Manifesto do Chefe Seattle ao Presidente dos EUA

Imagem: Adir Sodré
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por AFRÂNIO CATANI*

Comentário sobre o texto que é considerado um dos mais profundos pronunciamentos em defesa do meio ambiente

Em 1855, respondendo a proposta do então Presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Pierce (1804-1869), que desejava comprar terras pertencentes aos indígenas, o Chefe Indio Seattle escreveu o manifesto Preservação do meio ambiente, editado no Brasil com 20 ilustrações de Vera Rodrigues.

Na apresentação, o editor Sérgio Amad Costa informa que o Manifesto foi traduzido da versão original, localizada na Seattle Historical Society, em Washington. Fica-se sabendo, igualmente, que o “Chefe Seattle nasceu em 1790 e morreu em 1866. Liderou os Duwamish e as tribos Suquamish, Saminish, Skopamish e Stakmish, sendo o primeiro signatário do tratado de Port Elliot, pelo qual estas tribos se submeteram às imposições governamentais dos EUA, recebendo, em troca, uma reserva indígena. Cumpre lembrar, também, que a cidade de Seattle, nos EUA, tem esse nome em homenagem ao chefe dos Duwamish” (p. 5).

Embora escrito há mais de 160 anos, o manifesto é considerado como um dos mais profundos pronunciamentos sobre a defesa do meio ambiente, sendo de uma atualidade indiscutível. Isso porque chama a atenção para a falta de respeito e de cuidado com a terra e, consequentemente, com o equilíbrio ecológico.

Seattle inicia sua resposta ao Presidente Pierce afirmando que o seu povo irá considerar a proposta recebida para vender suas terras, embora se pergunte: “É possível comprar ou vender o céu e o calor da terra? Tal ideia é estranha para nós. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como podem comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrada para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada areia da praia, cada bruma nas densas florestas, cada clareira e cada inseto a zumbir são sagrados na memória do meu povo. A seiva que corre através das árvores carrega as memórias do homem vermelho (…) Somos parte da terra e ela é parte de nós (…). Deste modo, quando o grande Chefe manda dizer que quer comprar nossa terra, ele pede muito de nós (…). Consideraremos sua oferta de comprar nossa terra. Mas não será fácil, pois esta terra é sagrada para nós” (p. 11,13 e 15).

Em sua sabedoria, o Chefe Seattle dá conselhos ao homem branco, lembrando que deve ensinar às crianças que “os rios são nossos irmãos“, que “a terra é nossa mãe“. Assim, “tudo o que ocorrer com a terra ocorrerá aos filhos da terra. Se os homens desprezam o solo, estão desprezando a si mesmos (…). O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu a trama da vida; ele é meramente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido fará a si mesmo” (p. 19, 36 e 39).

Num momento em que assistimos ao desmatamento e queimadas ilegais no país, em que o Ministério do Meio Ambiente é, para dizer o mínimo, completamente inoperante, as palavras do Chefe Seattle nesse belo livro, em que texto, ilustrações e capa se integram com harmonia, não devem ser ignoradas. Caso não se preservem as florestas, os rios, os lagos, os mares, os animais, as montanhas, diz ele, “é o fim da vida e o início de uma subvida“ (p. 45)

*Afrânio Catani é professor aposentado na USP e professor visitante na UFF.

Versão reduzida da resenha publicada na Revista de Administração de Empresas (RAE), São Paulo, EAESP-FGV, vol. 28 no 1, p. 58, janeiro-março, 1988.

 

Referência


SEATTLE (Chefe Índio). Preservação do meio ambiente – manifesto do Chefe Seattle ao Presidente dos EUA. Tradução: Magda Guimarães Khouri Costa. São Paulo: Babel Cultural.

 

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Distopia como instrumento de contenção
Por GUSTAVO GABRIEL GARCIA: A indústria cultural utiliza narrativas distópicas para promover o medo e a paralisia crítica, sugerindo que é melhor manter o status quo do que arriscar mudanças. Assim, apesar da opressão global, ainda não emergiu um movimento de contestação ao modelo de gestão da vida baseado do capital
O prêmio Machado de Assis 2025
Por DANIEL AFONSO DA SILVA: Diplomata, professor, historiador, intérprete e construtor do Brasil, polímata, homem de Letras, escritor. Como não se sabe quem vem à frente. Rubens, Ricupero ou Rubens Ricupero
Aura e estética da guerra em Walter Benjamin
Por FERNÃO PESSOA RAMOS: A "estética da guerra" em Benjamin não é apenas um diagnóstico sombrio do fascismo, mas um espelho inquietante de nossa própria era, onde a reprodutibilidade técnica da violência se normaliza em fluxos digitais. Se a aura outrora emanava a distância do sagrado, hoje ela se esvai na instantaneidade do espetáculo bélico, onde a contemplação da destruição se confunde com o consumo
Na próxima vez em que encontrar um poeta
Por URARIANO MOTA: Na próxima vez em que encontrar um poeta, lembre-se: ele não é um monumento, mas um incêndio. Suas chamas não iluminam salões — consomem-se no ar, deixando apenas o cheiro de enxofre e mel. E quando ele se for, você sentirá falta até de suas cinzas
A redução sociológica
Por BRUNO GALVÃO: Comentário sobre o livro de Alberto Guerreiro Ramos
Conferência sobre James Joyce
Por JORGE LUIS BORGES: A genialidade irlandesa na cultura ocidental não deriva de pureza racial celta, mas de uma condição paradoxal: lidar esplendidamente com uma tradição à qual não devem fidelidade especial. Joyce encarna essa revolução literária ao transformar um dia comum de Leopold Bloom numa odisseia infinita
Economia da felicidade versus economia do bom viver
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Diante do fetichismo das métricas globais, o “buen vivir” propõe um pluriverso de saberes. Se a felicidade ocidental cabe em planilhas, a vida em plenitude exige ruptura epistêmica — e a natureza como sujeito, não como recurso
Tecnofeudalismo
Por EMILIO CAFASSI: Considerações sobre o livro recém-traduzido de Yanis Varoufakis
Mulheres matemáticas no Brasil
Por CHRISTINA BRECH & MANUELA DA SILVA SOUZA: Revisitar as lutas, contribuições e avanços promovidos por mulheres na Matemática no Brasil ao longo dos últimos 10 anos nos dá uma compreensão do quão longa e desafiadora é a nossa jornada na direção de uma comunidade matemática verdadeiramente justa
Não existe alternativa?
Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
Síndrome da apatia
Por JOÃO LANARI BO: Comentário sobre o filme dirigido por Alexandros Avranas, em exibição nos cinemas.
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES