Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Os desejos materiais seriam saciados com o aumento da riqueza, segundo a crença de John Maynard Keynes, mas a experiência demonstrou a busca por bens e consumo ser, em grande parte, infinita
Os coautores Robert e Edward Skidelsky, respectivamente pai e filho, do livro “Quanto é suficiente? o amor pelo dinheiro e a economia da vida boa”, publicado em 2011, examinam a profecia de John Maynard Keynes sobre a redução da jornada de trabalho em face do aumento da produtividade. Em seu ensaio “Possibilidades Econômicas para os nossos Netos”, publicado em 1930, Keynes previu o avanço tecnológico levaria à sociedade onde as pessoas trabalhariam apenas 15 horas semanais, desfrutando de mais tempo livre e abundância material.
Os Skidelsky reconhecem a racionalidade da previsão de John Maynard Keynes ao prever o crescimento econômico nas décadas seguintes. De fato, o rendimento per capita quadruplicou nos países ricos, entre 1930 e 2000, em linha com suas projeções.
Entretanto, a redução da jornada de trabalho não se concretizou. Ao invés de uma drástica diminuição, a jornada média caiu apenas um quinto, permanecendo em torno de 44 horas semanais.
Os Skidelsky apontam diversas razões para essa discrepância. São divididas em três categorias principais: alegrias do trabalho; pressão para trabalhar; e insaciabilidade.
Quanto à primeira razão, alguns argumentam o trabalho moderno ter se tornado mais prazeroso e gratificante, proporcionando satisfação intrínseca e senso de identidade em lugar da antiga alienação em relação ao produto do trabalho. Entretanto, eles contestam essa visão, porque a maioria dos trabalhos continua sendo mal remunerada e alienante. Pesquisas indicam, ao contrário, a maioria dos trabalhadores preferir jornadas mais curtas, mesmo com redução salarial.
No caso da segunda razão – pressão para trabalhar –, a desigualdade de renda aumentou muito desde a década de 1980, concentrando a riqueza nas mãos de uma minoria. Isso intensifica a competição por melhores posições e salários, levando as pessoas a trabalharem mais horas para ascender socialmente. Além disso, a precarização do trabalho e a insegurança no emprego obrigam muitos trabalhadores a aceitarem longas jornadas para garantir sua subsistência.
Os desejos materiais seriam saciados com o aumento da riqueza, segundo a crença de John Maynard Keynes, mas a experiência demonstrou a busca por bens e consumo ser, em grande parte, infinita. A lógica do consumo conspícuo (luxo esnobe) e da competição posicional leva as pessoas a buscar constantemente mais, impulsionando o trabalho e o crescimento econômico sem fim.
O marketing e a publicidade exploram essa insaciabilidade. Cria novos desejos e necessidades artificiais, perpetuando o ciclo de trabalho e consumo.
Os Skidelsky concluem afirmando que a profecia de John Maynard Keynes falhou porque ele subestimou a força da insaciabilidade humana e o impacto das relações de poder no mercado de trabalho. O capitalismo, ao invés de conduzir a uma sociedade de abundância e lazer, como Keynes esperava, intensificou a competição e a busca incessante por riqueza.
Em contraponto, a economia da boa vida, uma nova área da ciência econômica, se distingue da economia da felicidade e questiona a relação direta entre riqueza e bem-estar. Faz uma crítica à visão otimista de John Maynard Keynes sobre o capitalismo futuro.
Os humanos deveriam questionar se a busca incessante por crescimento de renda e riqueza é realmente o caminho para uma vida boa. Em um mundo onde a abundância material já é uma realidade para muitos, é hora de repensar as prioridades e buscar um modelo de sociedade mais justo, com mais tempo para o lazer, a cultura e o desenvolvimento pessoal.
A economia da boa vida, como apresentada por Robert e Edward Skidelsky em Quanto é Suficiente?, propõe uma mudança de paradigma em relação aos objetivos da política econômica. Ao invés de focar no crescimento econômico como um fim em si mesmo, a economia da boa vida argumenta o objetivo primordial deveria ser a promoção do bem-estar social através da posse por todos os humanos de bens básicos essenciais (e universais) para uma vida plena.
