Por GILBERTO LOPES*
O drama de um país acossado por pobreza, narcotráfico e emigração
“Como uma série da Netflix”, dizia Alessandra Bueso, jornalista do centro de estudos hondurenhos CESPAD [Centro de Estudos para a Democracia], para falar sobre o estado da corrupção e a infiltração do narcotráfico em Honduras. Juan Antonio Hernández, “Tony”, ex-deputado e irmão do presidente Juan Orlando Hernández, foi condenado nos Estados Unidos à prisão perpétua por tráfico de drogas em março passado, e o presidente corre o risco de ser extraditado pelo mesmo motivo quando deixar o cargo para ser julgado nos Estados Unidos.
“Tony Hernández, ex-deputado da Assembleia de Honduras, foi detido e condenado por negociar toneladas de cocaína com traficantes de sete países. O procurador também o acusou de ordenar pelo menos dois assassinatos de traficantes, disse Jacobo García, correspondente do diário espanhol El País no México e na América Central.
Em março, houve outro julgamento contra um narcotraficante hondurenho no Tribunal do Distrito do Sul de Nova Iorque. Tratava-se de Geovanny Fuentes. A acusação alegou na ocasião que tanto Tony como seu irmão, o presidente Juan Orlando Hernández, eram sócios do acusado de narcotráfico.
Para o procurador Jacob Gutwillig, “o narcotraficante Geovanny Fuentes operava um enorme negócio de distribuição de cocaína graças à violência e às suas ligações com a polícia, o exército e a classe política, incluindo o atual presidente de Honduras”. “Ele é o homem que dirigia o comércio de drogas para Juan Orlando, que aceitou subornos com dinheiro de drogas dos Los Cachiros; ele é o homem que enviou cocaína com suas iniciais”, disse o procurador Michael Lockard.
Para a promotoria, Honduras tornou-se um “narcoestado”. “O acusado foi parte fundamental do narcoestado hondurenho”, disse um representante da Procuradoria Federal do Distrito Sul de Nova Iorque. Num desses encontros, segundo os procuradores, Hernández tinha declarado sua intenção de “enfiar drogas pelas narinas dos gringos”, disse o jornalista do ElPaís em sua nota sobre o julgamento.
Nessa investigação, os procuradores garantiram ter provas de que o presidente recebeu milhões de dólares em subornos de traficantes em troca de proteção, incluindo do senhor da droga mexicano El Chapo Guzmán. A sentença de Geovanny Fuentes deverá ser anunciada em janeiro pelo juiz Kevin Castel, o mesmo que condenou Tony Hernandez à prisão perpétua.
Anteriormente, o filho do ex-presidente de Honduras Porfirio Lobo (2010-2014), Fabio Lobo, foi condenado em Nova Iorque, em 2017, a 24 anos de prisão pelo tráfico de 1,4 toneladas de cocaína para os Estados Unidos. O candidato à presidência pelo Partido Liberal, Yani Rosenthal, um importante empresário que ficou num distante terceiro lugar nas eleições, também foi condenado a 36 meses de prisão nos Estados Unidos e multado em três milhões de dólares por lavagem de dinheiro. Rosenthal, que foi deputado no período 2010-14 após o golpe de estado de 2009, declarou-se culpado das acusações num tribunal de Nova Iorque em julho de 2017.Nasry Asfura, candidato do Partido Nacional – o mesmo do presidente e o mais importante do país –, também está sob investigação por suposto desvio de fundos quando era prefeito de Tegucigalpa.
Incômodo
Lobo e Hernández foram os dois presidentes eleitos após a derrubada de Manuel Zelaya em junho de 2009, com o apoio de Washington e da chamada “comunidade internacional”. Os casos, especialmente o do irmão do presidente Hernández, receberam atenção da imprensa, como era inevitável, mas sua dimensão política foi muito reduzida se pensamos, por exemplo, no que teria acontecido se um irmão do presidente de Cuba, ou da Venezuela, tivesse sido condenado por crimes como estes.
Esse oportunismo político que prevalece numa região onde facilmente se formam grupos políticos conservadores contra governos da linha oposta, mas fecham os olhos quando os grandes problemas ocorrem em governos de linha afim, impedem que sejam enfrentados com a força política necessária. Não há, por exemplo, nada semelhante ao “Grupo de Lima” – um grupo conservador criado para apoiar a oposição na Venezuela, agora quase extinta – contra o narcotráfico.
Em seu trabalho sobre a infiltração do narcotráfico no governo hondurenho, Alessandra Bueso cita o analista do Crisis Group para a América Central Tiziano Breda, para quem “as acusações da Procuradoria incomodam o principal parceiro estratégico do país: os Estados Unidos”. Na verdade, de acordo com a promotoria de Nova Iorque, o envolvimento do governo de Honduras com o narcotráfico é evidente. O que poderia incomodar Washington, segundo Breda, é que os Estados Unidos “possivelmente” tenham alguma ideia de que um governo aliado promove o narcotráfico. Para Bueso, Honduras é atrativo para as atividades do narcotráfico não apenas porque se situa “numa rota geográfica que facilita a passagem da droga”, mas também devido à “fraqueza institucional e à ausência, propositadamente, das forças de segurança, especialmente nas regiões que se tornaram corredores do narcotráfico”.
Numa análise sobre as perspectivas para as eleições do último dia 28 de novembro em Honduras, o Crisis Group respondia à questão sobre a importância dessas eleições, observando que “a crise humanitária e a instabilidade dominaram Honduras desde o golpe de 2009, que abalou seu mundo político”. Uma nova eleição contestada “poderia provocar agitação pós-eleitoral e alimentar a saída de migrantes e requerentes de asilo no México e nos Estados Unidos”, advertiram. A confortável vitória da opositora Xiomara Castro pode ter ajudado a evitar novos excessos.
Não apenas o tráfico de drogas
“Regresse ou não a esquerda”, disse o correspondente da BBC Mundo Gerardo Lissardy, referindo-se às eleições de domingo passado, “os desafios do país são claros. Um deles é a economia”. Em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) de Honduras foi de 21,7 bilhões de dólares, segundo o Banco Mundial, e atingiu 25 bilhões em 2019. Mas em 2020 caiu para 23,8 bilhões de dólares, afetado pela pandemia e por dois furacões. Em julho, o Banco Central de Honduras (BCH) estimou um crescimento entre 3,2% e 5,2% para este ano e um crescimento numa faixa semelhante para o próximo.
Mas a chave para o funcionamento da economia hondurenha são as remessas. O BCH estimou que o investimento estrangeiro seria de cerca de 605 milhões de dólares este ano, mas as remessas de seus imigrantes, sobretudo dos Estados Unidos, foram estimadas em quase 8,7 bilhões de dólares, cerca de um terço do PIB do país.
Em Honduras, 55% da população vive abaixo da linha de pobreza de 5,5 dólares por dia (165 dólares por mês); a taxa de desemprego no ano passado foi de 11% e a de subemprego de quase 71%. Em setembro de 2021, cerca de 3,3 milhões de hondurenhos – um terço da população – enfrentavam insegurança alimentar aguda.
A irrupção mais importante
O golpe de Estado de 28 de junho de 2009 deu lugar a um protesto social em massa, politicamente diverso e socialmente inclusivo, “o mais importante na história moderna do país”, segundo Gustavo Irías, diretor executivo do CESPAD. O projeto econômico promovido pela elite dominante após o golpe de 2009 foi o tradicional, o “do agronegócio, das maquiladoras, dos serviços financeiros e comunicações”, disse Irías.
Mas o motor do projeto foi “a privatização dos bens públicos e comuns, através de parcerias público-privadas e da generosa concessão estatal de bens públicos (infraestrutura rodoviária, portos, aeroportos e eletricidade) e de recursos naturais (rios, mar, terra e a floresta)”.Depois do golpe, a “relação com o Estado foi mais do que essencial para assegurar estes benefícios”, apoiados pela “força repressiva dos militares e da polícia na implementação da estratégia brutal de acumulação por espoliação territorial nas comunidades agrárias, indígenas e afrodescendentes”. O ponto culminante deste projeto extrativista – salientou Irías – “foi a Lei das Zonas de Emprego e Desenvolvimento (ZEDES)”.
Em junho passado, 32 entidades formaram uma organização para lutar contra esses regimes especiais que, na opinião de Irías, ameaçam entregar a soberania e o território nacional a mãos estrangeiras, com a justificação de gerar emprego. Os protestos terão como objetivo a revogação do decreto 120-2013 que criou as ZEDES, com quatro centros hoje instalados: na ilha de Roatán; na comunidade de Satuyé, em La Ceiba; em Choloma, e outro no município de San Marcos de Colón, em Choluteca.
