Lula na presidência dos BRICS

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Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JÚNIOR*

Os BRICS configuram o único grupo de países capaz de se contrapor ao G7 e de oferecer alternativas concretas à desordem patrocinada pelo Ocidente

Posso voltar a falar de BRICS? Já escrevi muito a respeito, provavelmente demais. É que sou talvez o único brasileiro a ter participado das atividades do grupo, continuamente, desde o seu início em 2008 até 2017, o que justifica manter vivo o meu envolvimento no assunto.

Em 2025, há uma razão muito mais forte para voltar ao tema – a presidência brasileira dos BRICS. Temos agora uma oportunidade única, que não voltará tão cedo. Com a ampliação dos membros do grupo – de 5 para 10 países – só daqui a 10anos o Brasil voltará a exercer a presidência. Não podemos desperdiçá-la.

Infelizmente, não parece que a presidência brasileira vá produzir grandes resultados. Posso estar errado, espero que esteja, e talvez seja cedo para dizer.

Mas a verdade é que governo brasileiro não está politicamente forte. Entre outros motivos, porque se vê infestado de quadros que têm ou pouca ou nenhuma identificação com os BRICS e mantêm ligações prioritárias com EUA e Europa (a famosa quinta-coluna). O Itamaraty, por exemplo, com algumas exceções, vem sendo dominado pela burocracia e pelo carreirismo.

A Fazenda se omite, com o ministro Fernando Haddad se ausentando frequentemente do assunto. O Banco Central sempre foi um obstáculo para os BRICS. Gabriel Galípolo pode mudar isso, mas uma coisa é o novo presidente da instituição, outra a máquina pesada e inflexível do Banco Central. Do Planejamento, nem preciso falar – com exceção de Márcio Pochmann, no IBGE, o que temos lá é uma coleção de neoliberais, todos referenciados à agenda Ocidental.

Há outras exceções, claro, tanto na Fazenda como no Itamaraty (e mais na primeiro do que no segundo ministério). Há exceções, também, na assessoria do Presidente da República. Na Fazenda, uma nova geração de brasileiros faz o possível para vencer as barreiras internas ao avanço do grupo. Porém, essa nova geração não ocupa postos de muito destaque no Ministério e fica, portanto, limitada em sua capacidade de influir.

Erro na fixação da data da cúpula e como corrigir

Um problema foi a decisão clamorosamente equivocada de fazer a cúpula dos BRICS no início de julho, o que arrisca reduzir a presidência brasileira a apenas seis meses – tempo insuficiente para fazer avanços significativos. O motivo foi a percepção do governo brasileiro de que o Brasil não conseguiria organizar duas grandes reuniões no final de 2025 – a COP 30 e a cúpula dos BRICS…

Meu Deus do céu! Lamentável, por pelo menos duas razões. Primeira: subestima a capacidade do País – por que admitir que duas reuniões nos deixariam sobrecarregados? Segunda razão: a COP 30, salvo melhor juízo, terá pouca utilidade prática – será provavelmente mais uma oportunidade para repetir chavões sobre a crise climática, sem repercussão prática. Lula e outros líderes farão os discursos e os apelos de praxe que passarão imediatamente ao esquecimento.

Já os BRICS são a principal força de contestação do status quo internacional. É o único grupo de países capaz de se contrapor ao G7 e de oferecer alternativas concretas à desordem patrocinada pelo Ocidente.

O que fazer então?

Duas coisas. Primeira: deixar claro na cúpula de julho de 2025, no Rio de Janeiro, que ela é uma etapa intermediária da presidência brasileira, que continua no segundo semestre com reuniões ministeriais, de xerpas e de assessores – aproveitando inclusive as diversas ocasiões em que representantes dos 10 países dos BRICS se encontram por outros motivos (reuniões do FMI e do Banco Mundial ou da ONU, por exemplo).

Deveria haver um outro encontro dos líderes dos BRICS em 2025!

Segunda coisa, e mais importante: deixar claro, desde logo, que o Brasil pretende presidir um segundo encontro de líderes do grupo em novembro, em paralelo à cúpula do G20 na África do Sul. Isso permitiria completar a presidência brasileira e, em seguida, passar o bastão à Índia, o próximo país a exercer a presidência dos BRICS.

A maioria dos países dos BRICS são também membros do G20 (caso do Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e Indonésia). Os demais (Egito, Etiópia, Emirados Árabes e Irã) poderiam ser convidados a comparecer como parte do outreach que sempre se faz nas presidências do G20.

Burocratas no Itamaraty ou na Fazenda podem levantar objeções, alegando por exemplo que seria algo inusitado e complicado. Não é verdade. Foi o próprio Brasil, graças à presidente Dilma Rousseff, que criou a tradição de realizar encontros dos líderes dos BRICS à margem da cúpula do G20.

O primeiro foi em Cannes, em 2011, por ocasião da cúpula na França. Na ocasião, eu estava lá e dou testemunho de que havia dificuldades aparentemente insuperáveis. A ideia fora lançada pelo Brasil, mas a China e a Índia não se entendiam sobre quem deveria convocar a reunião. Diplomatas brasileiros, entre eles o então ministro Antônio Patriota, me explicaram que não seria mais possível fazer a reunião. Eu respondi: “mas então o Brasil convoca”. Ninguém aceitou a ideia.

Logo em seguida, eis que chega a Cannes a presidente Dilma Rousseff (os líderes sempre chegam na última hora nas cúpulas). Confrontada com o “impasse”, disse imediatamente: “então eu convoco a reunião”. E assim foi. A primeira reunião desse tipo ocorreu sob a presidência brasileira e correu muito bem. Fiquei com fama de ter grande influência sobre a presidente Dilma Rousseff, eu que mal tinha contato com ela.

No ano seguinte, em 2012, tivemos novo encontro desse tipo em Los Cabos, por ocasião da cúpula do G20 no México. Dessa vez, houve inclusive um comunicado dos líderes dos BRICS. Aí a dificuldade era com a Índia que não queria colocar na mesa a ideia da criação de um fundo monetário dos BRICS. Graças a uma explosão da presidente brasileira, a Índia cedeu e foi lançada a negociação do Arranjo Contingente de Reservas, uma ideia a que ela se afeiçoara. (Dilma Rousseff exagera, mas sabe fazer certas coisas…)

Depois tivemos reuniões do mesmo tipo em várias ocasiões, por exemplo: em São Petersburgo, Rússia (2013), em Brisbane, Austrália (2014), em Antália, Turquia (2015), em Hangzhou, China (2016), em Hamburgo, Alemanha (2017), em Buenos Aires, Argentina (2018) e em Osaka, Japão (2019) – sempre à margem das cúpulas do G20.

Repare, leitor ou leitora, que essas reuniões ocorreram mesmo nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, menos inclinados a atribuir importância aos BRICS. Em 2019, o Brasil exercia inclusive a presidência dos BRICS em pleno governo de Jair Bolsonaro.

O governo Lula ficará aquém?

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de Estilhaços (Contracorrente) [https://amzn.to/3ZulvOz]

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital, em 30 de maio de 2025.

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