O Estado de bem-estar na Dinamarca

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Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR*

O modelo dinamarquês de proteção laboral configura-se como um paradigma de eficácia normativa e social, cuja estrutura combina flexibilidade econômica com garantias robustas aos trabalhadores

O cenário pós-Segunda Guerra Mundial configurou um divisor de águas na estruturação de direitos laborais, com Estados nacionais implementando arcabouços legais para mitigar desigualdades exacerbadas pelo conflito. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), instituída em 1919, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) consolidaram-se como eixos normativos internacionais, assegurando preceitos como trabalho digno, liberdade associativa e remuneração adequada (Hepple, 2014).

Tais documentos, embora antecedentes ao período, ganharam relevância renovada ao orientar reformas trabalhistas em contextos nacionais heterogêneos, conforme apontam análises sobre a relação entre direitos sociais e reconstrução econômica.

No contexto europeu, a reestruturação pós-guerra articulou-se com a promulgação de códigos trabalhistas abrangentes, incluindo jornada regulamentada, pisos salariais e estabilidade empregatícia. Crouch (2015) ressalta que a atuação sindical, embora central nesse processo, variou conforme os modelos de governança: na Alemanha, predominou a cogestão empresarial; na França, a intervenção estatal direta; e no Reino Unido, mecanismos de barganha coletiva descentralizados. Essas divergências evidenciam a influência de tradições políticas locais na conformação de direitos, mesmo sob pressões globais convergentes.

Nos Estados Unidos, embora o New Deal (década de 1930) tenha estabelecido bases como a negociação coletiva, o pós-1945 revelou contradições entre a expansão formal de direitos e a persistência de marginalizações étnicas e de gênero. Hepple (2014) argumenta que a legislação trabalhista estadunidense, apesar de progressista em âmbito normativo, enfrentou limites estruturais para universalizar proteções, refletindo tensões entre igualdade jurídica e desigualdade material.

Em perspectiva comparada, o período evidenciou avanços na institucionalização de direitos, porém com assimetrias profundas. Como sugerem Hepple (2014) e Crouch (2015), a eficácia das normas internacionais dependeu de fatores como a densidade dos movimentos sociais, o grau de institucionalização democrática e a capacidade de os Estados mediarem conflitos capital-trabalho. Assim, países como Alemanha e França lograram maior harmonização entre normas globais e práticas locais, enquanto outras nações enfrentaram lacunas entre teoria e aplicação.

Na Dinamarca

O modelo dinamarquês de proteção laboral configura-se como um paradigma de eficácia normativa e social, cuja estrutura combina flexibilidade econômica com garantias robustas aos trabalhadores. Sua consolidação não deriva de contingências históricas isoladas, mas de um processo dialético entre atores sindicais, movimentos sociais e instituições estatais. Como destaca Jørgensen (2009), a singularidade do caso dinamarquês reside na simbiose entre sindicatos centralizados e um Estado regulador, que permitiram a estabilização de direitos como jornada remunerada, licenças parentais e pisos salariais equitativos, consolidados via negociação coletiva tripartite.

A atuação sindical, organizada em centrais como a LO (Landsorganisationen i Danmark), historicamente articulou demandas laborais com estratégias de coesão social, mitigando conflitos capital-trabalho através de pactos institucionalizados (Jørgensen, 2009). Paralelamente, movimentos sociais intersetoriais, como o feminista, ambientalista e LGBT+, influenciaram a legislação trabalhista, pressionando por normas antidiscriminatórias e por ambientes laborais inclusivos. Madsen (1999) argumenta que a transversalidade desses movimentos redefiniu o conceito de “proteção” no trabalho, expandindo-o para além da esfera econômica e incorporando dimensões identitárias e ecológicas.

Contudo, a eficácia do modelo não implica estagnação. Dinâmicas como a precarização globalizada e a digitalização exigem adaptações contínuas, como a regulamentação de plataformas digitais e a garantia de seguridade para trabalhadores atípicos. Conforme Madsen (1999) e Jørgensen (2009) ressaltam, a sustentabilidade do sistema depende da capacidade de os sindicatos assimilarem novas pautas sem abrir mão de conquistas históricas, equilibrando inovação institucional e preservação de direitos.

Em síntese, o modelo dinamarquês destaca-se não apenas por seus resultados tangíveis, como altos índices de segurança laboral, mas por sua capacidade de integrar atores heterogêneos em um projeto comum. Essa característica, porém, não o isenta de críticas: analistas apontam riscos de elitismo sindical e lentidão adaptativa, desafios que demandam revisões constantes para manter sua relevância em um cenário global mutável.

Esse modelo não surgiu por acaso. Ele é fruto de uma longa história de lutas e conquistas da classe trabalhadora dinamarquesa, que sempre conto com o apoio de sindicatos fortes e atuantes. Os sindicatos dinamarqueses, organizados em torno de centrais sindicais poderosas, sempre tiveram um papel fundamental na defesa dos direitos dos trabalhadores, negociando acordos coletivos que estabelecem salários justos, jornadas de trabalho remuneradas, férias remuneradas, licença-maternidade e paternidade, entre outros benefícios.

Além da ação sindical, os movimentos sociais de diversas naturezas também tiveram um papel importante na construção do modelo de proteção do trabalho dinamarquês. O movimento feminista, por exemplo, cedeu a leis que garantissem a igualdade de gênero no mercado de trabalho, combatendo a discriminação salarial e outras formas de desigualdade. O movimento ambientalista, por sua vez, tem pressionado por medidas que garantam um meio ambiente de trabalho saudável e seguro para os trabalhadores. E o movimento LGBTQI+ tem lutado por direitos que protegem os trabalhadores da discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.

É importante ressaltar que o modelo de proteção do trabalho dinamarquês está em constante aprimoramento. A sociedade dinamarquesa está sempre atenta aos desafios do mercado de trabalho em constante mudança, buscando soluções inovadoras para garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e ampliados. A ação sindical e os movimentos sociais continuam sendo importantes para garantir que o modelo dinamarquês continue a ser um exemplo para o mundo. continuam sendo importantes para garantir que o modelo dinamarquês continue a ser um exemplo para o mundo.

O modelo dinamarquês de regulação laboral caracteriza-se pela ausência de legislações específicas de grande impacto simbólico, em contraste com a robustez de um sistema baseado em acordos coletivos negociados entre sindicatos e entidades patronais. Conforme Madsen (2008), essa estrutura emergiu de um processo histórico de institucionalização tripartite, no qual a participação contínua de atores sociais garantiu a efetividade de normas flexíveis, porém vinculantes. Tais acordos, dotados de força legal, regulam desde jornadas de trabalho e licenças remuneradas até parâmetros de segurança ocupacional, consolidando um equilíbrio entre autonomia coletiva e intervenção estatal indireta.

A igualdade de gênero no mercado de trabalho, embora não regulamentada por leis específicas de mobilização massiva, resulta de pressões sistêmicas exercidas por movimentos feministas e mecanismos de fiscalização social. Madsen (2008) destaca que a ausência de marcos legais monumentais não implica fragilidade normativa, mas reflete uma cultura política que privilegia a negociação contínua sobre a liturgia legislativa. Essa dinâmica estende-se à segurança laboral, cujos padrões rigorosos derivam menos de decretos impositivos e mais da capacidade dos sindicatos em incorporar demandas técnicas às negociações setoriais.

O Estado de bem-estar dinamarquês, frequentemente idealizado como paradigma, fundamenta-se nessa simbiose entre flexibilidade institucional e garantias sociais. Contudo, sua estabilidade depende da manutenção de altos níveis de sindicalização (aproximadamente 67% da força de trabalho) e de um consenso político em torno da proteção social como eixo de coesão nacional (Madsen, 2008). Críticos apontam, porém, que esse modelo enfrenta riscos crescentes diante da globalização produtiva e da ascensão de formas atípicas de emprego, que desafiam a capacidade de adaptação dos mecanismos tradicionais de governança laboral.

O modelo dinamarquês de “flexigurança”, frequentemente idealizado como paradigma de equilíbrio entre proteção social e adaptabilidade econômica, enfrenta contradições inerentes à persistência de formas atípicas de emprego. Conforme Madsen (2008), a coexistência de trabalho precário e temporário em setores específicos – como serviços de baixa qualificação e contratos sazonais – revela fissuras em um sistema historicamente ancorado em direitos universais. Tais modalidades, embora marginalizadas estatisticamente, desafiam a narrativa de homogeneidade laboral, expondo tensões entre a regulação tripartite e pressões globais por desregulamentação (Juul; Jørgensen, 2014).

O trabalho precário, definido por remuneração inferior à média, instabilidade contratual e ausência de benefícios sociais, concentra-se em nichos como hospitalidade e agricultura sazonal. Apesar da existência de salário mínimo setorial e acordos coletivos, sua persistência deriva de fatores estruturais, incluindo a terceirização de atividades não essenciais e a demanda por mão de obra flexível em setores cíclicos (Madsen, 2008).

Já o trabalho temporário, regulamentado pela Lei sobre Emprego por Prazo Determinado (2005), garante direitos básicos, como férias remuneradas, mas perpetua inseguranças ligadas à desconexão de redes de proteção de longo prazo, conforme críticas apontadas por Juul e Jørgensen (2014).

A dualidade desse cenário, baixa desigualdade social versus precariedade setorial, reflete um processo dialético entre inovações institucionais e externalidades do capitalismo globalizado. Enquanto sindicatos, como a Central Sindical Dinamarquesa (LO), pressionam pela extensão de acordos coletivos a setores precarizados, analistas alertam para riscos de erosão do modelo ante a ascensão de plataformas digitais e a pressão por competitividade internacional (Juul; Jørgensen, 2014). Nesse contexto, a “flexigurança” dinamarquesa oscila entre sua vocação universalista e a necessidade de acomodar realidades laborais fragmentadas.

Rede de proteção social

A rede de proteção social dinamarquesa, consolidada ao longo do século XX, constitui-se como um modelo híbrido de intervenção estatal e negociação coletiva, cuja eficácia deriva da simbiose entre sindicatos robustos, políticas públicas redistributivas e um consenso político em torno da universalidade de direitos. Conforme Esping-Andersen (2016), a Dinamarca exemplifica o welfare state social-democrático, caracterizado pela articulação entre mercados de trabalho regulados, altos níveis de desmercantilização e garantias de equidade via tributação progressiva. Nesse modelo, os sindicatos não apenas negociam salários e condições laborais, mas atuam como atores estratégicos na extensão de proteções a trabalhadores precarizados, pressionando por cláusulas inclusivas em acordos setoriais.

O Estado, por sua vez, complementa essa dinâmica com programas como o Flexicurity, que combina flexibilidade contratual com seguridade via seguro-desemprego generoso e políticas ativas de requalificação (Esping-Andersen, 2016). Essa abordagem mitigou parcialmente a expansão de formas atípicas de emprego, ainda que setores como serviços domésticos e logística apresentem taxas crescentes de contratos temporários. Organizações da sociedade civil, por sua vez, operam como redes de segurança terciárias, oferecendo suporte jurídico a grupos marginalizados – imigrantes, jovens e trabalhadores de plataformas digitais –, cujas demandas nem sempre são absorvidas pelos mecanismos tradicionais de negociação.

A historicidade desse sistema revela uma trajetória não linear. Se nas décadas de 1960-1970 a expansão do welfare state coincidiu com a universalização de direitos, os anos 1990 trouxeram pressões para a adaptação às lógicas neoliberais, como a flexibilização de contratos e a terceirização de serviços públicos. Contudo, a resistência sindical e a manutenção de altas taxas de sindicalização (acima de 65%) preservaram o núcleo do modelo, evitando a erosão observada em outros contextos europeus.