Entre as principais ideias da economia da boa vida, destaca-se o crescimento da produção de bens e serviços ser visto como um meio, não um fim em si. Seria considerado um subproduto de um processo com vista a realização da vida boa, não o objetivo principal. O foco deveria estar em criar condições para as pessoas evoluírem, culturalmente, e não apenas em aumentar a produção e o consumo.
A vida boa é definida pela posse de sete bens básicos: saúde, segurança, respeito, personalidade, amizade, lazer e harmonia com a natureza. Esses bens são universais (necessários em todo o mundo) e essenciais para o bem-estar humano, independentemente de cultura, faixa de renda ou preferência individual.
Os citados bens básicos transcendem as diferenças culturais, ideológicas, religiosas, além de preferências individuais. A ausência de qualquer um desses bens constitui uma perda significativa, impedindo a plena realização humana.
A saúde representa o bom funcionamento do corpo, a vitalidade, a energia e a ausência de dor. Não se limita à mera sobrevivência, mas abrange o bem-estar físico e mental, permitindo a pessoa se engajar plenamente na vida.
A segurança refere-se à expectativa justificada de a vida seguir seu curso normal, sem interrupções por eventos como guerras, crimes, revoluções ou crises socioeconômicas. A instabilidade e o medo impedem o desenvolvimento da personalidade, da amizade e do lazer.
O respeito mútuo, entre pares ou iguais, é a consideração e a valorização de todo indivíduo como um ser humano, reconhecendo sua dignidade e autonomia. É fundamental para a autoestima e para a construção de relações sociais saudáveis.
A personalidade refere-se à capacidade de cada indivíduo estruturar e viver de acordo com seus próprios gostos, temperamento e valores. Implica autonomia, individualidade, espontaneidade e a liberdade de ser si mesmo, sem a imposição de papéis sociais rígidos. A propriedade privada é considerada essencial para ela.
A amizade, na sua forma mais autêntica, é caracterizada pelo amor e pela preocupação genuína pelo bem-estar do outro. Diferencia-se da mera amizade utilitária ou baseada em prazeres compartilhados.
O lazer é definido como atividade realizada por puro prazer e satisfação. Diferencia-se do ócio, caracterizado por passividade e falta de propósito.
A harmonia com a natureza representa uma relação de respeito e cuidado com o meio ambiente, reconhecendo seu valor intrínseco. Implica viver de forma sustentável, buscando minimizar o impacto negativo das atividades humanas sobre o planeta. É essencial para a vida boa ao proporcionar beleza, paz e um senso de conexão com o mundo natural.
Os bens básicos não são independentes, mas se complementam e se fortalecem mutuamente. Para a economia da boa vida, a jornada de trabalho deveria ter como objetivo primordial o acesso desses bens básicos para todos os cidadãos. A busca incessante pelo crescimento econômico, sem todos terem esses bens, talvez leve a uma sociedade materialmente rica, mas espiritualmente empobrecida.
Há um contraste da economia da boa vida com a economia da felicidade. Esta busca apurar a felicidade agregada da população, utilizando indicadores subjetivos de bem-estar, como pesquisas de satisfação de vida.
A crítica da primeira à segunda inclui a descrença em medidas subjetivas. Questiona a confiabilidade de pesquisas de felicidade, porque a expressão de felicidade é influenciada por normas culturais e não reflete o bem-estar real.
A felicidade não pode ser reduzida a um estado de espírito agradável – e passageiro. Para ela ser autêntica, depende da realização de bens objetivos, como os citados bens básicos, e não apenas da sensação de bem-estar.
A busca pela maximização da felicidade chega levar à “infantilização da sociedade” e à negligência de valores importantes. A ênfase excessiva na felicidade como um fim em si mesmo desvia a atenção de questões como justiça social, liberdade individual e desenvolvimento humano.
Em contraste, a economia da boa vida tem uma visão mais holística e ética do bem-estar humano. Focaliza na realização de bens objetivos porque, de fato, contribuem para uma vida plena e significativa.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]
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