Inimigo do Brasil

Imagem: Rick Han
image_pdf

Por GABRIEL SANTOS*

Em um mundo em transformação, o Brasil deve escolher entre submeter-se ao imperialismo decadente ou buscar um caminho de soberania e desenvolvimento sustentável

“Com tiranos não combinamos brasileiros, brasileiros corações” (Hino ao 2 de Julho).

Na tarde de 09 de Julho, o presidente estadunidense Donald Trump anunciou novas tarifas de 50% sobre produtos brasileiros que passam a valer a partir de 1° de agosto.

Desde o fim da cúpula dos BRICS+ ocorrida no último fim de semana os Estados Unidos têm elevado o tom contra os países membros do grupo, e em especial contra o Brasil. Numa tentativa de demonstrar forças e controle sobre qualquer um e qualquer coisa que ameace seu poder sobre o mundo.

Em sua carta, Donald Trump levanta dúvidas sobre o processo eleitoral brasileiro e ataca o STF, por conta das discussões sobre regulamentação das redes sociais.

Mais uma mentira de Trump!

A essas justificativas políticas, Donald Trump acrescentou motivos econômicos. Onde afirma que a relação econômica entre EUA e o Brasil tem sido prejudicial aos Estados Unidos.

Porém, qualquer comentário minimamente sério sobre isso observa que a alegação de Donald Trump, como de costume, é falsa. Os números oficiais divulgados por ambos países mostram que nos últimos 16 anos, o Brasil tem apresentado déficit anuais em seu comércio com Washington.

Nesse período, as vendas americanas ao Brasil superaram suas importações em 89 bilhões de dólares. Ano passado o déficit brasileiro foi de 253 milhões de dólares. Ou seja, o comércio com os Estados Unidos, um de nossos principais parceiros econômicos, é muito mais favorável na balança comercial aos estadunidenses do que ao Brasil.

O que está por trás dos ataques de Trump?

A resposta dessa pergunta é simples, os próprios interesses estadunidenses. Como disse o Presidente Lula, eles pensam “em Estados Unidos em primeiro lugar, em segundo e em terceiro”.

Os Estados Unidos, desde a Segunda Guerra, organizaram o sistema mundo a seu benefício. Com o fim da União Soviética ocuparam o posto de potência unipolar, governavam sozinhos sob o planeta, colocando o Sul global submetidos à sua vontade, assim como seus aliados imperialistas. Hoje, essa era parece chegar ao fim.

O Império desmorona, a decadência relativa estadunidense se acelera, e a hegemoniaé ameaçada. Economicamente o país perdeu terreno, foi ultrapassado no campo da produção e das relações comerciais pela China. No campo militar, perdeu a guerra por procuração na Ucrânia e viu seu poder de iniciar conflitos internacionais desabar com a ação militar russa. A hegemonia do dólar, pilar central do controle estadunidense, é criticada, cada vez mais países procuram e discutem alternativas financeiras para construir soberania e desenvolvimento.

Donald Trump inimigo do Brasil

Nesse sentido, Donald Trump viu as movimentações e declarações feitas durante o encontro dos BRICS+ como uma ameaça e parte do processo de tentativa de escapar dos tentáculos estadunidenses.

Foi nesse encontro que o governo brasileiro fez as declarações mais contundentes contra a hegemonia estadunidense e na defesa de um mundo multipolar. É possível vermos desde a viagem de Lula à Rússia, no Dia da Vitória, uma modificação em sua postura no debate internacional.

Se nos primeiros anos de seu governo as discussões sobre conselho de segurança da ONU, G20, e a relação com o Partido Democrata eram o foco de atenção, agora o BRICS+ parece assumir um outro posto de centralidade nas relações internacionais de nosso país. Cabe observar se isso se manterá e se aprofundará ou foi uma ação mais episódica.

Donald Trump sabe que depois de China e Rússia, o Brasil é o principal país do BRICS+. Uma outra postura brasileira na construção do bloco, mais propositiva, e um afastamento dos interesses de Washington, é mais um forte golpe aos EUA. Sabe também que não tem força para fazer as mesmas ameaças e medidas que faz ao Brasil, que desde o século XX vive sob tutela estadunidense, contra Rússia e China. Então para desestabilizar os BRICS+ e impedir as dinâmicas de integração na América do Sul, o Brasil é alvo central.

Os acordos com a China para a construção de uma ferrovia que cruza o nosso subcontinente até o Peru, faz parte da dinâmica de acumulação de capital que se move geograficamente para o Pacífico e Sudeste Asiático, abandonando o Atlântico e o mundo anglo-saxão. A isso se soma o desejo de Lula de regulamentar big techs e construção de cabos marítimos subterrâneos para soberania digital, e a discussão de um sistema de pagamento alternativo ao Swift.