Defender a precarização laboral, nesse cenário, representaria uma ruptura com o princípio de solidariedade orgânica que sustenta o pacto social dinamarquês. Como ressalta Esping-Andersen (2016), a resiliência do sistema depende da capacidade de equilibrar inovação institucional e preservação de direitos, desafio que se intensifica diante da automação e da globalização produtiva.

Esping-Andersen (2016), comenta que a transição de uma economia agrário-industrial do século XIX – caracterizada por jornadas extenuantes, ausência de limites laborais e precariedade generalizada – para um sistema de proteção robusto reflete a capacidade de articulação entre sindicatos, Estado e empregadores. Esse modelo, ancorado no “Acordo de Setembro” de 1899, institucionalizou a negociação coletiva como mecanismo central de regulação, substituindo conflitos classistas por pactos que equilibraram flexibilidade econômica e direitos sociais.

No período pré-welfare state, as condições laborais dinamarquesas alinhavam-se às realidades europeias do capitalismo industrial emergente: jornadas de 14 a 16 horas, ausência de proteção contra acidentes e exploração de mão de obra infantil. A organização sindical, inicialmente fragmentada, ganhou força a partir da década de 1870, pressionando por leis como a Arbejdsloven (Lei do Trabalho) de 1873, que limitou o trabalho infantil, e a criação dos primeiros fundos de seguro mútuo (Esping-Andersen, 2016). Contudo, foi o “Acordo de Setembro” que estabeleceu as bases do modelo atual, reconhecendo sindicatos e associações patronais como interlocutores legítimos e transferindo disputas para arenas de mediação institucional.

O welfare state dinamarquês, em sua fase madura (pós-1945), expandiu-se mediante políticas de desmercantilização, como seguro-desemprego universal (introduzido em 1907 e ampliado em 1967) e licenças parentais remuneradas (1970). Esping-Andersen (2016) ressalta que a eficácia dessas medidas dependeu da alta densidade sindical (acima de 70% até os anos 1980), que garantiu legitimidade às negociações e evitou a marginalização de grupos vulneráveis. Ainda assim, o sistema enfrenta desafios contemporâneos, como a pressão por flexibilização diante da globalização e o crescimento de empregos atípicos em plataformas digitais – fenômenos que testam a resiliência do modelo histórico.

A industrialização

A industrialização dinamarquesa no final do século XIX, inserida no contexto europeu de ascensão capitalista, foi marcada por contradições entre modernização produtiva e degradação das condições laborais. Conforme Christiansen (2006), a migração em massa de trabalhadores rurais para centros urbanos como Copenhague e Aarhus gerou superlotação em bairros operários, exacerbando a exploração em fábricas têxteis, metalúrgicas e de alimentos. Jornadas que ultrapassavam 14 horas diárias, ausência de equipamentos de segurança e salários abaixo do nível de subsistência caracterizavam um cenário de precariedade estrutural, catalisando a formação de sindicatos como a Faglig Fællesorganisation (FF), fundada em 1871, que articulou demandas por redução de horas e regulamentação sanitária.

A greve geral de 1899, frequentemente idealizada como marco de consenso social, foi precedida por décadas de conflitos fragmentados. Entre abril e setembro daquele ano, mais de 40.000 trabalhadores de setores estratégicos – como docas portuárias, ferrovias e indústrias químicas – paralisaram atividades, exigindo reconhecimento legal dos sindicatos e estabelecimento de tribunais arbitrais. Christiansen (2006) argumenta que a greve, embora reprimida inicialmente pela polícia, forçou empregadores a negociarem, resultando no “Acordo de Setembro”.

Este pacto, assinado entre a Confederação Dinamarquesa de Sindicatos (LO) e a Confederação de Empregadores (DA), institucionalizou um modelo de negociação coletiva tripartite, substituindo greves por mediação regulamentada e estabelecendo parâmetros mínimos como jornada de 10 horas (reduzida para 8 horas em 1919) e proibição de demissões sem justa causa.

