Fundamentalismo, terrorismo, genocídio

Torcedores do Celtic / Reprodução Telegram
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

Não é mais uma guerra do forte contra o fraco, mas crimes de guerra e de real genocídio por parte do forte

No dia 7 de outubro assistimos um ato terrorista contra Israel, perpetrado pelo grupo armado Hamas da Faixa de Gaza, grupo este que é tambén uma forma convencional de organização civil da sociedade que administram. A retaliação pelo Estado sionista de Israel, sob Benjamin Netanyahu, foi tão asimétrica e desproporcional que,segundo a própria ONU, representa um verdadeiro genocídio do povo palestino da Faixa de Gaza com a morte de milhares de criancinhas inocentes, de civis e da destruição de grande parte das casas. Criou-se um Estado terrorista. Grassa pelo mundo afora uma onda de fundamentalismo, associado ao terrorismo e, em sua forma extrema, ao genocídio. Comecemos com o fundamentalismo.

O fundamentalismo não é uma doutrina mas “uma maneira excludente de ver a doutrina”.O fundamentalista está absolutamente convencido de que sua doutrina é a única verdadeira e todas as demais, falsas. Não tendo direito, podem e devem ser combatidas. Quando alguém se considera portador de uma verdade absoluta não pode tolerar outra verdade e seu destino é a intolerância que degenera em desprezo pelo outro, agressividade e eventualmente guerra.

Oorre com parte do judaísmo que se chama sionismo que pretende um Estado só de judeus. Este diz que a terra da Palestina foi por Deus entregue aos judeus e este teriam o direito de um Estado exclusivamente deles. Em função disso,ocupam terras da Cisjordânia, expulsam seus habitantes árabes, tomando-lhes as casas e tudo que está dentro. O sonho do sionismo-raiz se propõe criar um Estado judaico do tamanho do tempo do rei Davi. Uma parte dos palestinos e dos árabes da região acreditam ter o seu direito secular e recusam reconhecer Israel como Estado por ser usurpador. Declaram o propósito de defender e recuperar suas terras expropiadas e para isso se armam e praticam atos de violência, chegando ao terror como resposta ao terror dos radicais judeus que sofrem já há 75 anos.

Quais as características do terrorismo? A singularidade do terrorismo consiste na “ocupação das mentes”. Nas guerras não bastam os bombardeios aéreos, como se vê nos centenas de raids aéreos israelenses. Precisa-se ocupar o espaço físico para efetivamente se impor. Assim foi no Afeganistão e no Iraque e agora na Faixa de Gaza por parte do exército israelense. No terror não. Basta ocupar as mentes com ameaças que produzem medo, internalizado na população e no governo. Os norte-americanos ocuparam fisicamente o Afeganistão dos talibãs e o Iraque de Saddam Hussein. Mas a Al-Qaeda ocupou psicologicamente as mentes dos norte-americanos. O então ainda vivo Osama Bin Laden, no dia 8 de outubro de 2001 proclamou: “A partir de agora,os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz”.

 Para dominar as mentes pelo medo o terrorismo segue a seguinte estratégia: (i) os atos têm de ser espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada; (ii) apesar de odiados, devem provocar estupefação pela sagacidade empregada; (iii) devem sugerir que foram minuciosamente preparados; (iv) devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis; (v) devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o medo; (vi) devem provocar permanente medo; (vii) devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror. Um árabe num avião,facilmente, é visto como terrorista e são acionadas as autoridades. Depois, vê-se que era um simples cidadão.

Formalizando: “terrorismo é toda violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com medo e pavor”. Além da violência, o que se busca é seu caráter espetacular,capaz de dominar as mentes de todos. De modo geral, o terrorismo é a guerra dos fracos, dos sempre dominados e humilhados. No limite, como atualmente na Faixa de Gaza, não lhes resta outra alternativa senão resistir e cometer atos de violência.A resiliência possui seus limites.

Tememos que, após a violência genocida de Israel na Faixa de Gaza ceifando tantas vítimas inocentes, especialmente de milhares de crianças, de mulheres e também de civis, ocorram pelo mundo afora atos de terror contra os judeus ou mesmo irrompa um anti-semitismo, semitismo que não deve ser identificado com o sionismo-raiz.

Deus nos livre deste horror que suscita o espírito de vingança e a espiral da violência assassina. Dada a virulência que os países militaristas aplicam àqueles que se opõem a eles, bem representados pelos estadounidenses, teme-se que o terrorismo se transforme numa manifestação em muitos países dominados. Ele não nasce em si. É explosão de uma dominação e humilhação tão desvairada (violência primeira) que não veem outra alternativa senão se rebelar, alguns se fazerem homens-bombas e praticarem atos de terror (violência segunda).

