As ideias precisam circular. Ajude A Terra é Redonda a seguir fazendo isso.

Mundos do trabalho

Imagem: Ciro Saurius
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MARCOS SILVA & MARINALVA VILAR DE LIMA*

Comentário sobre o livro organizado por Maria do Rosário Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr.

Oportunizar ao público leitor brasileiro um debate sobre Mundos do trabalho: séculos XX e XXI é provocar a sociedade para o questionamento sobre os percursos tomados pelo capitalismo em sua incessante “gana” pela exploração e pelo lucro, que enfrenta os trabalhadores e seus projetos de autonomia. Tal questionamento articula os interesses de historiadores que atuam em diferentes Instituições nacionais de pesquisa e ensino, em uma esfera de alcance geográfico que engloba Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, presentes nesta coletânea e articuladas a núcleos similares em diferentes partes do mundo.

Essa reunião de escritos, organizada por Maria do Rosário da Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr., surge como um dos resultados das pesquisas que têm sido desenvolvidas por professores e discentes da Universidade de São Paulo (USP: Maurício Gomes da Silva, Poliana Santos e Vandré Aparecido Silva, pós graduando e pós graduados, mais o Prefácio de Lincoln Secco, Professor), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP: Heloísa Faria Cruz, Olga Brites e Maria do Rosário da Cunha Peixoto, Docentes), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM: Nelson Tomelin Jr. e Maria Luiza Ugarte Pinheiro) e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG: José Otávio Aguiar e Hilmária Xavier Silva, Professor e Pós-graduada), junto ao Projeto PROCAD/CAPES. Ela é uma amostra do esforço feito pela universidade brasileira para pensar Brasil e mundo, dialogar com a sociedade que garante sua existência, ensinar a essa sociedade e aprender com ela.

Os articulistas do livro são professores e/ou pesquisadores daquelas Instituições de ensino superior brasileiras e de unidades de ensino dos níveis fundamental e médio. Seus textos refletem sobrea sociedade brasileira e os caminhos e descaminhos que têm sido tomados na esfera de luta pela sobrevivência material e na definição de vontades e projetos próprios pelos trabalhadores, universo social do qual eles e nós fazemos parte enquanto intelectuais de profissão, sem esquecer que todos os seres humanos são dotados de intelecto, são intelectuais. E que o mundo do trabalho não se reduz aos atos da produção de mercadorias e serviços; ele é, antes de mais nada, infinitas experiências de homens e mulheres em seu contínuo fazer-se, conjunto de sociabilidades.

É assim que os autores desses textos abordam temas e problemas como Patrimônio Industrial e Memória Urbana, Políticas para Infância e Família de Trabalhadores, Migração e Etnicidade, Trabalhadores e Justiça, Militares Comunistas e Direitos, Resistência Popular, Carnaval e Literatura, Mutualismo Étnico, Reciclagem e Meio Ambiente e Assistencialismo e Política. Diante desses mundos do trabalho, os historiadores são também novos sujeitos críticos que procuram analisar mulheres e homens, de diferentes faixas etárias, no fazer-se cotidiano.

A contemporaneidade tem nos colocado como certeza maior a incerteza daquilo que um dia pareceu consolidado: um “ofício”. A cada dia, os apelos da tecnologia, em ritmo acelerado, criam e destroem profissões, levando a que formas de vida, experiências, crenças e paradigmas sejam colocados em xeque.

Cabe lembrar que não há contemporaneidade sem seus antes e seus depois, que os antes nos dirigem apelos no que se refere a projetos em aberto, conforme nos ensinou Walter Benjamin em seu clássico ensaio “Sobre o conceito de História”[i], e que os depois dependem em larga escala de nossos fazeres diante dos desafios que enfrentamos, como pode ser discutido a partir de Edward Thompson em sua brilhante trilogia A formação da classe operária inglesa[ii].

Existem as memórias e os projetos de trabalhadores, que são homens e mulheres dotados de múltiplas capacidades e se expressam permanentemente diante do mundo, dentro do mundo, são eles mesmos mundo.

Falar em mundo do trabalho é indagar sobre práticas culturais e capacidades políticas dos grupos sociais, suas resistências e suas alternativas. E as falas desse volume surgem num momento político brasileiro em que políticas desastrosas destroem direitos e pioram gravemente as condições de vida dos que vivem de seu trabalho, salários são ainda mais reduzidos, garantias nos campos de Saúde e Educação desaparecem ameaçadoramente.

Seria muito cômodo apenas declarar o fim do mundo do trabalho diante das novas tecnologias, louvar a coisificação tecnológica como se fôssemos uma peça a mais na engrenagem dominante, assistir de forma impassível à consolidação de controles sobre a vida de todos através do trabalho online e da automatização expandida. Existe um perturbador silêncio, na declaração daquele suposto fim, sobre diferenças sociais, poderes de determinados grupos sobre outros, que impedem até o presente momento a vontade do acesso generalizado à riqueza e ao ócio.

Historiadores, somos mais que coisas. Falamos de trabalhadores e também somos trabalhadores. Podemos desejar a superação das forças sociais que oprimem e exploram: o mundo é muito mais que isso.

E o conhecimento histórico tem contribuído para essas lutas. O mundo do trabalho é também o mundo do historiador, como esse livro tão bem demonstra em hora mais que oportuna.

*Marcos Silva é professor do Departamento de História da FFLCH-USP.

*Marinalva Vilar de Lima é professora de história na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

 

Referência


Maria do Rosário Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr. (orgs.). Mundos do trabalho: séculos XX e XXI. São Paulo, Annablume, 2020.

 

Notas


[i] BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”, in: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 222/232.

[ii] THOMPSON, Edward. A Formação da Classe Operária Inglesa. Tradução de Denise Bottmann, Renato Busatto Neto e Cláudia RochadeAlmeida, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987.

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.800 autores.
Everaldo de Oliveira Andrade Yuri Martins-Fontes Manuel Domingos Neto Bernardo Ricupero João Carlos Salles Otaviano Helene Jean Pierre Chauvin Atilio A. Boron Gabriel Cohn Juarez Guimarães Elias Jabbour Dênis de Moraes Luiz Eduardo Soares Bento Prado Jr. Ruben Bauer Naveira Marcos Silva Marilia Pacheco Fiorillo José Micaelson Lacerda Morais Luiz Marques Daniel Costa Paulo Fernandes Silveira Flávio Aguiar Fernão Pessoa Ramos Roberto Noritomi Francisco Fernandes Ladeira Ricardo Musse Luiz Renato Martins Francisco de Oliveira Barros Júnior Luiz Costa Lima Marcos Aurélio da Silva José Dirceu Manchetômetro Vanderlei Tenório Sandra Bitencourt Benicio Viero Schmidt Fernando Nogueira da Costa Lucas Fiaschetti Estevez Chico Whitaker Alysson Leandro Mascaro Eleutério F. S. Prado Priscila Figueiredo José Machado Moita Neto Michael Roberts José Geraldo Couto Eleonora Albano Alexandre de Freitas Barbosa Marilena Chauí Paulo Sérgio Pinheiro Alexandre Aragão de Albuquerque Ronald León Núñez Valério Arcary Francisco Pereira de Farias Andrew Korybko Daniel Brazil Érico Andrade Carlos Águedo Paiva Rubens Pinto Lyra João Lanari Bo Fábio Konder Comparato Bruno Machado Marcelo Guimarães Lima João Sette Whitaker Ferreira Sergio Amadeu da Silveira Celso Frederico Luis Felipe Miguel Airton Paschoa Maria Rita Kehl Ricardo Fabbrini Heraldo Campos Luiz Augusto Estrella Faria Chico Alencar Paulo Capel Narvai Vladimir Safatle Luciano Nascimento Lincoln Secco Celso Favaretto Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Thomas Piketty Eugênio Trivinho Eugênio Bucci André Singer Eduardo Borges Luiz Werneck Vianna Jean Marc Von Der Weid Tarso Genro Caio Bugiato Igor Felippe Santos Luís Fernando Vitagliano Henry Burnett Annateresa Fabris Boaventura de Sousa Santos José Luís Fiori João Feres Júnior Remy José Fontana Antonio Martins Ricardo Abramovay Osvaldo Coggiola Jorge Branco Lorenzo Vitral Slavoj Žižek Antonino Infranca Flávio R. Kothe Marcelo Módolo João Paulo Ayub Fonseca Daniel Afonso da Silva Liszt Vieira Tales Ab'Sáber Ari Marcelo Solon André Márcio Neves Soares Kátia Gerab Baggio Samuel Kilsztajn Ronald Rocha Rodrigo de Faria Paulo Martins Leonardo Sacramento Walnice Nogueira Galvão Milton Pinheiro Berenice Bento João Adolfo Hansen Eliziário Andrade Dennis Oliveira Paulo Nogueira Batista Jr Leda Maria Paulani Mário Maestri Claudio Katz Antônio Sales Rios Neto Gilberto Lopes Julian Rodrigues Carlos Tautz Henri Acselrad Marcus Ianoni Michael Löwy Ronaldo Tadeu de Souza Vinício Carrilho Martinez Leonardo Boff Alexandre de Lima Castro Tranjan José Raimundo Trindade Roberto Bueno Plínio de Arruda Sampaio Jr. Mariarosaria Fabris Luiz Carlos Bresser-Pereira Tadeu Valadares Afrânio Catani Matheus Silveira de Souza Carla Teixeira Ladislau Dowbor Luiz Bernardo Pericás Jorge Luiz Souto Maior Leonardo Avritzer Anselm Jappe Denilson Cordeiro Gerson Almeida Marjorie C. Marona Rafael R. Ioris José Costa Júnior Armando Boito Ricardo Antunes Luiz Roberto Alves Anderson Alves Esteves João Carlos Loebens

NOVAS PUBLICAÇÕES