Por MÁRCIO DOS SANTOS*
Vivemos em uma era onde a tecnologia redefine nossas vidas, tornando obsoletas as certezas do passado e nos forçando a reavaliar o verdadeiro valor da educação e do trabalho
1.
Na canção Bete balanço lançada em 1984 no álbum Maior abandonado do Barão Vermelho, Cazuza canta em um dos seus versos; “O futuro é duvidoso, eu vejo grana eu vejo dor”. As palavras do compositor e intérprete da música nunca refletiu tanto a realidade do Brasil e do Mundo.
Nascemos de uma geração anterior a internet e as redes sociais e por essa razão enxergávamos a escola de uma maneira bem diferente do modo como a geração atual enxerga essa mesma escola. Nossos pais, que geralmente, no caso das classes “menos favorecidas”, não tiveram a oportunidade de seguir com os estudos, costumavam nos dizer que tínhamos que estudar para “garantir um futuro digno” e diferente da vida que eles viviam.
De algum modo, nós professores, filhos da classe trabalhadora, ainda preservamos essa visão romantizada do ensino. A perspectiva que se tornou senso-comum na nossa sociedade de que uma boa formação representa melhor qualidade de vida. Para cada aluno, para quem pergunto o porquê de “ir à escola” sobra como resposta automática essa ideia, que os próprios, pelo universo ao qual estão inseridos, de que é para “se tornarem alguém na vida”.
Um estudo recém-divulgado pela Repu, sobre a plataformização de ensino, não encontrou vantagens relevantes na aprendizagem dos alunos. É um sistema caro que suga recursos dos cofres públicos e, recentemente, tem se tornado um grande pesadelo de professores e gestores que não alcançam os tais índices coloridos das plataformas. Observe; não é a medição do nível de aprendizagem do aluno que conta para o índice da plataforma, e sim, o simples fato do aluno acessar ou não a plataforma. Modo estranho de aferir se algo melhorou ou não em termos de aprendizagem.
Recentemente perguntei a alguns alunos sobre o que era mais importante atualmente, de modo prático; saber o resultado de uma operação matemática ou conseguir realizar a operação. A maioria não compreendeu bem a pergunta ou se recusaram a admitir que sendo a calculadora digital uma ferramenta do dia a dia que já realiza essa tarefa por nós, saber como chegamos ao resultado da operação se torna menos importante em relação ao resultado da operação em si.
A tecnologia substitui hábitos e funções. Muda o modo como nos relacionamos com o mundo. Essa é uma realidade que não podemos negar. Ninguém hoje passa horas decorando rotas pelo “guia quatro rodas” antes de realizar uma viagem. O Waze ou o Google Maps substituiu nossos guias de papel e otimizou o modo como viajamos. Não acredito que alguém substituiria essas ferramentas pelo antigo guia, porque evoluímos para uma nova forma de se relacionar com essa necessidade. Deixando claro aqui que uso o termo “evolução”, não no sentido de mudança para algo melhor, mas apenas de mudança.
2.
Em reportagem veiculada pelo portal Terra do dia 29 de julho, Ben Mann, cofundador da empresa de inteligência artificial “Athropic” declarou; “Há vinte anos eu teria matriculado minha filha nas melhores escolas; hoje, acredito que isso já não importa mais”. No dia 07 de agosto Mo Gawdat, ex-diretor executivo de negócios do Google, em reportagem do Uol, economia, foi enfático ao dizer que Inteligência artificial não vai criar novos empregos e até CEOs de grandes empresas estão com seus empregos em risco.
Não podemos ignorar as mudanças permanentes que um mundo dominado por máquinas “inteligentes” pode representar. É claro que em um futuro não tão distante, pouco irá importar que seu filho se forme engenheiro pela melhor universidade de engenharia do mundo, uma vez que a máquina será capaz de substitui-lo, e acredito que é por esse caminho que vai a fala de Ben Mann.
Nossas crianças e adolescentes, embora não consigam nomear as transformações pelas quais nosso tempo tem passado, não estão incapacitados de perceber a realidade do novo mundo que se apresenta e para o qual, nós adultos, por miopia ou medo de encarar o novo, ainda não conseguimos perceber em sua totalidade. Em tempos de máquinas substituindo humanos nas mais variadas funções, um diploma universitário parece se tornar cada vez mais e mais obsoleto.
A lei de diretrizes e bases da educação em seu artigo 2 estabelece, entre outras coisas como princípios e fins da educação; “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mundo do trabalho”. É cidadão, dentro desse contexto, aquele que consome e, consequentemente, quanto maior é o poder aquisitivo de uma pessoa, melhor consumidora ela é. Ficou marcante a fala do ex-ministro da educação da administração passada, Milton Ribeiro, na época sobre os diplomas universitários; “Tem muito engenheiro e advogado dirigindo Uber por que não consegue colocação devida”. Meu aluno do ensino médio, de modo intuitivo, talvez, já sabe disso.
No ensaio “A crise na educação” Hannah Arendt afirma que a educação (…) deve preparar os jovens para assumir a responsabilidade pelo mundo, construindo um novo a partir das bases do velho (…)”. Os números mostram que a escola está fracassando – Há muito tempo – e que nossas bases são extremamente frágeis.
A parafernália tecnológica defendida pelo nosso atual secretário de educação, aqui na cidade de São Paulo, Renato Feder e seus amigos empresários, interessam aos cofres dessas empresas que lucram com a ornamentação tecnológica de plataformas que não oferecem resultados reais para a aprendizagem dos alunos, enquanto nós, professores e gestores da escola publica fica tentando morder o próprio rabo.
3.
Por outro lado, observamos movimentos na internet de jovens “antenados a realidade” se referindo a escola como “escolixo” que se dirigem a outros adolescentes destacando que a escola representa um entrave para a vida de empreendedorismo e ganhos reais de dinheiro através da internet. No mundo capitalista tomado por Big Techs e algoritmos, ganhar dinheiro se torna o único propósito da vida. É cidadão aquele que consome. É bem-sucedido aquele que acumula mais capital. Não é novidade para nossos alunos adolescentes.
E tem sido dessa maneira desde sempre, quando associamos melhores formações a melhores salários. Queremos uma vida melhor, com mais qualidade, e a “vida melhor” significa nesse contexto ser bem-sucedido financeiramente. É difícil ter uma “vida boa” com os bolsos vazios.
Nesse sentido, o que nós professores, sobrecarregados, desvalorizados moral e financeiramente e adoecidos temos como imagem que possa inspirar nossos alunos¿ Somos a prova viva, contra tudo o que nós falamos em sala de aula, quando diz respeito a formação acadêmica, já que a formação acadêmica não é mais garantia de melhores salários. Enquanto isso os influencers e youtubbers que esses adolescentes seguem mostram outra realidade, glamurosa e monetizada pelas dancinhas “inocentes” que monetizam seus perfis nas redes sociais.
A inteligência artificial chegou para colocar em xeque nossos empregos e logo não será impossível que essa ferramenta passe a substituir até mesmo os atuais produtores de conteúdo nas redes sociais. Enquanto apodrecemos nossos cérebros com conteúdo pouco desafiador na internet, podemos vislumbrar um futuro não tão distante; duvidoso e cheio de dor.
*Márcio dos Santos é professor de história da Secretaria da Educação de São Paulo.
Referências
NOTA, Técnica. Plataformização e controle do trabalho escolar na rede estadual paulista. São Paulo. Julho. 2025. Grupo Escola Publica e Democracia. Repu.
ARENDT, Hannah. A crise na educação. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p 221-247. 1 edição (Between past and future): 1961
Ministro da Educação: escola para poucos.
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