Não é coincidência que as declarações de Donald Trump sobre Jair Bolsonaro e em seguida o anúncio de novas taxas no comércio com o Brasil venha após o encontro dos BRICS+. Elas mostram que o imperialismo em decadência, na luta para manter seu posto, fará de tudo.

Donald Trump busca chantagear o governo e o povo brasileiro, por meio do medo, e da guerra comercial, tenta fazer com que Lula recue e se curve diante de suas vontades e interesses. O que está em jogo é a soberania do Brasil.

O imperialismo em crise mostra cada vez mais sua cara. Violento, arcaico, soberbo e um atraso para a construção de um mundo mais justo e solidário.

O papel de Jair Bolsonaro e da extrema direita

Políticos de extrema direita irão saudar e comemorar a ação de Donald Trump. Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Nicolas Ferreira, entre outros, anunciarão como positiva a iniciativa. Uma defesa da liberdade, muito provavelmente será o que afirmarão.

O que não dizem é que essa medida não atingirá apenas o governo, mas sim todo o país. Toda cadeia produtiva brasileira, do empresariado ao trabalhador. Todos irão sofrer, em especial o povo pobre.

O bolsonarismo e a extrema direita querem que todo povo sofra em nome de seu desejo de livrar Jair Bolsonaro da prisão. O caráter antinacional da extrema direita está cada vez mais à mostra e precisa ser explorado pelas forças de esquerda. Ou se está ao lado do Brasil ou ao lado de Jair Bolsonaro.

Eduardo Bolsonaro e todos os outros que se curvam, são cúmplices de um ataque ao país, são inimigos da Pátria e devem assim serem vistos. Guerras comerciais são táticas de guerra não convencionais e serão cada vez mais usadas.

As declarações de Donald Trump a favor do golpismo no Brasil mostram a rede de relações internacionais que a extrema direita estabelece, e deixa claro o tamanho da batalha que teremos em 2026. A era das eleições nacionais acabou e, com as big techs, teremos cada vez mais interferência abertas do estrangeiro em nosso país. Ataques econômicos, declarações, interferência por meio das redes sociais, tudo isso começaremos a enfrentar desde já.

Está nítido também que o retorno do fascismo em nosso tempo, o surgimento e avanço da extrema direita, é a última alternativa do Ocidente para a manutenção de seu poder e controle econômico sob o mundo. No Brasil, a extrema direita também cumpre esse papel, de buscar colocar o país alinhado aos interesses do imperialismo e impedir o desenvolvimento de uma alternativa de integração com os povos do Sul Global.

O Brasil, em luta pelo futuro

O Ocidente não tem nada para oferecer. Se antes suas promessas de fraternidade, igualdade e liberdade, eram vazias, hoje nem mesmo isso. Só se apresenta com a encarnação da violência, da submissão completa, do desastre ambiental e da morte. O passado é o único caminho que colocam, um passado similar a época de “todos contra todos, olho por olho, dente por dente”. O saque, à guerra, à pilhagem, a revanche colonial.

Querem colocar o Brasil naquilo que afirmam ser sua vocação eterna, a de uma fazenda do mundo. Podemos buscar um outro futuro, soberano, verdadeiramente independente, e com um desenvolvimento que alcance o povo e caminhe ao lado do respeito ao planeta e a transição energética.

O que está colocado é o tipo de mundo que veremos e o papel do Brasil nele. Se nesse mundo que se desenha a barbárie irá dominar, e o contrato colonial será renovado ou se veremos a construção de um projeto que tenha como base a soberania dos povos e uma outra relação com a natureza.

Será preciso confrontar Donald Trump. Dizer não. Estufar o peito e ter coragem diante do gigante imperialista. Será preciso não se curvar. Assim como, se faz necessário confrontar os inimigos internos, nossa burguesia, que sequestra o Estado e o transforma em um balcão de negócios. Será preciso um outro projeto econômico, que distribua a renda, coloque o Estado no centro do desenvolvimento e elabore uma política de vida. Algo possível apenas se avançarmos para construção de maior força social.

Se Donald Trump, e a extrema direita, acham que podem causar medo, pânico e chantagear ao povo brasileiro, estão enganados. Nessa terra se ergueu a República de Palmares, e como afirmou o Grupo Netos de Zumbi na carta em fundação ao Movimento Negro Unificado, “vovô ficaria triste se nos entregassemos sem lutar”.

Coube a ironia do destino que justamente uma semana depois do 2 de Julho, Donald Trump resolvesse atacar nossa soberania nacional. O presidente estadunidense não deve saber nossa história, mas nós sabemos, e a recordaremos. Será com a benção de Maria Quitéria e de Maria Felipa que o povo brasileiro vencerá mais um tirano.

Que nossos olhos deixem de observar somente o Norte Global mas busquem encarrar o Mundo em sua diversidade. Pátria Livre, venceremos!!

*Gabriel Santos é estudante de ciência sociais na UFRGS e militante do Movimento Negro Unificado (MNU).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES