Nuvens flutuantes

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Por AFRÂNIO CATANI*

Considerações sobre o filme de Mikio Naruse

1.

O filme Nuages Flottants (Nuvens Flutuantes) foi exibido em versão restaurada na seleção oficial 2025 do Festival de Cannes (Cannes Clássicos) e, após de 32 anos, relançado comercialmente na França

Nuvens Flutuantes (Nuages Flottants) é um dos melodramas mais celebrados na história do cinema mundial, produzido no Japão em 1955 pela Toho, foi dirigido por Mikio Naruse (1905-1969). Por ocasião dos 70 anos desse clássico, produto da idade de ouro dos estúdios japoneses, a obra foi restaurada e, após ser apresentada no Festival de Cannes 2025 (Cannes Clássicos), entrou no circuito exibidor independente francês, que se ocupa de filmes célebres, geralmente reprises consagradas.

Exibido no tradicional cine Le Champo (51, rue des Écoles, 75.005 – Paris), aberto ao público em 22 de junho de 1938, Nuvens Flutuantes tem ao menos 4 sessões diárias bastante concorridas desde 15 de outubro último. Além disso, está à disposição do público uma pequena publicação impressa na Bulgária, de autoria de Pascal-Alex Vincent (1967), que faz comentários sobre o filme, contextualizando-o no cinema japonês de seu tempo.

Pascal-Alex Vincent entende do riscado: professor de história do cinema japonês na Universidade Sorbonne Nouvelle, é também realizador de vários documentários, publicou Yasujiro Ozu – une affaire de famille (Éditions La Martinière, 2023), além de ter reeditado em 2025 seu Dictionnaire du cinéma japonais (Carlotta Films), em versão ampliada.

As linhas seguintes se constituem em considerações acerca de Nuvens Flutuantes, do realizador, do romance adaptado para as telas, além de procurar inserir o filme, ainda que brevemente, na história do cinema japonês, fortemente arrimado no excelente trabalho de Pascal-Alex Vincent.

2.

O autor tem como epígrafe de seu livro uma declaração do realizador Yasujiro Ozu (1903-1963) logo após ele ter assistido a Nuvens Flutuantes. Diz o grande cineasta: “Desde que vi esse filme, dei uma pausa no meu trabalho este ano. Disse a mim mesmo que precisava me esforçar mais. Eu não era bom o suficiente”.

Nuvens Flutuantes é a mais renomada película dirigida por Mikio Naruse, rodada quando o realizador ia completar 50 anos e já havia feito outros 66 filmes – ele dirigiu 89 produções no período 1930-1967, sendo mais de duas dezenas na primeira metade da década de 1930, ainda durante o cinema mudo japonês (p. 6).

Filmada em 1954 nos estúdios da Toho, Nuvens Flutuantes é a adaptação do romance com o mesmo título de Fumiko Hayashi (1903-1951), sendo considerado como “o clássico” do melodrama e classificado em terceiro lugar do Top 100 dos melhores filmes japoneses de todos os tempos pela revista Kinema Junpo, após Viagem à Tóquio (1953, Yasujiro Ozu) e Os Sete Samurais (1954, Akira Kurosawa) (p. 6).

Nuvens Flutuantes vai marcar o reencontro entre Mikio Naruse, a atriz Hideko Takamine (1924-2010) e o ator Massayuki Mori (1911-1973), grandes vedetes com as quais o cineasta já havia trabalhado. A estreia no Japão deu-se em janeiro de 1955, enquanto na França sua exibição comercial vai ocorrer quase trinta anos depois (janeiro de 1984). O filme ficou inédito nas salas cinematográficas por aqui durante 32 anos, após uma reedição em 1993. Em 1999 foi visto na TV (France 2). A versão agora restaurada marca os 70 anos da obra e os 120 anos do nascimento de Mikio Naruse (p. 6).

A sinopse de Nuvens Flutuantes é relativamente simples. Em 1946 o Vietnã é liberado da ocupação militar japonesa e os barcos trazem de volta ao Japão os cidadãos do país. Quando do retorno, eles vão descobrir o verdadeiro desastre que foi a Segunda Guerra Mundial para a nação, com as cidades completamente destruídas. “A jovem Yukiko (Hideko Takamine) desembarca em Tóquio após uma longa permanência em Dalat, onde trabalhou como secretária no Ministério da Agricultura e das Florestas. lá ela viveu uma paixão amorosa com Kengo Tomioka (Masayuki Mori), um engenheiro mais velho que foi repatriado ao Japão antes dela” (p. 8).