A eficácia do acordo dependeu de fatores estruturais: a sindicalização atingiu 70% dos trabalhadores urbanos até 1910, e o Estado passou a intervir como garantidor de direitos via leis como a nova Arbejdsret (Lei do Trabalho) de 1910, que regulamentou férias remuneradas. Contudo, como ressalta Christiansen (2006), o modelo excluía inicialmente categorias como trabalhadores rurais e domésticos, revelando limitações na universalização de direitos. Apenas na década de 1930, com a expansão do welfare state, licenças-maternidade e seguro-desemprego foram estendidos a grupos marginalizados.

Na contemporaneidade, o legado do “Acordo de Setembro” é tensionado por desafios associados à imigração laboral. Trabalhadores estrangeiros, principalmente de países do Leste Europeu e Oriente Médio, enfrentam barreiras sistêmica, onde 32% têm qualificações não reconhecidas (deskilling), segundo dados do Ministério do Emprego dinamarquês (Dinamarca, 2022), e 40% reportam discriminação em processos seletivos. A barreira linguística, agravada pela exigência de certificação Dansk Prøve 3 para empregos qualificados, confina muitos imigrantes a setores como limpeza, construção civil e logística, onde contratos temporários e jornadas irregulares persistem. Paradoxalmente, esse cenário coexiste com a retórica oficial de igualdade, expondo fissuras entre o universalismo normativo e práticas excludentes (Christiansen, 2006).

A inserção laboral de imigrantes em contextos transnacionais configura-se como um desafio multifatorial, no qual barreiras estruturais e sistêmicas interagem para perpetuar desigualdades. Conforme Betts (2016), a discriminação emerge como um eixo central nesse processo, manifestando-se tanto em práticas explícitas (recusa contratual baseada em origem étnica) quanto em mecanismos implícitos, como estereótipos culturais que associam imigrantes a baixa produtividade.

Estudos empíricos demonstram que, em economias desenvolvidas, candidatos com nomes estrangeiros têm 30% menos chances de serem convocados para entrevistas, mesmo com qualificações idênticas a concorrentes nativos. Na Dinamarca, por exemplo, 42% dos imigrantes não ocidentais reportam experiências de xenofobia no ambiente de trabalho, segundo o Instituto Dinamarquês de Direitos Humanos (2022).

A lacuna de conhecimento sobre o mercado laboral local agrava essas disparidades. Imigrantes frequentemente desconhecem nuances legais, como cláusulas de flexibilidade temporal na Lei do Trabalho dinamarquesa (Lov om arbejdsmiljø), ou normas informais de hierarquia organizacional, expondo-os a violações de direitos. Betts (2016) argumenta que essa assimetria informacional os torna vulneráveis a “nichos de precariedade”, especialmente em setores como construção civil, hotelaria e agricultura, onde contratos verbais e jornadas irregulares são comuns. A falta de familiaridade com canais de denúncia – como inspeções do trabalho ou sindicatos setoriais – amplifica a marginalização.

As redes sociais limitadas representam outro obstáculo crítico. As conexões profissionais funcionam como “moeda invisível” para acesso a oportunidades. Imigrantes recém-chegados, contudo, raramente dispõem desses recursos, especialmente em contextos onde comunidades diaspóricas são incipientes. Na Suécia, apenas 18% dos empregos são preenchidos via anúncios públicos; os demais dependem de indicações informais. Esse cenário exclui imigrantes de setores estratégicos, confinando-os a economias paralelas com baixa regulamentação.

A burocracia migratória aprofunda tais desafios. Exigências como validação de diplomas, comprovação de renda mínima e domínio linguístico avançado. Betts (2016) observa que, entre 2010 e 2015, 65% dos pedidos de equivalência educacional de imigrantes sírios e eritreus na União Europeia foram negados devido a “divergências curriculares”, relegando-os a subempregos. Ademais, vistos temporários vinculados a empregadores específicos criam relações de dependência, inibindo denúncias contra abusos por medo de deportação.