A resposta dos países dominadores é revidar de forma mais violenta ainda, fazendo guerras híbridas e absolutamente assiméticas com as armas mais modernas, matando indiscriminadamente pessoas, arrasando-lhes as casas e cometendo verdadeiros genocídios, no senitido de assassinarem crianças e idosos que nada tem a ver com a guerra, destruirem templos, hospitais, escolas e centros de cultura. Não é mais uma guerra do forte contra o fraco, mas crimes de guerra e de real genocídio por parte do forte.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz (Vozes).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Bernardo Ricupero José Geraldo Couto Gilberto Maringoni Ronald Rocha Tales Ab'Sáber Dênis de Moraes Marcus Ianoni Fernando Nogueira da Costa Walnice Nogueira Galvão Salem Nasser Osvaldo Coggiola Milton Pinheiro Ricardo Fabbrini Matheus Silveira de Souza Carla Teixeira Tadeu Valadares José Machado Moita Neto Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Martins Marcelo Guimarães Lima Antonio Martins Mário Maestri Airton Paschoa Atilio A. Boron Gerson Almeida José Micaelson Lacerda Morais Denilson Cordeiro Ladislau Dowbor Boaventura de Sousa Santos Berenice Bento Mariarosaria Fabris Érico Andrade Francisco Fernandes Ladeira Chico Whitaker Alexandre de Lima Castro Tranjan Alysson Leandro Mascaro Renato Dagnino Luís Fernando Vitagliano Luiz Werneck Vianna Dennis Oliveira Luiz Renato Martins Marilia Pacheco Fiorillo Sandra Bitencourt João Carlos Salles Leonardo Boff Alexandre Aragão de Albuquerque Paulo Nogueira Batista Jr Luis Felipe Miguel Leonardo Avritzer Ricardo Musse Paulo Sérgio Pinheiro João Carlos Loebens Thomas Piketty Eduardo Borges Jorge Branco Fábio Konder Comparato Eleonora Albano Luciano Nascimento João Adolfo Hansen Manuel Domingos Neto Marjorie C. Marona Annateresa Fabris Ari Marcelo Solon João Sette Whitaker Ferreira Caio Bugiato Rodrigo de Faria Valerio Arcary Antonino Infranca João Feres Júnior Carlos Tautz Daniel Afonso da Silva Igor Felippe Santos Henri Acselrad Lorenzo Vitral Francisco de Oliveira Barros Júnior Gabriel Cohn Andrew Korybko Luiz Roberto Alves Vladimir Safatle Luiz Bernardo Pericás Jean Marc Von Der Weid Rafael R. Ioris Everaldo de Oliveira Andrade Priscila Figueiredo Bruno Fabricio Alcebino da Silva José Raimundo Trindade Michael Löwy Francisco Pereira de Farias Sergio Amadeu da Silveira Andrés del Río Daniel Costa Lincoln Secco Leonardo Sacramento Ronaldo Tadeu de Souza Paulo Capel Narvai Luiz Marques Heraldo Campos Fernão Pessoa Ramos Celso Frederico Ricardo Antunes Eugênio Trivinho Kátia Gerab Baggio Lucas Fiaschetti Estevez Flávio Aguiar Luiz Eduardo Soares Bento Prado Jr. Julian Rodrigues José Dirceu Flávio R. Kothe Eugênio Bucci Michel Goulart da Silva Celso Favaretto Ronald León Núñez Marcos Aurélio da Silva Claudio Katz Jean Pierre Chauvin Benicio Viero Schmidt Plínio de Arruda Sampaio Jr. Juarez Guimarães Paulo Fernandes Silveira João Paulo Ayub Fonseca Rubens Pinto Lyra Elias Jabbour Ricardo Abramovay Anselm Jappe José Luís Fiori Otaviano Helene Remy José Fontana Eliziário Andrade João Lanari Bo Marcos Silva Manchetômetro Jorge Luiz Souto Maior Eleutério F. S. Prado Henry Burnett Samuel Kilsztajn Chico Alencar Armando Boito José Costa Júnior André Singer Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Daniel Brazil Afrânio Catani Tarso Genro Marilena Chauí Valerio Arcary Maria Rita Kehl Slavoj Žižek Vanderlei Tenório Marcelo Módolo Liszt Vieira Bruno Machado André Márcio Neves Soares Michael Roberts Vinício Carrilho Martinez Alexandre de Freitas Barbosa Gilberto Lopes Antônio Sales Rios Neto Leda Maria Paulani Yuri Martins-Fontes

NOVAS PUBLICAÇÕES