Na Colômbia

Gabriela Pinilla, Camponesas do Sinú, Ilustração de livro, Desenho digitalmente colorido 2017, Bogotá, Colombia
image_pdf

Por DIANA CAROLINA ALFONSO*

Greve nacional: xeque-mate ao uribismo

Esta semana, a pesquisa “Polimétrica de cifras y conceptos” revelou que as opiniões em desfavor de Iván Duque aumentaram para 65%. Até este momento do governo, o presidente colombiano viu sua imagem ser rebaixada duas vezes. A primeira, após as mobilizações de 2019. Este é precisamente o arco temporal que demarca a queda do modelo uribista depois de duas décadas de presidencialismo.

De acordo com o Órgão Internacional de Controle de Entorpecentes, a produção de cocaína na Colômbia duplicou-se nos últimos cinco anos, acentuando a curva de crescimento do principal produto de exportação colombiano. O país produtor de café não produziu essa quantidade de cocaína nem mesmo nos tempos de Pablo Escobar. A estruturação do poder na Colômbia, ou seja, a peculiar amálgama dos potentados ilegais com o Estado, transformou inclusive a estrutura de classes. Para a congressista da oposição Aida Avella, na Colômbia já não se pode falar de uma burguesia; a classe dominante está ligada ao narcotráfico, “é uma classe de narcotraficantes”. A elite colombiana é uma casta do sistema narcotraficante e o paramilitarismo seu instrumento de coerção para a acumulação de terras e “pacificação” da sociedade.

O presidente Iván Duque foi lobista financeiro em Wall Street antes de ser projetado por Uribe à presidência. A campanha do candidato eleito pelo ex-presidente foi financiada com dinheiro do narcotráfico, como indicam os áudios interceptados entre o narcotraficante “Ñeñe” Hernández e a ex-secretária pessoal de Álvaro Uribe, conhecida por “Caya” Daza. O escândalo conhecido como “ñeñepolítica” começou a crescer desde 2018, como uma bola de neve sem qualquer intervenção mediada pela justiça.

A pandemia encobriu a pilhagem

Em abril de 2020, o governo colombiano pediu 11 bilhões de dólares ao FMI para evitar a crise financeira em meio à pandemia. Em agosto, o governo uribista anunciou que o Comitê de Gestão do Fundo de Mitigação de Emergências (FOME) autorizou a participação da nação na reestruturação da Avianca para garantir a proteção da prestação de serviços aéreos, financiando até 370 milhões de dólares, como parte do processo da empresa segundo o capítulo 11 do Bankruptcy Code [Código de falências] dos Estados Unidos.

A medida foi amplamente rejeitada e o crédito acabou não sendo concedido. No entanto, a drenagem de recursos públicos prosseguiu com igual descaramento. Em sete meses, o governo Duque transferiu 5 trilhões de pesos para grandes empresários privados, com o fim de auxiliá-los na crise econômica. O programa de Duque, que recusou a iniciativa da renda básica, só ajudou a engrossar os bolsos dos milionários, entre eles o conhecido banqueiro Sarmiento Angulo, gestor e articulador da rede bancária “Grupo Aval”. Segundo Camilo Enciso, ex-secretário da transparência da presidência da república entre 2014 e 2017, além do dinheiro do narcotráfico, a campanha presidencial de Duque foi financiada em 66% por Sarmiento Angulo através do Banco de Bogotá, que também faz parte do referido Grupo Aval.

À cleptomania empresarial, somam-se as despesas de guerra. Logo depois do Brasil, a Colômbia foi o segundo país da América Latina com o maior gasto militar, com 9,2 bilhões de dólares, de acordo com um relatório divulgado pelo Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI), e o primeiro país em gasto militar durante a pandemia. Como se isso não bastasse, o governo desperdiçou 2 trilhões de pesos na compra de uma frota de caminhonetes blindadas para a presidência e outros 9 bilhões de pesos na aquisição de 23 caminhonetes para a Polícia Nacional. Esta instituição foi responsável pela repressão policial de 11 de setembro de 2020. Depois desse massacre, o presidente apoiou as ações terroristas da força pública e decidiu garantir suas operações com um investimento inusitado em armamento, caminhonetes e uniformes.

No meio da sangria dos recursos públicos, e não mais podendo tirar proveito da dívida, o governo decidiu adiantar uma reforma tributária na qual os principais itens da cesta básica colombiana, tais como café, açúcar, ovos e a gasolina, são tributados em 18%. A Comissão Nacional de Greve, que surgiu no calor das mobilizações de 2019, empreendeu uma agenda de mobilizações para enfrentar o abuso do governo uribista que começou em 28 de abril.

Nos dias anteriores, o governo colombiano desaprovou a Greve Nacional devido à Covid-19, argumentando que o fundamental era preservar a vida.

O argumento do governo para desacreditar a greve soou como uma piada de muito mau gosto. Só em 2020, a Human Rights Watch registou 90 massacres. Em 2021, a Colômbia soube que, durante o governo de Uribe Vélez, 6.402 cidadãos foram executados extrajudicialmente com o objetivo de apresentarem baixas na luta anti-insurgência. Além disso, 54 líderes sociais foram assassinados até agora neste ano, e 1.164 desde a assinatura do acordo de paz em 2016. Os três ministros da defesa da era Duque bombardearam acampamentos compostos por crianças e adolescentes em áreas onde o confronto armado com dissidentes das FARC ainda persiste. Apesar de tudo e contra todos e todas, o bloco uribista pretende revogar a agenda da paz que emergiu dos acordos de Havana. Ao contrário, pretende relançar a guerra, desta vez contra a Venezuela.

A Greve Nacional em curso é o coração da mobilização popular contra o modelo uribista. Um golpe fatal em sua reputação maculada. Não se trata aqui apenas de uma reforma tributária. Esta é a crise da pedra angular do modelo paramilitar/neoliberal que tende a expandir-se a partir da Colômbia para todo o continente. A conjuntura histórica relança a oportunidade de quebrar a hegemonia do governo mais sanguinário da história continental, especialmente no meio da corrida presidencial mais polarizada desde o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán. Nesse sentido, a oposição evidencia a retirada violenta da direita paraestatal e coloca-se à frente da contenda eleitoral de 2022 com o senador de esquerda Gustavo Petro. Entretanto, o duquismo tenta encerrar a história do uribismo com uma política de terra arrasada.

*Diana Carolina Alfonso é historiadora e jornalista.

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Publicado originalmente no portal Nodal.

 

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES