Maskirovka

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Por ANDREW KORYBKO*

A sugestão de Aleksandr Lukashenko de aprender com o Grupo Wagner não significa que o golpe tenha sido “maskirovka”.

Considerou-se anteriormente que “Exilar Prigozhin e seus colaboradores na Bielorrússia serve aos interesses russos”, o que foi confirmado pelo presidente bielorrusso Aleksandr Lukashenko na sexta-feira. Ele elogiou o Grupo Wagner por “martelar os franceses na África”, para não mencionar seu papel na operação especial da Rússia e, especialmente, sua vitória na Batalha de Artyomovsk, antes de sugerir que compartilhassem suas experiências de combate com as forças bielorussas. Isto aconteceu no mesmo dia em que a Bielorrússia aprovou a criação de uma milícia popular.

O contexto mais amplo é o fato do líder bielorrusso ter advertido anteriormente que o Ocidente está planejando um novo golpe de Estado contra ele, bem como a possibilidade de lançar incursões por procuração como as de Belgorod. Seu país precisa de toda a ajuda possível para se defender, e é por isso que é sensato utilizar o resultado do acordo da semana passada, mediado por Aleksandr Lukashenko, para esse fim. A Rússia também não terá qualquer problema com isso, uma vez que o presidente Vladimir Putin descreveu repetidamente o Wagner como um grupo de heróis patrióticos, apesar da traição cometida por seu chefe.

Por conseguinte, faz todo o sentido que defendam seu aliado do Estado federal das ameaças representadas por seus inimigos existenciais comuns, o que pode ser feito através da partilha de suas experiências de combate, como sugeriu Aleksandr Lukashenko, assim como da realização de operações de guerra de informação multidimensional. Em relação a este último aspecto, foi noticiado anteriormente que a Rússia bloqueou a rede “Patriot media group” de Evgueni Prigozhin, a qual, após isso, optou por encerrar suas atividades no país.

Uma vez que ele, seus cúmplices e apoiadores estão agora mudando-se para a Bielorrússia, esses especialistas recentemente desempregados podem previsivelmente ir com eles para retomar lá suas operações de guerra de informação. Estas podem assumir a forma de operações ofensivas contra os vizinhos da OTAN de seu anfitrião, bem como de operações de defesa destinadas a galvanizar o apoio ao governo bielorrusso face a outro golpe iminente. Em seu conjunto, o Wagner pode tornar-se um trunfo de segurança nacional para a Bielorrússia, com a total aprovação russa.

No caso de incursões por procuração como as de Belgorod serem lançadas a partir do território ucraniano, o que Volodymyr Zelensky pode estar disposto a fazer a pedido de seus patronos ocidentais, tal como sugerido pelo reforço suspeito da fronteira norte de seu país, de modo que o Wagner poderia ser a primeira linha de defesa da Bielorrússia. Não só poderia deter diretamente os invasores, como também poderia receber ordens de Aleksandr Lukashenko para efetuar ataques transfronteiriços com o objetivo de destruir seus acampamentos base, inclusive de forma preventiva, se tal decisão fosse tomada.

“É improvável que o Grupo Wagner abra uma frente setentrional depois do golpe fracassado de Evgueni Prigozhin, apesar dos desejos bem-intencionados da comunidade da mídia alternativa e das notícias falsas maliciosas de seus rivais da mídia tradicional em sentido contrário, mesmo que isso também não possa ser completamente excluído. O que se pode saber com certeza, no entanto, é que o presidente Vladimir Putin não encenou um “golpe de falsa bandeira” e conspirou com Evgueni Prigozhin para abater pilotos russos como parte de um “plano mestre de xadrez 5D” para enviar o Grupo Wagner para a Bielorrússia.

Essa teoria da conspiração está, lamentavelmente, tornando-se viral por toda mídia alternativa na última semana e induzindo inúmeras pessoas a cair na narrativa da “sexta coluna”, com o objetivo de fazê-las pensar que o líder russo cometeu traição. Aqueles que subsequentemente construírem sua visão de mundo com base nisto se tornarão cada vez mais divorciados da realidade e, portanto, ainda mais fáceis de serem manipulados pelos serviços secretos ocidentais, razão pela qual esta falsa narrativa deve ser cortada pela raiz o mais rapidamente possível.

O presidente Vladimir Putin não matou Evgueni Prigozhin e seus cúmplices porque queria evitar que eles se tornassem mártires e, ao mesmo tempo, impedir pragmaticamente a guerra civil que o Ocidente procurou provocar através daquele que poderia ter sido seu “idiota útil” mais desestabilizador da história, se seu golpe não tivesse sido detido. Nem o FSB nem o presidente Vladimir Putin estavam mentindo quando descreveram corretamente a traição do chefe do Grupo Wagner como uma “apunhalada/facada nas costas”, respectivamente.

O mesmo pode ser dito, obviamente, dos funcionários e da mídia internacional financiada com recursos públicos que repetiram esta descrição do que ele fez, mas os principais influenciadores da mídia alternativa que estão propagando esta teoria da conspiração querem que seu público pense o contrário. Estas figuras talvez ganharam respeito anteriormente por suas análises e/ou relatórios precisos, mas estão traindo a confiança que seus seguidores depositaram neles, mentindo sobre este assunto para gerar influência, promover sua ideologia e/ou solicitar doações.

O golpe fracassado de Evgueni Prigozhin foi um marco por mais de uma razão, já que representou o maior desafio à autoridade constitucional da Rússia desde 1993, a tentativa mais ardilosa de subversão do país pelo Ocidente desde 1917, segundo Vladimir Putin, e um ponto de inflexão na mídia alternativa. Em relação a esta última, isto remete ao que foi escrito anteriormente a respeito de seus apoiadores enganados que constroem suas visões de mundo com base na afirmação de que ele levou a cabo um “golpe de Estado de falsa bandeira”.

Só porque o presidente Putin evitou o derramamento de sangue em larga escala que os inimigos existenciais de seu país queriam ver, e transformou esta crise em benefício do Estado Federal, como já foi explicado, não significa que tudo tenha sido “maskirovka” [estratégia russa de dissimulação e desinformação militar], como afirmam os “sextas colunas” da mídia alternativa. Aqueles que acreditam nisso caíram na operação psicológica do Ocidente de questionar sua integridade e a do FSB, de outros funcionários russos, como o chefe da Guarda Nacional, e da mídia internacional russa financiada com recursos públicos.

É do interesse dos inimigos existenciais da Rússia que seus apoiadores pensem que estes pilares do Estado estão mentindo, para não falar da insinuação de que o presidente Vladimir Putin teria ordenado a Evgueni Prigozhin que abatesse os pilotos russos, e depois comemorou isso durante toda a semana passada em seus discursos. Não há meio-termo: ou todos os citados no parágrafo anterior estão dizendo a verdade ou estão mentindo. Os verdadeiros apoiadores da Rússia acreditam na primeira hipótese, enquanto seus inimigos alegam ridiculamente a segunda.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular).

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Publicado originalmente na newsletter do autor.


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