Notas sobre as eleições no Paraguai

Imagem: Yamil Manzur
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANDRÉ KAYSEL*

Para o povo paraguaio virão mais cinco anos de políticas neoliberais, precariedade laboral, serviços públicos sucateados e, em caso de ondas de protesto, repressão

Quem me conhece sabe que tenho importantes laços afetivos, culturais e políticos com o Paraguai. Nesse sentido, a contundente vitória da Asociación Nacional Republicana (ANR), ou “Partido Colorado”, agremiação tradicional da direita paraguaia, é pessoalmente dolorida.

Com a quase totalidade dos votos apurados, Santiago Peña (ANR) obteve cerca de 43% dos votos, contra pouco mais de 27% dos votos para Efraín Alegre (PLRA/Concentración Nacional) e 21% para Paraguayo Cubas (Cruzada Nacional). A participação foi de cerca de 63%, relativamente alta para padrões do país vizinho.

Além de ganhar a presidência, os colorados ainda levaram 15 dos 17 governos departamentais e fizeram maioria no legislativo. No Senado, por exemplo, somaram 24 cadeiras, seguidos pelos liberais com 12, pela Cruzada Nacional de Paraguayo Cubas, com 5 e apenas uma cadeira para a antiga Frente Guazu, com a reeleição da senadora Esperanza Martinez, as demais ficando para forças de centro/centro-direita, como Encontro Nacional, da candidata a vice-Presidente de Alegre, Soledad Nuñez.

Para fazer uma análise fina dos resultados, precisaria de algumas informações que não possuo, como a geografia do voto. Seja como for, me parece possível adiantar algumas conclusões preliminares:

(i) Mesmo com o cerco estado-unidense ao ex-presidente Horacio Cartez, padrinho político de Santiago Peña e principal financiador dos colorados, a máquina eleitoral da Asociación Nacional Republicana provou mais uma vez sua enorme eficiência, capilaridade e penetração em todo o país e nos mais diversos setores e classes da sociedade paraguaia. Basta lembrar que, desde 1947, só deixaram de estar no poder entre 2008-2012, justamente durante o mandato de Fernando Lugo.

(ii) Ainda que se mantenha como segunda força, o tradicional Partido Liberal, sofreu uma derrota importante. Aqui, cabe destacar o desgaste de Efraín Alegre, candidato pela terceira vez, que provavelmente será eclipsado como liderança de seu partido e da oposição.

(iii) Paraguayo Cubas, que adotou o perfil da “alt-right“, mesclando-o com um resgate do velho nacionalismo conservador dos colorados, se firma por hora como terceira força. Nesse sentido, seu eleitorado popular, que representa o voto anti-sistema, terá de ser disputado no futuro por quem quer que queira derrotar a Asociación Nacional Republicana.

(iv) A esquerda paraguaia, de bases organizativas tradicionalmente frágeis e fragmentadas, pagou um alto preço por sua divisão no ano passado, quando um setor da antiga Frente Guazu não quis acompanhar a candidatura da Concertación, preferindo apoiar o ex-chanceler Euclides Azevedo, que ficou em um muito distante quarto lugar. Além disso, revela-se o quanto a esquerda dependia da liderança pessoal de Fernando Lugo, afastado da vida pública desde oano passado, quando adoeceu gravemente.

Enfim, o tecnocrata Santiago Peña, sem base de poder própria na Asociación Nacional Republicana, terá agora de provar-se à frente de uma máquina, tão grande quanto faminta por cargos e dinheiro, dividida entre diferentes correntes e lideranças setoriais. Seu padrinho Horacio Cartez respira aliviado, pois agora imagina poder escorar-se em seu herdeiro para se proteger da DEA e do FBI.

Os EUA, por seu turno, em que pese a frustração momentânea de sua ingerência contra Horacio Cartez, certamente se entenderão bem com o neoliberal e yuppie Santiago Peña, que também gerou júbilo na direita regional, como mostram as felicitações efusivas de representantes de Cambiemos na Argentina. Por fim, a embaixada de Taiwan em Assunção também deve estar em festa, pois imagina poder garantir por mais cinco anos um dos poucos bastiões diplomáticos que lhe restam no mundo.

Para o povo paraguaio virão mais cinco anos de políticas neoliberais, precariedade laboral, serviços públicos sucateados e, em caso de novas ondas de protesto (como as de março de 2021), repressão. Nada que não conheçam a décadas. Em todo caso, a derrota da Concertación Nacional não deixa de ser, infelizmente, uma dura derrota para a geração que lutou pela redemocratização do país, que segue sob a égide do partido que deu sustentação a Alfredo Stroessner.

André Kaysel é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Publicado originalmente no Facebook do autor.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES