O problema do reformismo

Imagem: Ellie Burgin
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Por ROBERT BRENNER*

O reformismo não se diferencia a si mesmo por suas preocupações com as ditas reformas. Estas são o objetivo tanto dos revolucionários quanto dos reformistas

Quando perguntado sobre as lições históricas das revoluções ocorridas no século XX, talvez fosse mais interessante entender a experiência da reforma e do reformismo, uma vez que estamos interessados nas lições históricas relevantes para o século XXI.

O reformismo está sempre conosco, ele raramente anuncia sua presença, mas quando o faz, usualmente introduz a si mesmo por outro nome e de maneira amigável. Ainda assim, se mostra como o nosso principal competidor e nós temos de melhor compreendê-lo. Para início de conversa, é preciso que fique claro: o reformismo não se diferencia a si mesmo por suas preocupações com as ditas reformas. Estas são o objetivo tanto dos revolucionários quanto dos reformistas. Pode-se afirmar, ainda, que nós socialistas vemos a luta por reformas como nosso principal objetivo.

No entanto, reformistas estão também interessados em conquistar reformas. De fato, em grande medida, os reformistas compartilham nosso programa, ao menos em palavras e teoria. Eles são a favor de salários mais altos, pleno emprego, um melhor Estado de bem-estar social, sindicatos mais fortes, e até mesmo um terceiro partido. O fato inescapável é que, se nós queremos atrair pessoas para uma bandeira socialista revolucionária e afastá-las do reformismo, não será superando os reformistas em seus programas.

Será através de nossa teoria – nossa compreensão do mundo – e, mais importante, através de nosso método e nossa prática. O que distingue o reformismo no dia-a-dia é seu método político e sua teoria, não o seu programa. Esquematicamente falando, reformistas argumentam que embora, deixado à sua própria sorte, a economia capitalista tende à crise e a intervenção do Estado pode fazer com que o capitalismo alcance crescimento e estabilidade de longo prazo. Eles argumentam, ao mesmo tempo, que o Estado é um instrumento que pode ser usado por qualquer grupo, incluindo a classe trabalhadora, neste caso para seus próprios interesses.

A base política, refletida em sem seus métodos e estratégias, do reformismo segue diretamente essas premissas. Os trabalhadores e os oprimidos podem e devem, primeiramente, devotar seus esforços em vencer as eleições para obter o controle do Estado e por meio desse assegurar uma legislação para regular o capitalismo e, sobre está premissa, melhorar suas condições de trabalho e padrões de vida.

O paradoxo do reformismo

Marxistas vêm obviamente, desde sempre contrapondo suas próprias teorias e estratégias à dos reformistas. Porém, para os revolucionários é igualmente importante ao combater o reformismo, entender que teoria e prática reformista serão melhores compreendidas se entendidas como forças sociais particulares, na qual o reformismo tem historicamente baseado a si mesmo. Particularmente, como racionalizações das necessidades e interesses dos sindicatos oficiais e políticos parlamentares, assim como dos líderes das classes média dos movimentos dos oprimidos.

A base social particular do reformismo não é simplesmente de interesse sociológico. Ela é a chave para o paradoxo central que tem definido, e persistido, no reformismo desde as origens do movimento, que se autodefiniu, dentro dos partidos socialdemocratas (socialismo evolucionário) em torno dos anos 1900. Isto é, as forças sociais no centro do reformismo e suas organizações estão comprometidas com métodos políticos (assim como teorias que as justificam) que acabam por evitar que elas assegurem os próprios objetivos da reforma – especialmente a loucura eleitoral-legislativa e as relações de trabalho reguladas pelo Estado.

Como resultado, as melhores conquistas do movimento reformista ao longo do século XX têm geralmente exigido não somente a ruptura com, mas sistematicamente lutar contra, o reformismo organizado, seus principais líderes e suas organizações. Isso é assim porque para alcançar tais reformas na maioria dos casos, foram usadas estratégias e táticas das quais o reformismo organizado não aprova porque essas ameaçam sua posição social e interesses – níveis altos de ação militante de massa, desafio em larga-escala da lei e a formação de laços de solidariedade ativa cada vez mais abrangentes em toda a classe trabalhadora – entre os sindicalizados e os não sindicalizados, empregados e desempregados, e assim por diante.

A visão reformista

A proposição fundamental da visão de mundo dos reformistas é que, mesmo propenso a crise, a economia capitalista é, passível de regulação estatal.

Reformistas têm argumentado – de várias maneiras – que a causa da crise é a luta de classes desregulada. Eles têm assim, muitas vezes, argumentado que as crises capitalistas podem surgir da extrema exploração dos trabalhadores por capitalistas no interesse do aumento da lucratividade. Isso traz problemas para o sistema como um todo, pois causa uma interferência direta na balança do capitalismo. Ou seja, conduz a um inadequado poder de compra da parte do povo trabalhador, que não pode comprar (de volta) o que eles produziram.

Demanda insuficiente causa “crises de subconsumo” – por exemplo (de acordo com teóricos reformistas), a Grande Depressão dos anos 1930. Reformistas têm também argumentado que a crise capitalista pode surgir, por outro lado, da forte resistência dos trabalhadores à opressão capitalista no chão da fábrica. Bloqueando a introdução da tecnologia inovadora ou recusando a trabalhar mais duro, trabalhadores reduzem o aumento da produtividade (produção/trabalhador). Isso, em consequência significa um crescimento mais lento, lucratividade reduzida, investimento reduzido e em última instância uma crise de oferta – por exemplo (de acordo com os teóricos reformistas), a atual desaceleração econômica do fim dos anos 1960.

Surge dessa abordagem que, pelo fato de as crises serem o resultado não intencionado da luta de classes desregulada, o Estado pode assegurar a estabilidade econômica e o crescimento, justamente intervindo para regular a distribuição de renda e as relações capital-trabalho no chão de fábrica. A implicação é que a luta de classes não é realmente necessária, pois no longo prazo ela não é de interesse nem da classe capitalista nem da classe trabalhadora, se eles podem ser feitas para coordenar suas ações.

O Estado como aparato neutro

A teoria reformista do Estado adequa-se bem com sua economia política. Nesse aspecto, o Estado é um aparato autônomo de poder, em princípio neutro, capaz de ser usado por qualquer (classe ou grupo social). Desse modo, os trabalhadores e os oprimidos devem tentar ganhar o controle do Estado, tendo como propósito regular a economia, assim como assegurar a estabilidade e o crescimento econômico e, sobre essa base, alcançar reformas para seus próprios interesses materiais.

A estratégia política do reformismo decorre logicamente de sua visão da economia e do Estado. Trabalhadores e os oprimidos devem se concentrar em eleger políticos reformistas para o governo. Porque a intervenção no Estado pelo governo reformista pode assegurar a estabilidade de longo-prazo e o crescimento no interesse do capital, assim como do trabalho, não havendo razão para acreditar que os empregadores irão se opor persistentemente ao governo reformista.

Tais governos podem evitar crises de subconsumo implantando políticas fiscais redistributivas e evitando crises de oferta, estabelecendo regulação estatal através de comitês de gestão de trabalhadores no interesse de aumentar a produtividade. Usando como base o crescimento e uma economia cada vez mais produtiva, o Estado pode continuamente aumentar os gastos sobre os serviços estatais, enquanto regula acordos bilaterais (entre empregador e empregado) de modo a assegurar equidade para todos os partidos.

Reformistas, sustentariam que os trabalhadores precisariam permanecer organizados e vigilantes – especialmente em seus sindicatos – e preparados para mover-se contra os capitalistas desinteressados no benefício comum: prontos para empreender ações de greve contra os empregadores que recusam a aceitar mediação no nível da empresa, ou no pior dos casos, levantar-se em massa contra grupos reacionários capitalistas que não conseguem ceder o poder governamental para a grande maioria e procuram corromper a ordem democrática.

Entretanto, para os reformistas tais batalhas permaneceriam subordinadas à luta eleitoral-legislativa e se tornariam progressivamente menos comum visto que a política do Estado reformista se colocaria não somente no interesse dos trabalhadores e dos oprimidos, mas também dos empregadores, embora esse últimos não percebam isso no início.

Uma resposta ao reformismo

Revolucionários têm classicamente rejeitado o método político dos reformistas de acreditar no processo eleitoral-legislativo e em acordos bilaterais regulados pelo Estado pela simples razão que elas não podem realizar-se. Então enquanto as relações capitalistas de propriedade continuarem a prevalecer o Estado não poderá ser autônomo. Isso não é porque o Estado é sempre diretamente controlado por capitalistas (governos social-democratas e trabalhistas, por exemplo, muitas vezes não o são).

E sim, porque quem quer que controle o Estado é brutalmente limitado no que eles podem fazer por conta das necessidades da lucratividade capitalista e porque, durante qualquer período de tempo mais prolongado, as necessidades da lucratividade capitalista são muito difíceis de conciliar com reformas no interesse do povo trabalhador.

Em uma sociedade capitalista, não se pode conseguir crescimento econômico a menos que você consiga investimento, e os capitalistas não irão investir a menos que eles julguem a taxa de lucro adequada. Desde de que os altos níveis de emprego e aumento dos serviços do Estado (dependente de taxação) em prol da classe trabalhadora acontecem de uma forma ou outra em momentos de crescimento econômico, mesmo os governos que desejam ir mais longe no interesse dos explorados e dos oprimidos – por exemplo governos social-democratas e trabalhistas – devem fazer com que a lucratividade capitalista sejam suas prioridades. O dito antigo de que o “que é bom para a General Motors é bom para todos”, contém, infelizmente, um grão de verdade, enquanto as relações de propriedade capitalista continuarem vigorando.

Isso, naturalmente, não é afirmar que governos capitalistas nunca farão reformas. Em períodos de boom, especialmente, quando a lucratividade é alta, o capital e o Estado estão muitas vezes bastante dispostos a conceder melhorias para o povo trabalhador e os oprimidos no interesse da produção ininterrupta e da ordem social. No entanto, em períodos de desaceleração, quando a lucratividade é reduzida e a competição se intensifica, o custo de pagar (via taxação) por tais reformas pode colocar em perigo a sobrevivência das empresas, e portanto elas raramente são garantidas sem grandes lutas nos locais de trabalho e nas ruas.

Igualmente pertinente, em tais períodos, governos de todo tipo – seja representante do capital ou do trabalho – enquanto estiverem comprometidos com as relações capitalistas de propriedade, terminarão tentando restaurar a lucratividade, fazendo com que os salários e os gastos sociais sejam reduzidos, que capitalistas recebam incentivos fiscais, e assim por diante.

A centralidade da teoria da crise

Deveria ser evidente porque, para revolucionários, muita coisa depende da sua argumentação de que longos períodos de crise são parte do sistema capitalista. Desse ponto de vista, crises surgem da natureza inerentemente anárquica do capitalismo, o que constrói um caminho de acumulação do capital que é eventualmente autocontraditório ou autodestrutivo. Porque por natureza uma economia capitalista funciona de uma maneira não planejada, governos não podem evitar crises.

Esse não é o lugar para uma discussão aprofundada sobre as teorias das crises capitalistas. Porém pode-se ao menos assinalar que a história capitalista tem justificado um ponto de vista antirreformista. Desde o fim do século XIX, se não antes, qualquer tipo de governo que tem estado no poder, e isso por longos períodos de boom capitalista (1850-1870, 1890-1913, 1940-1970) sempre tem sido sucedido por longos períodos de depressão capitalista (1870-1890, 1919-1939, 1970 até os dias atuais). Uma das contribuições fundamentais de Ernest Mandel em anos recentes foi enfatizar esse padrão de desenvolvimento capitalista por meio de ondas longas de boom e desaceleração.

Durante as primeiras duas décadas do período do pós-guerra, pareceu que o reformismo tinha finalmente justificado sua visão política do mundo. Houve um boom sem precedentes, acompanhado pela – e aparentemente causado por – aplicação de medidas keynesianas para subsidiar a demanda, assim como, o aumento do gasto do governo associado com o Estado de bem-estar social. Todas as economias do capitalismo avançado tiveram não somente um rápido crescimento dos salários, mas uma significativa expansão de serviços sociais em prol da classe trabalhadora e dos oprimidos.

No final dos anos 1960 e inícios dos 1970, pareceu para muitos que o caminho para assegurar continuamente condições de melhoria para o povo trabalhador era perseguir (e travar) a “luta de classes no interior do Estado” – as vitórias eleitorais-legislativas da Social-Democracia, dos Trabalhistas e do Partido Democrata nos Estados Unidos.

No entanto, as próximas duas décadas iriam provar justamente o contrário. O declínio da lucratividade trouxe uma crise de longo prazo do crescimento e do investimento. Sob essas condições, um após outro governo reformista no poder – os Trabalhistas no fim dos anos 1970 na Inglaterra, e os partidos socialistas na França e na Espanha nos anos 1980, bem como o Partido Social-Democrata sueco também nos 1980 – encontraram-se eles mesmos incapazes de restaurar a prosperidade através de métodos de demanda subsidiada, e concluíram que tinham pouca escolha a não ser aumentar a lucratividade como o único meio para aumentar o investimento e restaurar o crescimento.

Como resultado, virtualmente sem exceção, os partidos reformistas no poder não somente fracassaram em defender os salários dos trabalhadores ou os padrões de vida contra os ataques dos empregadores, mas desencadearam rigorosas políticas de austeridade para elevar a taxa de lucro cortando o Estado de bem-estar social e reduzindo o poder dos sindicatos. Não poderia haver prova mais definitiva do fracasso das teorias econômicas reformistas e da noção da autonomia do Estado. Precisamente porque o Estado não poderia evitar as crises capitalistas, ele acabaria por revelar a si mesmo como, fortemente, dependente do capital.

Por que o reformismo não reforma?

A questão que fica é: por que os partidos reformistas no poder continuam a respeitar os direitos de propriedade capitalistas e buscam restaurar os lucros capitalistas. Por que ao invés disso eles não buscam defender a subsistência da classe trabalhadora e os padrões de trabalho, se necessário pela luta de classes? No caso dessa perspectiva levar os capitalistas a absterem-se de investir ou de haver fuga de capitais, por que não poderia, então, ocorrer de as indústrias serem nacionalizadas e se ir em direção ao socialismo? Voltamos ao paradoxo do reformismo.

A resposta é encontrada nas forças sociais que dominam a política reformista, sobretudo os sindicatos oficiais e os políticos dos partidos social-democratas. O que distingue essas forças é que, embora elas dependam para sua existência de organizações construídas pelos trabalhadores, eles mesmos não são parte da classe trabalhadora.

Sobretudo, eles estão fora do chão das fábricas. Eles encontram sua base material, seu meio de vida, no próprio sindicato ou no partido político. Não é somente que eles conseguem seus salários do sindicato ou do partido, embora isso seja importante. O sindicado ou o partido político definem todo seu modo de vida – o que eles fazem, quem eles encontram – assim como a trajetória de suas carreiras.

Como resultado, a chave para sobreviverem, às flutuações em suas posições sociais e materiais, está dentro do próprio sindicato e do partido. Portanto, enquanto a organização for viável, eles podem ter uma forma de vida e uma carreira razoável. O abismo entre a forma de vida da base trabalhadora e mesmo o funcionário remunerado dos níveis mais baixos é enorme. A posição econômica – salários, benefícios, condições de trabalho – da classe trabalhadora ordinária depende diretamente do curso da luta de classes no local de trabalho e dentro da indústria. A luta de classes bem sucedida é a única maneira para eles defenderem seus padrões de vida.

O oficial do sindicato, em contraste, pode geralmente sair-se muito bem em casos de derrota seguidas na luta de classes, desde que a organização do sindicato sobreviva. É verdade que no longo prazo a sobrevivência da organização sindical é dependente da luta de classes, mas isso raramente é um fator relevante. Mais importante é o fato de que, no curto prazo, especialmente em períodos de crise de lucratividade, a luta de classes é provavelmente a principal ameaça à viabilidade da organização.

Visto que a resistência militante ao capital pode provocar uma resposta dele e do Estado que ameaça a condição financeira ou mesmo a existência da organização, os oficiais do sindicato geralmente procuram cuidadosamente evitá-la. Os sindicatos e os partidos reformistas têm assim historicamente buscado se precaver de confrontar o capital chegando a acordos com ele.

Eles têm assegurado ao capital que aceitam o sistema de propriedade capitalista e a prioridade da lucratividade na operação da empresa. Ao mesmo tempo eles têm procurado certificar-se de que os trabalhadores, de dentro ou de fora de suas organizações, não adotarão formas de ação radical, ilegal e que alcance toda a classe trabalhadora que poderão aparentar serem muito ameaçadoras ao capital e provocar respostas violentas.

Sobretudo, com a implacável luta de classes descartada como meio para alcançar reformas, os sindicatos oficiais e os políticos parlamentares têm visto o caminho eleitoral/legislativo como estratégia política fundamental deixada a eles. Por meio de mobilizações passivas de uma campanha eleitoral, essas forças esperam criar as condições para alcançar reformas, enquanto evitam confrontar em demasia o capital no processo.

Isso não significa adotar a visão absurda que trabalhadores estão geralmente ansiosos para lutar e estão sendo contidos por seus líderes reformistas. De fato, trabalhadores muitas vezes são tão “conservadores” como seus líderes, ou mais até. O ponto é que, diferentemente dos oficiais do sindicato ou do partido, a base da classe operária não pode, com o passar do tempo, defender seus interesses sem a luta de classes.

Além disso, naqueles momentos em que os trabalhadores decidem tomar as questões em suas próprias mãos e atacar os capitalistas, os oficiais dos sindicatos podem constituir uma barreira para suas lutas, a procurarem desviar ou desvirtuar elas. Naturalmente, os líderes sindicais e dos partidos não são de todo avessos à luta de classes, e algumas vezes eles mesmos a iniciam. O ponto é simplesmente que, dado sua posição social, os trabalhadores não podem contar com eles para resistir. Portanto, não importa o quão radical a retórica dos líderes seja, nenhuma estratégia deve ser baseada sob a assunção que eles irão resistir.

É o fato de não poder contar com os oficiais dos sindicatos e os políticos sociais-democratas no combate da luta de classes, uma vez que eles têm maiores interesses materiais que são colocados em perigo no confronto com os empregadores, que proporciona a justificativa central para nossa estratégia de construção de organizações de base que sejam independentes dos oficiais (embora elas possam trabalhar com eles), assim como partidos independentes da classe trabalhadora.

Reformismo hoje e reagrupamento

Compreender o reformismo não é um mero exercício acadêmico. Ele afeta quase toda iniciativa política que nós tomamos. Isso pode ser visto bem claramente no que diz respeito tanto nas tarefas estratégicas de hoje de reunir forças antirreformistas dentro de organizações comuns (reagrupamento) como nas de criar uma ruptura com o Partido Democrático.

Nos dias atuais, como nos anos anteriores, a melhor esperança do Solidariedade para se reagrupar com forças organizadas de esquerda vem daqueles indivíduos e grupos que veem eles próprios como oposição ao reformismo de esquerda. O fato permanece que muitos desses esquerdistas, explicitamente ou implicitamente, ainda se identificam com uma abordagem política que pode ser, grosso modo, chamada de “frente popular”. Apesar de ter sido formada completamente fora do campo da social-democracia organizada, “a frente popular” leva o reformismo ao nível do sistema.

A Internacional Comunista primeiro promulgou a ideia da frente popular em 1935 para complementar a política externa da União Soviética de buscar uma aliança com os poderes do capitalismo “liberal” para defender-se contra o expansionismo nazista (“seguridade coletiva”). Neste contexto, a Internacional Comunista impulsionou a ideia que era possível para a classe trabalhadora forjar uma ampla aliança entre as classes sociais, não somente com as classes médias liberais, mas com um setor esclarecido da classe capitalista, em prol da democracia, das liberdades civis e das reformas.

A base de entendimento dessa visão foi que um setor da classe capitalista preferia a ordem constitucional a uma autoritária. Além disso, capitalistas esclarecidos estavam dispostos a aceitar uma maior intervenção governamental e o igualitarismo de modo a criar as condições para o liberalismo assim como assegurar a estabilidade social. Como outras doutrinas reformistas, a frente popular baseava-se ela própria, em termos econômicos, na teoria subconsumista da crise. A teoria do subconsumismo estava de fato recebendo ampla atenção entre os liberais; tal como socialistas radicais, durante os ciclos dos anos 1930, receberam um impulso particularmente forte com a divulgação e popularização das ideias de Keynes.

Nos Estados Unidos, a implicação da frente popular foi a entrada no Partido Democrata. A administração Roosevelt, contendo políticas progressistas, era vista como um arquétipo representante de setores esclarecidos do capitalismo. E o imperativo de se aliar com os Democratas foi bastante acentuado com o repentino aumento do movimento operário como uma força no país.

Os comunistas tinham estado, originalmente, na liderança da organização do CIO e tinham, de facto, conseguido um sucesso espetacular no setor de automóveis devido à adoção, por um breve, mas decisivo período (de 1935 ao início de 1937), de uma estratégia de base muito semelhante ao do Solidariedade hoje. Essa estratégia tinha, no início, encontrado seu paralelo na recusa dos comunistas em apoiar Roosevelt. Mas em 1937, logo após a adoção da frente popular com a sua necessidade de não afastar-se da administração Roosevelt, o PC opôs-se ao trabalho de militância (sitdown strikes, wildcats) radical, em prol da política classicamente social-democrata de aliar-se com a ala “esquerda” dos sindicatos oficiais.

A implicação dessa política foi rejeitar a noção de que o funcionalismo trabalhista representava uma camada social distinta que poderia colocar os interesses de suas organizações à frente dos interesses dos operários – uma noção que tinha estado no núcleo da política da ala esquerda da social-democracia do pré Primeira Guerra Mundial (Rosa Luxemburgo, Trotsky, etc.) e da Terceira Internacional desde os dias de Lênin. Em vez disso, os dirigentes sindicais deixaram de ser diferenciados em termos sociais das bases e passaram a distinguir-se (uns dos outros) apenas pela sua linha política (esquerda, centro, direita).

Essa abordagem adéqua-se muito bem com o objetivo estratégico dos comunistas de conseguir com que os sindicatos recém emergentes entrem no Partido Democrata. Naturalmente, muitos dos dirigentes sindicais estavam muito felizes em enfatizar sua função política dentro da ala reformista emergente do Partido Democrata, especialmente em comparação com sua função econômica muito mais perigosa de organizar os filiados do sindicato para lutar contra os empregadores.

