América Latina – perspectivas para 2022

Imagem: Clive Kim
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FRANCISCO EDUARDO DE OLIVEIRA CUNHA*

Estamos num momento chave para o continente tomar um rumo próprio ou permanecer dependente do centro

As discussões que têm sido travadas por intelectuais latino-americanos instigadas pelo livro Dialética da dependência de Ruy Mauri Marini têm deixado patente nossa condição de região de capitalismo dependente. Com efeito, a América Latina tem vivido hegemonicamente em função do que ocorre nas regiões de capitalismo avançado a partir de uma interação desigual. Por conta dessa desigualdade, a crise quando abala o centro, deságua de forma mais intensa em nosso continente.

A partir de um breve contexto político da América Latina no atual século, com algumas exceções como Venezuela, Cuba, Bolívia, bem como as recentes vitórias da esquerda na Argentina, Peru e Chile, percebe-se que a região tem experimentado movimentos pendulares em que, parte dos países alcançaram governos mais democráticos, alguns mais progressistas; e governos de direita, mais conservadores e/ou de agenda neoliberal no campo econômico.

Uma questão importante nesse cenário inicial é perceber que em ondas progressistas, a oportunidade de importantes reformas populares escorregaram por entre os dedos. Sejam nos governos reformistas ou aqueles considerados até como mais revolucionários, ficou lúcido que os atuais modelos tidos como democráticos, não se apresentaram como aptos ou capazes o suficiente para promoverem mudanças estruturais, mas ao contrário, favoreceram a manutenção das estruturas colonialistas de dependência e dominação, embora possamos reconhecer avanços sociais importantes nos governos de esquerda, principalmente no Brasil.

Daí o problema parece se perpetuar. A América Latina continua ocupando esse papel estratégico para o capitalismo, ou seja, continua na condição de abastecedora de matérias-primas, de mão-de-obra barata e de espaço socioprodutivo propício para a intensificação da superexploração da força de trabalho. Do ponto vista mais político, um local absurdamente fértil às empreitadas das políticas neoliberais.

O caso venezuelano, como exemplo contra hegemônico do que temos visto na América Latina, se apresenta como uma interessante ilustração de avanços populares, como foi o caso da construção de uma constituição mais democrática, bem como com a discussão e a decisão de questões importantes consultando a população, e ainda, com o processo de estatização da renda petrolífera em favor do povo. Da mesma forma podemos citar os bolivianos com o pluri-nacionalismo, os conflitos da água, a estatização do gás natural e do petróleo. Referidas experiências sinalizam à América Latina a necessidade de rumos soberanos e a superação de uma letargia política que a deixa nosso continente à mercê do ocorre no mundo central.

Adentrando-se em aspectos da crise cíclica do capitalismo, importa perceber que ela impacta desigualmente as camadas sociais, sobretudo em nossa região. Isso fica muito patente nos veículos de comunicação, onde é muito comum vê-se os lucros exorbitantes dos grandes empresários e dos banqueiros sendo noticiados, bem como o próprio preço do dólar que faz com que produções destinadas a abastecer demandas internas sejam transferidas para exportação na ânsia por lucros maiores, o que acaba em alguma medida corroborando para os índices inflacionários que recai sobre a população de mais baixa renda. Enfim, a crise impacta de forma desigual ricos e pobres, estes últimos, mais desapiedadamente.

É exatamente nestes ciclos de crises que há o acirramento da luta de classes. A onda conservadora, o fascismo, o militarismo, se apresentam como características mais visíveis desse acirramento. É portanto necessário, dentro dessa luta, recuperar algumas ações importantes como por exemplo, os trabalhos de base, a formação política, a conscientização de um projeto de ruptura em favor dos trabalhadores, camponeses, indígenas e demais classes oprimidas pelo poder econômico em nossa região.

Diante do exposto, torna-se necessária uma reflexão mais urgente ao continente, considerando que ondas de esquerdas são incertas e consequentemente, oportunidades de rupturas se tornam mais escassas, ao passo que também mais complexas, embora não impossíveis. Dessa forma, importa provocar acerca do atual papel da América Latina nesse contexto e nesses ventos que sopram para o continente em 2022. É mister se perceber e se reconhecer o cenário crucial para o continente, diante da ofensiva fascista assanhada que tem promovido estragos sociais de complexa reversão, pelo menos em perspectiva temporal mais curta.

Por fim, adentramos em um ano histórico de lutas e de derrubada de projetos fascistas no continente. Trata-se de um momento chave para, ou mantermos nossa condição de subdesenvolvidos, dependentes, consequentemente, de um espaço socioeconômico propício às políticas neoliberais antipovo, de precarização das condições de trabalho, de superexploração da força de trabalho – que são políticas necessárias para a manutenção dos lucros do capital em ciclos de crise; ou se nos mobilizamos no sentido de um projeto de ruptura, com conscientização popular, das massas e, em conseguindo uma retomada de governos progressistas no continente, não sossegar com as mobilizações para que de fato as reformas estruturais necessárias sejam realizadas, a fim de tomarmos um rumo próprio para a América Latina.

A transição é possível ao continente. Uma revolução é urgente e necessária.

*Francisco Eduardo de Oliveira Cunha é professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
João Carlos Loebens Ronald Rocha Valerio Arcary Alysson Leandro Mascaro Airton Paschoa Claudio Katz Igor Felippe Santos Marcos Silva Daniel Costa Elias Jabbour Paulo Capel Narvai Sandra Bitencourt Marcelo Módolo Marjorie C. Marona Anselm Jappe Luiz Renato Martins Henry Burnett Alexandre de Freitas Barbosa Antonio Martins Juarez Guimarães Marilia Pacheco Fiorillo Ronald León Núñez Ladislau Dowbor Gerson Almeida Luiz Roberto Alves Michael Roberts Paulo Sérgio Pinheiro Salem Nasser Heraldo Campos Luiz Bernardo Pericás Berenice Bento Fábio Konder Comparato Manuel Domingos Neto Alexandre Aragão de Albuquerque Leonardo Sacramento Chico Alencar Jean Pierre Chauvin Luis Felipe Miguel Chico Whitaker Tadeu Valadares Milton Pinheiro Bento Prado Jr. Ronaldo Tadeu de Souza Flávio R. Kothe Jorge Luiz Souto Maior José Luís Fiori José Costa Júnior Caio Bugiato Maria Rita Kehl Francisco de Oliveira Barros Júnior Flávio Aguiar Boaventura de Sousa Santos Bruno Fabricio Alcebino da Silva José Geraldo Couto Paulo Fernandes Silveira Ricardo Abramovay Paulo Martins Luiz Carlos Bresser-Pereira Leda Maria Paulani Marcus Ianoni Otaviano Helene Renato Dagnino Ricardo Antunes Andrés del Río Osvaldo Coggiola Tarso Genro Rubens Pinto Lyra Eleonora Albano Luís Fernando Vitagliano Leonardo Boff Celso Frederico Mário Maestri Lincoln Secco Eleutério F. S. Prado Afrânio Catani Michael Löwy Marilena Chauí Walnice Nogueira Galvão Benicio Viero Schmidt Marcos Aurélio da Silva Marcelo Guimarães Lima João Carlos Salles Eugênio Bucci Lucas Fiaschetti Estevez Andrew Korybko José Micaelson Lacerda Morais José Dirceu Rodrigo de Faria Mariarosaria Fabris João Paulo Ayub Fonseca Érico Andrade Manchetômetro Eduardo Borges Ricardo Musse Luiz Werneck Vianna Alexandre de Lima Castro Tranjan Carlos Tautz Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Fernão Pessoa Ramos Leonardo Avritzer Ricardo Fabbrini João Lanari Bo Priscila Figueiredo Rafael R. Ioris Tales Ab'Sáber Sergio Amadeu da Silveira Armando Boito Everaldo de Oliveira Andrade Kátia Gerab Baggio André Singer Vanderlei Tenório Liszt Vieira Bruno Machado Bernardo Ricupero Paulo Nogueira Batista Jr Gilberto Lopes Celso Favaretto Michel Goulart da Silva Luciano Nascimento Thomas Piketty Yuri Martins-Fontes Vinício Carrilho Martinez Vladimir Safatle Eugênio Trivinho Luiz Marques Luiz Eduardo Soares Jorge Branco Matheus Silveira de Souza Daniel Brazil Fernando Nogueira da Costa Lorenzo Vitral José Raimundo Trindade Atilio A. Boron Francisco Fernandes Ladeira Eliziário Andrade José Machado Moita Neto Francisco Pereira de Farias Antônio Sales Rios Neto Denilson Cordeiro Jean Marc Von Der Weid André Márcio Neves Soares Valerio Arcary Henri Acselrad Samuel Kilsztajn Antonino Infranca Slavoj Žižek Gabriel Cohn João Feres Júnior João Adolfo Hansen Carla Teixeira Daniel Afonso da Silva João Sette Whitaker Ferreira Julian Rodrigues Annateresa Fabris Dênis de Moraes Gilberto Maringoni Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ari Marcelo Solon Remy José Fontana Dennis Oliveira

NOVAS PUBLICAÇÕES