O filme mostra Tóquio ocupada pelos estadunidenses e Yukiko, ao chegar, vai à procura de Kengo, que lhe prometera casamento quando a guerra terminasse. Ela, ainda apaixonada, o encontra, mas o quadragenário Hengo está casado. Após manterem relações sexuais num hotel próximo, ele a abandona.

Sem recursos para sobreviver, Yukiko é constrangida a roubar roupas e a se prostituir com um militar dos Estados Unidos, ocupante. Um dia recebe a visita de Kengo, que constata que ela vive num pardieiro e acaba lhe dando algum dinheiro e lhe propõe passarem alguns dias numa estância termal no Monte haruna, local onde os amantes convivem com um casal, Seikichi (Daisuki kato) e Osei (Mariko Okada), cujo relacionamento vai mal. Kengo, grande sedutor, tem uma aventura com a jovem Osei (p. 8).

Ao retornar à Tóquio, Yukiko descobre que está grávida e contata Kengo que, ainda casado, continua a se relacionar com Osei. Yukiko aborta e, sem recursos, vai viver com seu ex-cunhado, um espertalhão que se encontra à frente de uma seita, arrancando muito dinheiro dos incautos que a frequentam. Após um tempo, ela rouba grande soma do charlatão e convida Kengo para passar alguns dias em um hotel turístico. Ele aceita, mas tenta se desvencilhar da jovem, mas não consegue: “Yukiko o convence a deixar-se acompanhar por ela a Yakushima, uma ilha com muita vegetação onde Kengo acabara de conseguir emprego. Essa será sua última viagem” (p. 8-9).

3.

Mikio Naruse nasceu em Tóquio em 1905, sendo contemporâneo de Yasujiro Ozu (1903), Hiroshi Shimizu (1903) e Hiroshi Inagaki (1905). “Órfão de pai em 1920, nesse mesmo ano ingressou na [produtora] Shochiku como ascensorista. Tinha apenas quinze anos” (p. 13). Logo começou a trabalhar com o pioneiro Yoshinobu Ikeda (1892-1973), um dos primeiros realizadores de longa-metragem no Japão e, depois, tornou-se assistente de Heinosuke Gosho (1902-1981), aprendendo logo o seu ofício (p. 13).

No início de 1930, Mikio Naruse dirigiu seu primeiro filme, Un couple de chanbara, comédia burlesca, como a Shochiku produzia em série (p. 13). A película, considerada desaparecida, é realizada ao mesmo tempo que Introdução ao Casamento, de Ozu, que trabalhava na mesma companhia. Pascal-Alex Vincent ressalta que na lógica industrial então vigente nos estúdios japoneses, os filmes ficavam prontos em 5 dias, das filmagens à montagem. Assim, no ano de 1930, Mikio Naruse dirigiu 5 filmes, enquanto Ozu, mais experiente, rodou 7 (p. 13).

Mikio Naruse escrevia rápido, trabalhava com eficiência e, ao contrário de outros cineastas do estúdio, elaborava os roteiros de seus filmes. Nas películas iniciais, ele escrevia, “em comédias ou em dramas, a vida das classes modestas – às vezes opondo-as às classes mais favorecidas, como no melodrama A força do amor (1930)” (p. 13-14). Na época, Naruse trabalhava com as mesmas equipes técnicas ou artísticas que filmavam com Ozu (p. 14).

Em 1933 a Shochiku o autoriza a dirigir a star Kinuyo Tanaka (1909-1977) no filme Deux Prunelles. Em seguida, na primavera de 1934, o diretor dos estúdios decide afastá-lo do trabalho por um ano, argumentando que a empresa “não necessitava de um segundo Ozu” (p. 14). Ele aproveita a situação e vai para a Photo Chemical Laboratories (P.C.L.), antigo laboratório transformado em estúdio cinematográfico em 1934, onde filma seu primeiro talkie, Três irmãs de coração puro, no fim do inverno de 1935.

Nesse mesmo ano fez Minha esposa, seja como uma rosa!, fita considerada de grande qualidade na ocasião, Mikio Naruse aproveita para consolidar sua colaboração com o fotógrafo Hiroshi Suzuki, com quem irá trabalhar quase vinte anos. Tristezas das mulheres (1937), por sua vez, será uma nova etapa para Naruse, que filma com outra grande estrela – e, depois produtora –, Takako Irie (1911-1995). “O filme, que aborda a infelicidade de um casamento arranjado, anuncia a dimensão feminista de sua obra futura” (p. 14).

Em setembro de 1937 a P.C.L. se funde a duas outras sociedades (Toho e JO Studies) para se tornar a Toho. Avalanche (1937), drama conjugal, marca o início da longa história entre Mikio Naruse e esse estúdio, assim como marca a de Akira Kurosawa, futuro cineasta vedete da companhia, que é assistente neste projeto (p. 15). Naruse rodou seu segundo filme nesse mesmo ano, As Vicissitudes da vida, um grande sucesso de público, selando definitivamente o vínculo entre o cineasta e a jovem Toho (p. 15).

Em 1938 surgiu Tsuruhachi et Tsurujiro, com as vedetes Isumu Yamada (1917-2012) e Kazuo Hasegawa (1908-1984), grandes estrelas japonesas da década de 1930, abordando as turbulências amorosas vivenciadas por um casal de músicos. Toda a família trabalha (1939) “descreve os tormentos de uma família numerosa que procura vencer a pobreza, sendo considerado como seu primeiro grande filme” (p. 15).

O Japão está em guerra com a China há dois anos e a carreira de Mikio Naruse segue em nova direção. A exemplo da maioria dos diretores, ele também fez filmes destinados a encorajar o esforço nacional de guerra e a louvação à bandeira, realizando em 1941 Um rosto inesquecível e A Lua de Shanghai. Faz, em seguida, fitas sobre as artes tradicionais japonesas (Kenji Mizoguchi faz o mesmo com Contos de crisântemos tardios, 1939) e comédias, longas-metragens considerados inofensivos pelo governo militar (p. 15-16).

Em 1941 Mikio Naruse dirigiu pela primeir vez Hideko Takamine, que se tornará a atriz de sua vida, em Hideko, condutora de ônibus: “o filme explora as travessuras da jovem atriz, aqui adolescente, que se improvisa guia turística para salvar uma companhia de ônibus da falência “ (p. 16).

O pós-guerra japonês é caótico para a Toho e para Mikio Naruse, sendo todos obrigados a dobrar-se aos ditames dos ocupantes estadunidenses. Os realizadores japoneses passam a seguir os modelos hollywoodianos em suas produções,destacando-se Os descendentes de Tarô Urashima (1946(, variação das películas de Frank Capra (1897-1991). Ocorrem greves nos estúdios, cria-se uma nova empresa de vida efêmera, a Shinto Hô, e Naruse dirige Kinuyo Tanaka em dois filmes importantes, A Pintura de Ginza (1951) e A mãe (1952). “Este último é exibido na França em 1954, permitindo ao público cinéfilo assistir pela primeira vez imagens do Japão da reconstrução em um filme de ficção” (p. 17).

4.

Pascal-Alex Vincent afirmou que sem os escritos de Fumiko Hayashi a filmografia de Mikio Naruse não alcançaria a mesma retumbância. Nuvens Flutuantes (1949-1950) e  vários outros romances importantes de sua autoria contribuíram de maneira significativa para a ocorrência da chamada idade de ouro do cineasta na Toho (p. 21). Filha de um marchand que trabalhou em vários países, Fumiko Hayashi passou grande parte de sua vida viajando e se aventurando. Vagabonde, que saiu sob a forma de folhetim em um jornal, é a sua autobiografia romanceada, transformada em livro em 1930.

O grande sucesso lhe permitiu viajar para o exterior, instalando-se em Paris (onde vive modestamente) e em Londres. Retornou ao Japão em 1932 e suas amizades comunistas lhe causaram aborrecimentos. Ela tornou-se a autora mais lida no país na década de 1930, além de constituir-se em figura de proa da emancipação feminina (p. 21).

Vagabonde é adaptado pela primeira vez ao cinema em 1935 por Satoshi Kimura (1903-1988) na P.C.L. Mas Fumiko Hayashi não tem parada, partindo para o front chinês como correspondente de guerra, atividade que exercerá por toda a Ásia até 1945 (p. 21). Continuou a escrever para vários jornais e publicou em 1948 o romance Derniers chrysanthèmes (Últimos crisântemos) e, em 1951, Nuvens Flutuantes. Nesse mesmo 1951 Le Repas (A refeição) começou a sair em episódios no diário Asahi Shimbun, mas ela morreu em junho, de uma crise cardíaca, deixando-o inacabado (p. 21-22).

Fumiko Hayashi e Mikio Naruse nunca se encontraram. Entretanto, 6 de seus romances foram adaptados para o cinema e dirigidos pelo cineasta, sendo consideradas suas melhores películas: A refeição (1951), O relâmpago (1952), Esposa (1953), Últimos crisântemos (1954), Nuvens Flutuantes (1955) e Crônicas de minha vagabundagem (1962).

O historiador do cinema japonês que venho citando considera que Fumiko Hayashi é “a grande romancista das mulheres traídas e abandonadas”. E o mais interessante e raro é que na fase áurea dos melodramas, Mikio Naruse dirigiu filmes com roteiros redigidos por mulheres, que eram pouco numerosas na cinematografia do país. Sumie Tanaka elaborou o roteiro de A refeição – ela que debutara em 1950 e se tornará autora de Maternidade eterna (1955) e A noite das mulheres (1961), dirigidos por Kinuyo Tanaka, e Rio noturno (1956), por Kozaburo Yoshimura. Sua colaboração com Mikio Naruse vai se dar em Últimos crisântemos (1954) e Correnteza (1956) (p. 23).

O roteiro de Nuvens Flutuantes foi escrito por Yoko Mizuki (1910-2993), militante do partido comunista e que colaborou longamente com o cineasta Tadashi Imai (1912-1991). O trabalho da dupla Mizuki-Naruse rendeu grandes filmes: A mãe (1954), Uma mulher indomável (1957), Irmão e irmã (1953) e O rugido da montanha (1954) (p. 23).

Hideko Takamine fez 17 filmes com Mikio Naruse, mas ela trabalhou também com Keisuke Kinoshita (1912-1998), que fez dela sua atriz fetiche, dirigindo-a 12 vezes, quase todas as vezes na Shochiku (p. 24). Mas será na Toho, com Naruse, que Hideko vai ganhar muito prestígio e será considerada a grande intérprete dos melodramas (p. 24-25).

5.

Em 1954, quando das filmagens de Nuvens Flutuantes, a Toho encontrava-se em ebulição, vivenciando muitos recordes. A Toho sonhava ser a Paramount japonesa e fazia investimentos para atingir esse objetivo. Em abril daquele ano lançou Os Sete Samurais (Akira Kurosawa); em setembro, A Lenda de Musashi (Hiroshi Imagashi) e Godzilla (Ishiro Honda) em novembro: sucessos nacionais e internacionais (p. 29).

A Toho conseguiu montar uma excelente equipe para realizar Nuvens Flutuantes, escalando Kihachi Okamoto (1924-2005), futuro cineasta e autor de vasta filmografia, para seo o assistente de Mikio Naruse (p. 24). satoru Chuko, famoso pelo décors de Godzilla, se encarregou de reconstituir Tóquio do pós-guerra. Chuko trabalhou com o diretor até Nuvens dispersas (1967), última película do cineasta (p. 29-30). A luz brumosa de Nuvens Flutuantes foi confiada a Masao Tamai, igualmente responsável pela fotografia noturna de Godzilla (p. 30).

Hideko Takamine não queria fazer o filme, mas a Toho insistiu e a atriz acabou aceitando, após ler minuciosamente o roteiro, pois já conhecia o romance. Além disso, ela se encontrava quase esgotada, vindo do trabalho em quatro longas-metragens em poucos meses – dois filmes com Keisuke Kinoshita, um com Hiroshi Shimizu e outro com Masaki Kobayashi (p. 30).

Masayuki Mori foi escolhido para interpretar Kengo Tomioka. A revista Kinema Junpo, em 1995, por ocasião do centenário do cinema, considerou Mori “o maior ator japonês de todos os tempos”. Ele possui uma filmografia impressionante: “samurai maltratado em Rashomon (1950, Akira Kurosawa), jovem inocente dostoievskiano em O idiota 1951, A. Kurosawa), oleiro ambicioso em Contos da lua vaga depois da chuva (1953, Kenji Mizoguchi), velho soldado amoroso em Carta de amor (1953, Kinuyo Tanaka) oi professor taciturno em Kokoro, o pobre coração dos homens (1955, Kon Ichikawa). Originário do teatro, Masayuki Mori filmou 8 vezes com Mikio Naruse entre 1949 e 1961 (p. 31).

Os demais atores e atrizes foram também cuidadosamente escolhidos, em especial Daisuke Kato, no papel de Seikichi e Mariko Okada, sua jovem esposa, que acabara de terminar A Lenda de Musashi (p. 31).

Resta destacar a montagem de Eiji Ooi, que dedicou quase toda a sua carreira montando os filmes de Naruse. Pascal-Alex Vincent entende que, ao contrário de Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu, que possuem um estilo rapidamente identificável, a mise en scène de Naruse é “muito discreta”, quase não se percebe; “com Naruse e Ooi a mise en scène deve ficar invisível” (p. 31).

A música de Ichiro Saito, também compositor da memorável banda original de Contos da lua vaga depois da chuva, traduziu de forma maravilhosa as turbulências da obsessão amorosa dos amantes. Amantes que não deixam de fazer e desfazer sua união; Yukiko e Kengo mantém essa relação tormentosa e sofrida, mas nunca chegam a se separar. A esse respeito a roteirista  Yoko Mizuki comentou: “Naturalmente é porque eles têm uma boa compatibilidade psíquica” (p. 32). O historiador assim sintetiza: “partir, voltar e navegar num oceano de tristeza” (p. 33).

O livro de Vincent conclui-se com um pequeno capítulo intitulado “Mikio Naruse, o quarto grande”, onde se destaca que hoje Mikio Naruse é considerado, ao lado de Kenji Mizoguchi, Yasujiro Ozu e Akira Kurosawa, “o quarto grande realizador da história do cinema japonês” (p. 36).

A partir de O relâmpago (1951), Mikio Naruse “exploraria continuamente o tema do casal condenado a um relacionamento marcado pela decepção. Nuvens flutuantes é o seu filme mais emblemático, tendo recebido no Japão o Kinema Junpo Award de melhor filme e o de melhor realizador, além do Kinema Junpo Award de melhores interpretações para Hideko Takamine e Masayuki Mori. Foi também distinguido nas mesmas categorias pelo prestigioso Prix Mainichi” (p. 33).

Mikio Naruse, após Nuvens flutuantes realizará, entre outros, Deixando-se levar pela corrente (1956), Quando uma mulher sobe as escadas (1960), Uma mulher na tormenta (1964) e Nuvens dispersas (1967), sempre retratando mulheres traídas pela existência. Grande pintor de afetos e de sentimentos, Naruse fez 89 filmes, dirigindo todas as grandes atrizes da idade de ouro do cinema japonês, “atrizes que contribuíram para personificar o ‘pessimismo poético’ de sua obra” (p. 36)

Mikio Naruse era um homem de pouco falar. Entretanto, quando falava, cortava como uma afiada espada de samurai. Em uma de suas entrevistas assim resumiu o cerne de parte mais significativa de sua filmografia: “A vida e as promessas quebradas” ou, dependendo de como se traduz, “A vida não cumpre suas promessas” – o que dá no mesmo.

*Afrânio Catani é professor titular sênior na Faculdade de Educação da USP e autor, entre outros livros, de A Sombra da Outra: a Cinematográfica Maristela e o cinema industrial paulista nos anos 50 (Panorama).

Referência


Nuages flottants (ukigumo)
Japão. 1955. Preto e branco, minutos.
Direção: Mikio Naruse
Roteiro: Yoko Mizuki
Adaptado do romance de Fumiko Hayashi com o mesmo título
Fotografia: Masao Tamai
Cenário: Satoru Chuko
Montagem: Eiji Ooi
Sonografia: Hisashi Shimonaga
Música: Ichiro Saito
Elenco: Hideko Takamine, Masayuki Mori, Mariko Okada, Daisuke Kato, Isao Yamagata, Nobuo Kaneko.

Bibliografia


Pascal-Alex Vincent. Nuages Flottants: À propos du film de Mikio Naruse. Paris: Carlotta Films (Avec Toho/Festival de Cannes), 2025, 42 págs.

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