A política dual de aliar-se com os dirigentes de “esquerda” dentro do movimento sindical e de buscar reformas através de meios eleitorais/legislativos dentro do Partido Democrata (esperançosamente ao lado de líderes sindicais progressistas) tem permanecido até hoje, poderosamente, atrativa para muitos da esquerda.

Uma perspectiva operária

Nos sindicatos, durante os anos de 1970, os representantes de tendências que eventualmente os levaram para dentro do Solidariedade foram obrigados a contrapor a ideia do movimento de base independente dos dirigentes sindicais à ideia de frente popular de muitos esquerdistas de apoiar a liderança progressista existente. Isso significou, em primeiro lugar, ir contra a ideia de que os dirigentes sindicais progressistas seriam obrigados a definirem-se como esquerda e oporem-se aos empregadores, mesmo que fosse para defender suas próprias organizações.

Revolucionários argumentaram o contrário, precisamente em decorrência da crueldade dos empregadores em seus movimentos, os dirigentes sindicais, em sua maior parte estariam dispostos a fazer concessões com o fim de evitar a confrontação com os capitalistas. Eles assim permitiriam o enfraquecimento aos poucos do movimento operário virtual e indefinidamente.

A última perspectiva tem sido mais do que confirmada, uma vez que os dirigentes sindicais, em geral, ficaram de braços cruzados à medida que o movimento pelas concessões atingiu proporções violentas e a proporção de trabalhadores nos sindicatos caiu de 25-30% nos anos 60 para 10-15% nos dias de hoje. Dessa forma, os revolucionários no movimento sindical tiveram de contrapor-se à ideia da frente popular de que os líderes sindicais estavam à esquerda da base trabalhadora. Se vocês conversarem com muitos dos esquerdistas daquele período, cedo ou tarde eles argumentariam que as bases do movimento operário poderiam ser consideradas conservadoras.

Afinal, muitos líderes sindicais “progressistas” opuseram-se à intervenção dos EUA na América Central (e outros lugares) mais firmemente do que fizeram os filiados (do sindicato), além de colocarem-se a favor do Estado de Bem Estar-Social , ao contrário de seus filiados, e até, por diversas vezes, chegaram a pensar na construção de um Partido Trabalhista. Nossa resposta para esse argumento era contrastar o que os líderes sindicais “progressistas” estavam dispostos a fazer verbalmente, “politicamente”, onde relativamente pouco estava em jogo, com o que eles estão dispostos a fazer para de fato lutar contra os patrões, onde virtualmente tudo pode estar em risco.

Por exemplo, pouco estava em jogo para o conhecido chefe do IAM, William Winpisinger, ao ser membro da DSA e promulgar uma visão de mundo social-democrata virtualmente perfeita sobre questões como a reconversão da economia, os cuidados de saúde nacionais e semelhantes. Porém, quando a luta de classes se tornou real lembremos que Winpisinger não somente ficou claramente contra os caminhoneiros por uma União Democrata, mas também enviou seus maquinistas para romper a linha do piquete na crucial greve PATCO (controladores de voo).

Ao longo da década passada, muitos esquerdistas romperam com a União Soviética ou com a China e aceitaram reexaminar toda sua visão política do mundo. Entretanto, isso não significa que eles automaticamente se moverão em nossa direção. Pois a sua estratégia política de frente popular corresponde, de forma central, a uma tendência política ainda (relativamente) poderosa e coerente – ou seja, reformismo social-democrata.

Se nós quisermos conquistar esses camaradas, teremos de demonstrar a eles, sistematicamente e detalhadamente, que sua tradicional estratégia de frente popular de agir com a “esquerda” sindical e adentrar ao Partido Democrata é autodestrutiva.

Ação Política Independente (API)

Em vários momentos durante a campanha de eleição, importantes membros dentro da liderança do Movimento Negro, do Movimento Feminista, e mesmo o movimento de trabalhadores, anunciaram que eles gostariam de ver uma alternativa política viável ao Partido Democrata. Suas declarações pareciam tornar o projeto API, repentinamente, muito mais real. Essas pessoas são indispensáveis, neste momento, para que essa terceira via se torne possível, pela simples razão de que a grande maioria de negros, mulheres e trabalhadores voltam o seu olhar para eles e para ninguém mais, para liderança política. Mas eles são realmente sérios com relação à API?

Dessa forma, fica claro que todas essas forças necessitam de ação política independente. O Partido Democrata tem há muito tempo buscado cada vez mais melhorar a lucratividade capitalista e feito cada vez menos pelos trabalhadores, mulheres e minorias oprimidas. Tem, portanto, sido inútil para as lideranças do sindicato, os negros, e os movimentos feministas que, afinal, trabalham dentro do partido, primeiramente, para conquistar algo para seus “representados” (eleitores, constituintes).

As lideranças oficiais do movimento assim, com certeza aprovariam a existência de uma terceira via (terceiro partido ou organização). No entanto, é o paradoxo da sua classe social e da sua política reformista que os impede de fazer o que é necessário para a criação de um terceiro partido, de outra alternativa.

É difícil ver como essas condições poderão ser alcançadas, exceto por meio da revitalização dos movimentos sociais, sobretudo o movimento operário – com o crescimento da luta militante e pela unidade de luta dentro do sindicato e fora dele. Notadamente, um movimento de massas dinamizado poderia fornecer a base material, por assim dizer, para a transformação da consciência política que poderia trazer à vida um terceiro partido eleitoralmente bem sucedido.

Por outro lado, na ausência de uma ruptura massiva na atividade e na consciência dos movimentos de massa, torna-se absolutamente sem sentido para as lideranças romper com o Partido Democrata. Essas pessoas levam o sistema eleitoral extremamente a sério; para eles é o principal meio para assegurar ganhos para seus “representados” (eleitores, constituintes). E a sine qua non para alcançar ganhos (para os trabalhadores) por meio da via eleitoral é muito evidente: é a vitória eleitoral. Sem a vitória eleitoral nada é possível.

O problema é que, em um futuro próximo, nenhum terceiro partido terá chance de vencer as eleições. A consciência política ainda não está ali. Além disso, os terceiros partidos são especialmente prejudicados uma vez que o vencedor tem todo sistema eleitoral sob seu controle.

Nessa situação, os líderes estabelecidos dos sindicatos, do Movimento Negro e de mulheres enfrentam um duplo problema: eles não podem romper com os Democratas até que as condições para a possibilidade de uma real vitória eleitoral de um terceiro partido se mostrem presentes; mas eles não podem criar as condições para o terceiro partido sem abandonar, provavelmente por um período substancial, seus métodos já estabelecidos de conquistar ganhos via o caminho eleitoral.

Infelizmente, não é de todo surpreendente que os defensores mais assíduos de uma ruptura em direção a um terceiro partido dentro das lideranças estabelecidas dos movimentos – que se encontra dentro do movimento das mulheres – tenham se mostrado muito menos interessados nos “seus próprios” Partidos do Século XXI do que com as candidaturas do Partido Democrata de Carole Moseley Braun, Barbara Boxer, e mesmo de Dianne Feistein.

Assim como qualquer recuperação do movimento dos trabalhadores, dos movimentos sociais [negro, feminista, LGBTQIA+], e de esquerda terá de depender de uma ruptura – e confrontação – com as forças políticas e sociais que sustentam o reformismo, o mesmo acontecerá no projeto de construção de um terceiro partido à esquerda do Partido Democrata.

*Robert Brenner é professor no Departamento de História Universidade da Califórnia-Los Angeles e membro do Comitê Editorial da New Left Review. Autor, entre outros livros, de O Boom e a Bolha (Record). [https://amzn.to/4cVEshy]

Tradução: Ronaldo Tadeu de Souza & Lais Fernanda Fonseca de Souza

Publicado originalmente na revista Against the Current, March/April, 1993.

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