A precarização laboral emerge como consequência direta dessas dinâmicas. No setor agrícola dinamarquês, 34% dos trabalhadores imigrantes temporários não possuem contratos escritos, e 28% recebem abaixo do salário mínimo setorial (Eurostat, 2023). Paradoxalmente, a informalidade coexiste com discursos oficiais de integração, revelando uma dissonância entre políticas públicas e práticas econômicas.

Organizações não governamentais e iniciativas transnacionais tentam mitigar essas lacunas. O Conselho de Refugiados Dinamarquês, por exemplo, oferece cursos de capacitação profissional adaptados às demandas do mercado local, enquanto plataformas como New to Denmark centralizam informações sobre direitos trabalhistas. Contudo, Betts (2016) adverte que tais esforços frequentemente negligenciam dimensões culturais: programas de mentoria raramente incluem mediações interculturais, e materiais informativos raramente são traduzidos para línguas como árabe ou somali.

A atuação de sindicatos apresenta ambiguidades. Enquanto a 3F (maior sindicato dinamarquês) criou departamentos específicos para imigrantes, sua eficácia é limitada pela desconfiança mútua, apenas 12% dos imigrantes em Copenhagen relatam confiar em representantes sindicais (Dinamarca, 2021). Isso reflete, em parte, a histórica focalização dos sindicatos nórdicos em trabalhadores qualificados, reproduzindo exclusões setoriais.

Em síntese, a integração laboral de imigrantes demanda abordagens multifacetadas. Como propõe Betts (2016), é necessário combinar políticas de mainstreaming (inclusão transversal em políticas públicas) com ações afirmativas setoriais, como cotas em setores estratégicos e financiamento para empreendedorismo étnico. Paralelamente, a desburocratização de reconhecimento de diplomas e a expansão de vistos baseados em habilidades (em vez de contratos temporários) poderiam reduzir essas assimetrias. Contudo, tais medidas exigem vontade política para confrontar interesses econômicos arraigados em modelos exploratórios.

*João dos Reis Silva Júnior é professor titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Autor, entre outros livros, de Educação, Sociedade de Classes e Reformas Universitárias (Autores Associados) [https://amzn.to/4fLXTKP]

Referências


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CHRISTIANSEN, N. F. The Nordic Model of Welfare: A Historical Reappraisal. Odense: University Press of Southern Denmark, 2006.

CROUCH, C. Governing social risks in post-crisis Europe. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2015.

DINAMARCA. Kommunernes Landsforening (KL). Integração de Imigrantes no Mercado de Trabalho Dinamarquês: Pesquisa de Percepção 2021. Copenhague: KL, 2021.

DINAMARCA. Instituto de Direitos Humanos (DIHR). Relatório Anual sobre Discriminação no Mercado de Trabalho. Copenhague: DIHR, 2022.

ESPING-ANDERSEN, G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey: Princeton University Press, 2016.

EUROSTAT. Labour Market Conditions in the Agricultural Sector: EU Comparative Analysis 2023. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2023.

HEPPLE, B. Equality: The New Legal Framework. Oxford: Hart Publishing, 2014.

JØRGENSEN, H. Flexible labour markets, workers’ protection and “the security of the wings”: A Danish flexicurity solution to the unemployment and social problems in globalized economies? Santiago de Chile, CEPAL/Naciones Unidas, 2009.

JUUL, I.; JØRGENSEN, H. Challenges for the dual system and occupational self-governance in Denmark. In: Contemporary Apprenticeship (pp. 42-56). Routledge, 2014.

MADSEN, P. K. Denmark: Flexibility, security and labour market success. Geneva: International Labour Office, 1999.

MADSEN, P. K. Flexicurity in Danish: A model for labour market reform in Europe? Intereconomics, Heidelberg, v. 43, n. 2, p. 74-78, 2008.


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