão não é um aglomerado de Centro. O centrão é uma frente esdrúxula de aliança de dez partidos de direita, entre eles, o União Brasil, herdeiro do PFL/democratas e PSL, partido usado por Jair Bolsonaro para se eleger em 2018, PSD chefiado por Gilberto Kassab, Partido Progressista, que tem um fio de continuidade com a Arena da ditadura militar, representado por Ciro Nogueira, Republicanos, construído a partir da influência da Igreja Universal de Edir Macedo e presidido por Marcos Pereira, MDB liderado por Baleia Rossi e Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo, além do Podemos, e da fusão do PTB/Patriotas.

Esse é o formato que a direita assumiu no Brasil, e deverá ser o campo político que vai sair melhor das eleições municipais. Não tem condições de disputar o poder nacional. Mas sem ele o bolsonarismo, tampouco, pode derrotar Lula em 2026.

Três tendências mais poderosas se expressaram até agora na reta final do primeiro turno das municipais de 2024: (a) o favoritismo da reeleição dos atuais prefeitos como um fenômeno nacional; (b) uma polarização entre a direita e extrema direita no Norte e Centro-Oeste; onde o bolsonarismo venceu em 2022, no Rio de Janeiro e Belo Horizonte no Sudeste, e na maior parte das cidades do Sul; (c) um fortalecimento da extrema direita à escala nacional com capilaridade ampliada.

Transversalmente, a polarização entre as duas correntes mais poderosas, o lulismo e o bolsonarismo, se manifesta com mais força no Nordeste e na capital de São Paulo. Candidaturas do PSOL e do PT podem chegar ao segundo turno em São Paulo, Fortaleza, Porto Alegre, Teresina, Natal e Goiânia; e também são competitivas em algumas cidades grandes e médias como Araraquara, São Carlos e Campinas, no interior de são Paulo, e Contagem, Juiz de Fora em Minas Gerais.

A eleição em São Paulo é a “mãe” de todas as batalhas. Mesmo se perder em quase todas as capitais fora do Nordeste, se a esquerda ganhar em São Paulo equilibra o desfecho do balanço eleitoral. A hipótese mais provável é que Guilherme Boulos deve conquistar um lugar no segundo turno. Mas o quadro, poucos dias antes da votação, é de inquietante incerteza por cinco razões:

(a) um empate técnico triplo se mantém, depois de uma campanha de uma violência inusitada e implacável, e exposição nas TV’s e rádios por um mês, com pequenas oscilações na margem de erro da mediana das pesquisas; (b) a definição de voto de última hora, a hora da arrancada, deve favorecer Guilherme Boulos e Pablo Marçal, que são as candidaturas que têm maior consolidação de voto, e maior engajamento nas ruas e nas redes sociais; (c) as taxas de rejeição mais elevadas de Boulos e Marçal são um indicativo lateral, mas não irrelevante; (d) Ricardo Nunes mantém apoio de uma parcela dos eleitores de Lula nas camadas populares; (e) Tabata Amaral revela resiliência com uma votação que oscila em torno de 10%.

Embora o empate técnico seja triplo, a disputa decisiva parece ser por uma vaga entre Ricardo Nunes e Pablo Marçal que competem pelo mesmo espaço. O desenlace desta luta é imprevisível porque depende, essencialmente, do destino dos votos que respondem ao apelo da extrema direita, e repousa sobre três fatores:

(a) Pablo Marçal terá, provavelmente, uma arrancada final por que sua candidatura se apoia no núcleo mais radicalizado do bolsonarismo, e pode se beneficiar, também, de um surpreendente voto “silencioso” ou envergonhado que não é captado pelas pesquisas que Nunes não atrai; (b) Ricardo Nunes se beneficia, como a maioria dos prefeitos, de uma avaliação positiva ou até mesmo apenas regular do mandato pelas obras realizadas, mas que conta quando as expectativas estão muito rebaixadas, e vai insistir em se posicionar ao centro como opção de “segurança” contra Guilherme Boulos e Marçal; (c) o cálculo tático de voto útil em Ricardo Nunes porque seria o candidato que teria, em princípio, melhores condições de derrotar Guilherme Boulos no segundo turno.

Guilherme Boulos tem um pezinho no segundo turno, mas vai ser com “emoção”. Três principais fatores legitimam esta avaliação: (a) o espaço antibolsonarista é majoritário, afinal, Lula (47,5%) venceu Bolsonaro (37,99%) na capital, apesar da votação de Simone Tebet (8,1%) e de Ciro Gomes (4,32%), e sua presença pode ser qualitativa para atrair votos de Ricardo Nunes, enquanto a ausência de Jair Bolsonaro enfraquece Pablo Marçal, e o papel de Tarcísio de Freitas não compensa o carisma de Lula. (b) Guilherme Boulos permanece na frente nas pesquisas espontâneas o que indica a consolidação dos seus 25%, ou algo entre 28% de 30% dos votos válidos, se a abstenção não for nem muito maior nem menor que 15% (14% em 2022, embora fossem eleições gerais), enquanto o voto de Ricardo Nunes é pouco consolidado, e a rejeição de Pablo Marçal fora do bolsonarismo seja imensa; (c) o volume de campanha impulsionada pela militância depois do debate da rede Globo pode ser um fator “arrastão” incontível para uma onda de voto útil contra o perigo do fascista Pablo Marçal, desidratando a votação de Tabata Amaral.

Acontece que a subestimação da extrema direita tem sido o mais constante erro da esquerda brasileira desde 2018. A orientação da campanha de Guilherme Boulos foi o combate contra os dois candidatos do bolsonarismo. Não escolheu um inimigo principal, ainda que com um foco maior em Ricardo Nunes. Esta escolha obedeceu ao cálculo de que Ricardo Nunes se posicionou durante toda a campanha, até esta última semana, eleitoralmente, à frente de Pablo Marçal.

Mas as pesquisas, por mais importantes que sejam, são sempre um ontem, uma foto no retrovisor. A extrema potência da campanha de Pablo Marçal é evidente nas ruas e nas redes e, mais recentemente, até nas pesquisas. Na luta política é preciso arriscar para vencer. A disputa eleitoral não reproduz as condições de uma luta entre somente dois inimigos. Às vezes é como o bilhar, uma jogada triangular decide. Atrair o voto antibolsonarista majoritário exige enfrentar de frente Pablo Marçal.

Acertar a linha para o último debate vai ser decisivo. Mas o mais importante será inflamar a confiança e incendiar o entusiasmo da militância de que é possível vencer. Uma vitória se conquista com muita luta.

Guilherme Boulos no segundo turno: às ruas, às ruas, às ruas!

*Valerio Arcary é professor de história aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo). [https://amzn.to/3OWSRAc]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES