Por ANDREW KORYBKO*
Considerações sobre a recente diplomacia dos EUA com a China, a Índia e o Irã
O secretário de estado estadunidense Antony Blinken acaba de concluir sua viagem à China, que foi a primeira de qualquer um dos principais diplomatas dos Estados Unidos em meia década e a de maior destaque da administração Joe Biden até o momento. A viagem ocorreu dias antes da visita do primeiro-ministro indiano Narendra Modi a Washington e segue-se à confirmação, na semana passada, pelo Ministério das Relações Exteriores iraniano, de que seu país manteve conversações indiretas com os EUA em Omã no mês passado. Embora aparentemente díspares, cada um destes compromissos diplomáticos está indiretamente ligado um ao outro.
Para começar, eles provam que os EUA já não são capazes de agir sozinhos como antes, durante o apogeu da unipolaridade nos anos 1990 e no início dos anos 2000. Longe já se vão os tempos em que os EUA sentiam que podiam ignorar os interesses de líderes regionais como a Índia e o Irã, para não falar da aspiração especulativa da China a superpotência. Embora já estivessem envolvidos com estes três países em vários graus ao longo dos anos, isso ainda não tinha acontecido no que é indiscutivelmente o atual contexto pós-unipolar, que acabamos de descrever.
A transição sistêmica global para a multipolaridade foi acelerada de modo sem precedentes pela operação especial da Rússia na Ucrânia e pela guerra por procuração entre a OTAN e a Rússia que se seguiu à sabotagem do processo de paz de Istambul na primavera de 2022. Em vez de servirem para restaurar a unipolaridade, estes desenvolvimentos acima mencionados e as sanções do Ocidente tornaram a multipolaridade inevitável, apesar desse sistema emergente ainda não ter se formado completamente de uma forma tão clara.
O segundo ponto em comum entre estes compromissos diplomáticos é o fato destes três líderes multipolares estarem em posição muito melhor diante dos EUA do que estavam antes do início, no ano passado, dos eventos de mudança de paradigma de espectro total. A China resistiu à tempestade econômica mundial que alguns pensavam que seu modelo dependente de globalização poderia não suportar, a Índia solidificou sua autonomia estratégica face à imensa pressão ocidental e a aproximação entre o Irã e a Arábia Saudita afastou os riscos de uma guerra por procuração.
Os EUA não podem, portanto, aplicar as mesmas alavancas de influência que antes, numa tentativa de coagi-los a fazer concessões políticas unilaterais em detrimento de seus interesses objetivos e em benefício de si próprios. A China adaptou-se com sucesso à nova realidade econômica global provocada pelas sanções antirussas que abalaram o sistema ocidental, a guerra de informação demonstrou ter um efeito nulo na reformulação da política externa da Índia e a Arábia Saudita já não se permite ser o procurador regional anti-iraniano dos EUA.
Por fim, o último ponto a ligar é o fato de que estes três países são todos parceiros russos muito próximos, o que sugere que os EUA poderão envolvê-los ao mesmo tempo a partir de agora, porque esperam que eles possam ser seduzidos a distanciar-se de Moscou. No entanto, isso é uma fantasia política, pois cada um deles tem enormes interesses em manter sua soberania, continuar a expandir de forma abrangente os laços mutuamente benéficos com a Rússia e, assim, manter a transição sistêmica global no caminho certo.
O melhor cenário possível é a estabilização da rivalidade sino-americana, de modo que uma guerra por erro de cálculo deixe de ser provável, que os laços comerciais entre a Índia e os Estados Unidos impulsionem a recuperação econômica global devido à sua complementaridade e/ou que se chegue a um novo acordo nuclear entre o Irã e os Estados Unidos, o que seria benéfico para todos. Tudo isto é possível se os EUA tiverem vontade política e perceberem que não podem continuar impondo exigências de soma zero a esses países, tanto em termos gerais como, especialmente, no que se refere aos seus laços com a Rússia.
O envolvimento diplomático é sempre positivo, desde que não seja dirigido contra terceiros, o que nenhum destes exemplos é, apesar da especulação desacreditada entre alguns na mídia alternativa, de que a Índia é o procurador anti-chinês dos EUA e seu Cavalo de Troia em instituições multipolares. Não se espera que a China, nem a Índia, nem o Irã sacrifiquem sua soberania em troca de algo dos EUA, pelo que ninguém deve preocupar-se com os últimos desenvolvimentos, uma vez que cada um deles rejeitaria qualquer acordo que exigisse isso.
*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular).
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Publicado originalmente na newsletter do autor.
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