Por DIANA CAROLINA ALFONSO*
Greve nacional: xeque-mate ao uribismo
Esta semana, a pesquisa “Polimétrica de cifras y conceptos” revelou que as opiniões em desfavor de Iván Duque aumentaram para 65%. Até este momento do governo, o presidente colombiano viu sua imagem ser rebaixada duas vezes. A primeira, após as mobilizações de 2019. Este é precisamente o arco temporal que demarca a queda do modelo uribista depois de duas décadas de presidencialismo.
De acordo com o Órgão Internacional de Controle de Entorpecentes, a produção de cocaína na Colômbia duplicou-se nos últimos cinco anos, acentuando a curva de crescimento do principal produto de exportação colombiano. O país produtor de café não produziu essa quantidade de cocaína nem mesmo nos tempos de Pablo Escobar. A estruturação do poder na Colômbia, ou seja, a peculiar amálgama dos potentados ilegais com o Estado, transformou inclusive a estrutura de classes. Para a congressista da oposição Aida Avella, na Colômbia já não se pode falar de uma burguesia; a classe dominante está ligada ao narcotráfico, “é uma classe de narcotraficantes”. A elite colombiana é uma casta do sistema narcotraficante e o paramilitarismo seu instrumento de coerção para a acumulação de terras e “pacificação” da sociedade.
O presidente Iván Duque foi lobista financeiro em Wall Street antes de ser projetado por Uribe à presidência. A campanha do candidato eleito pelo ex-presidente foi financiada com dinheiro do narcotráfico, como indicam os áudios interceptados entre o narcotraficante “Ñeñe” Hernández e a ex-secretária pessoal de Álvaro Uribe, conhecida por “Caya” Daza. O escândalo conhecido como “ñeñepolítica” começou a crescer desde 2018, como uma bola de neve sem qualquer intervenção mediada pela justiça.
A pandemia encobriu a pilhagem
Em abril de 2020, o governo colombiano pediu 11 bilhões de dólares ao FMI para evitar a crise financeira em meio à pandemia. Em agosto, o governo uribista anunciou que o Comitê de Gestão do Fundo de Mitigação de Emergências (FOME) autorizou a participação da nação na reestruturação da Avianca para garantir a proteção da prestação de serviços aéreos, financiando até 370 milhões de dólares, como parte do processo da empresa segundo o capítulo 11 do Bankruptcy Code [Código de falências] dos Estados Unidos.
A medida foi amplamente rejeitada e o crédito acabou não sendo concedido. No entanto, a drenagem de recursos públicos prosseguiu com igual descaramento. Em sete meses, o governo Duque transferiu 5 trilhões de pesos para grandes empresários privados, com o fim de auxiliá-los na crise econômica. O programa de Duque, que recusou a iniciativa da renda básica, só ajudou a engrossar os bolsos dos milionários, entre eles o conhecido banqueiro Sarmiento Angulo, gestor e articulador da rede bancária “Grupo Aval”. Segundo Camilo Enciso, ex-secretário da transparência da presidência da república entre 2014 e 2017, além do dinheiro do narcotráfico, a campanha presidencial de Duque foi financiada em 66% por Sarmiento Angulo através do Banco de Bogotá, que também faz parte do referido Grupo Aval.
À cleptomania empresarial, somam-se as despesas de guerra. Logo depois do Brasil, a Colômbia foi o segundo país da América Latina com o maior gasto militar, com 9,2 bilhões de dólares, de acordo com um relatório divulgado pelo Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI), e o primeiro país em gasto militar durante a pandemia. Como se isso não bastasse, o governo desperdiçou 2 trilhões de pesos na compra de uma frota de caminhonetes blindadas para a presidência e outros 9 bilhões de pesos na aquisição de 23 caminhonetes para a Polícia Nacional. Esta instituição foi responsável pela repressão policial de 11 de setembro de 2020. Depois desse massacre, o presidente apoiou as ações terroristas da força pública e decidiu garantir suas operações com um investimento inusitado em armamento, caminhonetes e uniformes.
No meio da sangria dos recursos públicos, e não mais podendo tirar proveito da dívida, o governo decidiu adiantar uma reforma tributária na qual os principais itens da cesta básica colombiana, tais como café, açúcar, ovos e a gasolina, são tributados em 18%. A Comissão Nacional de Greve, que surgiu no calor das mobilizações de 2019, empreendeu uma agenda de mobilizações para enfrentar o abuso do governo uribista que começou em 28 de abril.
Nos dias anteriores, o governo colombiano desaprovou a Greve Nacional devido à Covid-19, argumentando que o fundamental era preservar a vida.
O argumento do governo para desacreditar a greve soou como uma piada de muito mau gosto. Só em 2020, a Human Rights Watch registou 90 massacres. Em 2021, a Colômbia soube que, durante o governo de Uribe Vélez, 6.402 cidadãos foram executados extrajudicialmente com o objetivo de apresentarem baixas na luta anti-insurgência. Além disso, 54 líderes sociais foram assassinados até agora neste ano, e 1.164 desde a assinatura do acordo de paz em 2016. Os três ministros da defesa da era Duque bombardearam acampamentos compostos por crianças e adolescentes em áreas onde o confronto armado com dissidentes das FARC ainda persiste. Apesar de tudo e contra todos e todas, o bloco uribista pretende revogar a agenda da paz que emergiu dos acordos de Havana. Ao contrário, pretende relançar a guerra, desta vez contra a Venezuela.
A Greve Nacional em curso é o coração da mobilização popular contra o modelo uribista. Um golpe fatal em sua reputação maculada. Não se trata aqui apenas de uma reforma tributária. Esta é a crise da pedra angular do modelo paramilitar/neoliberal que tende a expandir-se a partir da Colômbia para todo o continente. A conjuntura histórica relança a oportunidade de quebrar a hegemonia do governo mais sanguinário da história continental, especialmente no meio da corrida presidencial mais polarizada desde o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán. Nesse sentido, a oposição evidencia a retirada violenta da direita paraestatal e coloca-se à frente da contenda eleitoral de 2022 com o senador de esquerda Gustavo Petro. Entretanto, o duquismo tenta encerrar a história do uribismo com uma política de terra arrasada.
*Diana Carolina Alfonso é historiadora e jornalista.
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Publicado originalmente no portal Nodal.