As ideias precisam circular. Ajude A Terra é Redonda a seguir fazendo isso.

Autoritarismo furtivo

Imagem_ColeraAlegria
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANDRÉ SINGER*

No Brasil está ocorrendo o mesmo processo de retrocesso da democracia para situações autoritárias que se pode observar em vários lugares no mundo.

O conceito de “autoritarismo furtivo” foi proposto pelo cientista político Adam Przeworski em seu novo livro Crisis of Democracy [Crises da Democracia] (Cambridge University Press, 2019). Nesse delineamento, trata-se de um processo de retrocesso da democracia para situações autoritárias – que está ocorrendo em vários lugares no mundo –, só que de um modo completamente distinto de suas formas anteriores. Antes, o que acontecia eram golpes de Estado, em geral perpetrados pelas Forças Armadas num momento determinado, o chamado dia “D”.

Agora é diferente. Estamos diante de um processo vai se impondo pouco a pouco de maneira gradual e pouco perceptível. Esse contínuo “incrementar” se dá, em segundo lugar, por dentro das leis, e não aparece como uma ruptura constitucional. Uma terceira característica: ele é comandado por líderes políticos democraticamente eleitos.

O resultado da soma dessas três características é o deslizamento da democracia para a ditadura sem que a sociedade perceba o que está acontecendo. Porque aparentemente as instituições democráticas continuam funcionando, só que cada vez mais passam a ser uma mera “fachada”. O Poder Executivo vai ampliando a sua capacidade de domínio e apagando a presença e a força dos contrapoderes.

Esse conceito ajuda a compreender o que está acontecendo hoje no Brasil. Nós estamos vivendo um processo de ruptura da democracia conduzido por um líder democraticamente eleito. O atual presidente da República foi eleito em 2018, em uma competição onde, até segunda ordem, não houve fraude, houve liberdade de expressão e houve liberdade de organização. Temos também a manutenção de um aparente respeito às leis. Mesmo nessa questão tão importante, a intervenção sobre a Polícia Federal, o presidente alega que tem o direito constitucional de agir assim. Ele está argumentando – em consonância com o movimento que a tese Przeworski procura explicar – por dentro das leis. Esse alargamento do Poder Executivo se dá também de maneira incremental, pouco a pouco.

Podemos verificar isso neste exemplo da intervenção na Polícia Federal ou então num caso anterior interessante que foi a nomeação pelo presidente de um procurador-geral que não fazia parte da lista tríplice, de um procurador-geral afinado com a sua visão ideológica. Isto, obviamente, gera consequências práticas, além do fato de que pouco a pouco as instituições vão ficando intimidadas. A própria sociedade vai ficando intimidada.

*André Singer é professor titular de ciência política na USP. Autor, entre outros livros, de O lulismo em crise (Companhia das Letras).

Texto estabelecido a partir de entrevista concedida a Gustavo Xavier, na rádio USP.

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.800 autores.
Antônio Sales Rios Neto João Sette Whitaker Ferreira Fernando Nogueira da Costa Michael Löwy Denilson Cordeiro Fernão Pessoa Ramos Paulo Capel Narvai João Carlos Loebens Paulo Sérgio Pinheiro Fábio Konder Comparato Sandra Bitencourt Gabriel Cohn Atilio A. Boron Anselm Jappe Luiz Roberto Alves José Costa Júnior Jorge Luiz Souto Maior Alexandre de Freitas Barbosa Marcelo Módolo Leonardo Boff Eliziário Andrade Eugênio Bucci Roberto Bueno Jean Pierre Chauvin Roberto Noritomi Mário Maestri Marilena Chauí Liszt Vieira Francisco de Oliveira Barros Júnior Flávio Aguiar Everaldo de Oliveira Andrade Walnice Nogueira Galvão Manchetômetro João Lanari Bo Gilberto Lopes Dennis Oliveira André Singer Francisco Fernandes Ladeira Julian Rodrigues Henry Burnett Leda Maria Paulani Eleonora Albano Rubens Pinto Lyra Bruno Machado Ronald León Núñez Ricardo Fabbrini Leonardo Sacramento Kátia Gerab Baggio Luiz Augusto Estrella Faria Jean Marc Von Der Weid João Paulo Ayub Fonseca Annateresa Fabris João Feres Júnior Gerson Almeida Michael Roberts Daniel Costa Ronald Rocha Leonardo Avritzer Alysson Leandro Mascaro Otaviano Helene Marilia Pacheco Fiorillo Flávio R. Kothe Lincoln Secco João Adolfo Hansen Mariarosaria Fabris Caio Bugiato Benicio Viero Schmidt Luiz Marques Luiz Costa Lima Daniel Brazil Luiz Bernardo Pericás Slavoj Žižek Marcos Silva Luis Felipe Miguel Luiz Werneck Vianna Marjorie C. Marona Francisco Pereira de Farias Matheus Silveira de Souza Samuel Kilsztajn José Luís Fiori Luciano Nascimento Plínio de Arruda Sampaio Jr. Thomas Piketty Carlos Tautz Ruben Bauer Naveira Vladimir Safatle Paulo Martins Chico Whitaker Érico Andrade Ricardo Abramovay Osvaldo Coggiola Eleutério F. S. Prado Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Claudio Katz Vinício Carrilho Martinez Henri Acselrad Eduardo Borges José Raimundo Trindade Luiz Carlos Bresser-Pereira Marcos Aurélio da Silva Berenice Bento André Márcio Neves Soares Eugênio Trivinho Ari Marcelo Solon Ricardo Musse Anderson Alves Esteves Boaventura de Sousa Santos Antonio Martins Vanderlei Tenório Luiz Renato Martins Igor Felippe Santos Celso Favaretto Alexandre de Lima Castro Tranjan Rodrigo de Faria Paulo Nogueira Batista Jr Valério Arcary Afrânio Catani Lucas Fiaschetti Estevez Rafael R. Ioris Luiz Eduardo Soares José Dirceu Airton Paschoa Elias Jabbour José Machado Moita Neto Luís Fernando Vitagliano Ricardo Antunes Bernardo Ricupero Armando Boito Sergio Amadeu da Silveira Ronaldo Tadeu de Souza Carlos Águedo Paiva Lorenzo Vitral Dênis de Moraes Manuel Domingos Neto Priscila Figueiredo Alexandre Aragão de Albuquerque Marcus Ianoni José Micaelson Lacerda Morais Milton Pinheiro Antonino Infranca Remy José Fontana João Carlos Salles Maria Rita Kehl Tarso Genro Ladislau Dowbor Tadeu Valadares Daniel Afonso da Silva Chico Alencar José Geraldo Couto Juarez Guimarães Celso Frederico Heraldo Campos Marcelo Guimarães Lima Bento Prado Jr. Jorge Branco Paulo Fernandes Silveira Carla Teixeira Yuri Martins-Fontes Andrew Korybko Tales Ab'Sáber

NOVAS PUBLICAÇÕES