Tentaremos outras vezes
Em tais circunstâncias, não há maneira de deter imigrantes que simplesmente procuram uma forma de sobreviver. Em janeiro passado conversamos com Juan Galdames, do Departamento de Santa Bárbara, no sul da capital industrial de Honduras, San Pedro Sula. Estava hospedado na Casa do Migrante de El Petén, na Guatemala, e estava a caminho dos Estados Unidos. Falamos por telefone e ele contou-me sua história. “A situação em Honduras há anos não está fácil. Os governos estão em mau estado, só eles estão enriquecendo. Eles não estão do lado do povo pobre. Só veem seu próprio benefício. Não há emprego, e se há emprego não concedem direitos trabalhistas, nada. Os salários são muito baixos, não reconhecem um direito trabalhista”, disse-me ele. “O que eu tenho em vista é entrar um dia nos Estados Unidos. Isso é o que todos levamos na mente. Tentaremos outras vezes. Tantas vezes quantas sejam necessárias!
No ano fiscal que terminou em setembro passado, os hondurenhos representaram quase a metade dos 701.049 centro-americanos detidos na fronteira sudoeste dos Estados Unidos, de acordo com os números do Serviço de Alfândegas e Proteção das Fronteiras desse país, lembrou Gerardo Lissardy.
Numa colaboração especial para o CESPAD, Helen Montoya analisou “A responsabilidade dos Estados Unidos na criação de um fenômeno migratório que hoje não podem conter”. As relações dos Estados Unidos com a América Central têm sido condicionadas à “proteção de seus interesses econômicos, políticos e militares”, para o que “tem contado com o apoio de elites corruptas”, dispostas a apoiar políticas intervencionistas, disse Montoya.
Após uma década de conflitos na região nos anos 80, foram negociados acordos de paz. Mas com o fim das guerras civis, “a pobreza, a desigualdade e a falta de oportunidades aumentaram, dando lugar às primeiras ondas migratórias para os Estados Unidos”, transformando essa questão no principal ponto da agenda estadunidense na região já há vários anos.
Citando Elizabeth Oglesby, professora no Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Arizona, Montoya lembra-nos que “muitas vezes não levamos em consideração como os Estados Unidos ajudaram a criar a situação da qual fogem muitas destas pessoas”. Em 2014, a América Central viveu uma onda migratória, na sua maioria composta por menores de idade. Estima-se que pelo menos 70.000 crianças viajaram para os Estados Unidos desacompanhadas.
O Congresso norte-americano respondeu aprovando uma ajuda de 750 milhões de dólares, e o governo Barack Obama criou o Plano Aliança para a Prosperidade do Triângulo Norte (que inclui Guatemala, El Salvador e Honduras), sem que tenham contribuído para resolver de alguma maneira o problema.
Em outubro e novembro de 2018, disse Montoya, milhares de pessoas formaram as “caravanas de migrantes” que empreendiam viagem para os Estados Unidos em grupos, a pé. “No início de 2019, saíram três novas ondas (a sexta, a sétima e a oitava) e, no início de 2021, uma nona”. Calcula-se que 17.000 pessoas integraram estas caravanas. Em sua opinião, a reeleição de Juan Orlando Hernández “criou uma profunda instabilidade política e social que teve uma influência decisiva” para o início das caravanas de migrantes do território nacional para os Estados Unidos.
O então presidente Donald Trump tomou isto como uma afronta e cortou o financiamento ao Triângulo Norte. Segundo ele, os governos destes países não estavam fazendo nada para impedir este fluxo de pessoas. Mais recentemente, a representante democrata Alexandria Ocasio-Cortez, referindo-se à visita da vice-presidente Kamala Harris à região, afirmou: “… os Estados Unidos passaram décadas contribuindo para a mudança de regimes e para a desestabilização na América Latina. Não podemos incendiar a casa de alguém e depois culpá-los por fugir…”
Triunfo eleitoral
Xiomara Castro, esposa do presidente deposto Manuel Zelaya, ganhou as eleições presidenciais de 28 de novembro com cerca de 52% dos votos. A composição definitiva do Congresso de 128 membros ainda não era conhecida. De acordo com dados preliminares, o partido Libre seria a primeira força no Congresso, com 51 deputados, 21 a mais do que no mandato anterior. O Partido Nacional, que tinha 61, passaria a 40, seguido pelo Partido Liberal, com 21, e pelo Partido Salvador de Honduras, de Salvador Nasralla, primeiro vice-presidente da lista de Zelaya, com 14 deputados.
Dos municípios, o Libre ganhou dois dos mais importantes, Tegucigalpa e San Pedro Sula, entre outros, embora o Partido Nacional continue controlando quase metade dos governos locais. Castro propõe uma refundação do país, com a convocação de uma Assembleia Constituinte e a reforma de várias leis aprovadas pelo atual governo.
*Gilberto Lopes é jornalista, doutor em Estudos da Sociedade e da Cultura pela Universidad de Costa Rica (UCR). Autor de Crisis política del mundo moderno (Uruk).
Tradução: Fernando Lima das Neves.