Imagens da catástrofe

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Por RICARDO FABBRINI*

Considerações a partir do livro de Georges Didi-Huberman

Georges Didi-Huberman publicou em 2001, no catálogo da mostra “Memórias dos campos: fotografias dos campos de concentração e de extermínio nazistas (1933-1999)”, o ensaio “Imagens apesar de tudo”. Essa mostra sediada em Paris ensejou críticas virulentas, entre as quais a de Claude Lanzmann (2012), realizador do documentário Shoah, de 1985, na qual condenava tanto a exibição de imagens de arquivo do Holocausto, quanto esse ensaio de Didi-Huberman.

Suas críticas, assim como as dos psicanalistas Gérard Wajcman e Elisabeth Pagnoux, publicadas, nos meses seguintes, em Les Temps Moderns (editado, na ocasião, por Lanzmann), motivaram Didi-Huberman a escrever um segundo ensaio intitulado “Apesar da imagem toda” que, somado ao primeiro, foram publicados em livro, na França, em 2004. Passados dez anos, o autor retornou, uma vez mais, à controvérsia gerada pela mostra “Memórias dos campos”, em um relato de sua visita ao “Museu de Estado Auschwitz-Birkenau”, na Polônia, entremeado por fotografias de sua autoria. (DIDI-HUBERMAN, 2017).

Em Imagens apesar de tudo, Didi-Huberman (2020) investiga cuidadosamente quatro fotografias remanescentes do Crematório V de Auschwitz-Birkenau, realizadas em agosto de 1944, cuja autoria foi atribuída ao judeu grego de Thessaloniki, Alberto Errera (identificado, anteriormente, como “Alex”) um membro do Sonderkommando, como era denominado o prisioneiro judeu encarregado de transportar os prisioneiros para as câmaras de gás – estando, eles próprios, condenados à morte – e de depositar seus cadáveres nas fossas de incineração situadas no entorno do crematório.

Considera-se, hoje, que Alberto Errera que fora deportado para Auschwitz-Birkenau em abril de 1944 também tenha sido o idealizador de uma sublevação, em outubro do mesmo ano, com a finalidade de dinamitar o Crematório V, para promover a fuga dos prisioneiros, que acabou sendo massacrado, acarretando a sua morte. Suas fotos (os negativos) que foram traficados para fora do campo no interior de tubos de pasta de dente, – e que constituem os únicos testemunhos visuais legados pelos prisioneiros da existência das câmaras de gás – foram publicadas, junto aos “Manuscritos dos Sonderkommando”, em “Vozes sob as cinzas”, em 2001, na França.[i]

São diversas as conjecturas sobre o modo pelo qual o fotógrafo clandestino Errera teria conseguido “arrancar”, em pleno trabalho do Crematório V, algumas imagens que teriam por finalidade tornar público o processo acelerado de extermínio em curso, a dita “Solução final”. Com base em testemunho de um Sonderkommando sobrevivente teria sido um trabalhador civil de Auschwitz-Birkenau que teria conseguido introduzir, dissimuladamente, “no duplo fundo de um recipiente de sopa”, uma máquina fotográfica, “provavelmente com um resto de película virgem” destinada aos membros do Sonderkommando. (DIDI-HUBERMAN, 2020, p. 23).

Porque seria preciso, na interpretação de Didi-Huberman, (2020, p. 16; 22) “arrancar uma imagem a isso, apesar disso”, dando “uma forma a este inimaginável”, “custasse o que custasse”, ainda que fosse a própria vida do fotógrafo. Segundo essas conjecturas calcadas em testemunhos, essa operação que não teria excedido vinte minutos, e da qual resultaram quatro fotos, não teria envolvido apenas Errera, mas seus companheiros do Sonderkommando que, posicionados no telhado do Crematório V, teriam “vigiado”, durante essa arriscada operação, os SS da guarita situada junto ao arame farpado.

Não se sabe ao certo qual foi o percurso de Errera, ou a sequência na qual ele realizou as quatro fotos. Para alguns autores, com a máquina encoberta na própria roupa ou em algum recipiente – o que é plausível em função da margem escura presente nas quatro fotografias indiciando a existência de um anteparo à luz – o fotógrafo teria disparado a câmera duas ou três vezes, enquanto caminhava em direção à fossa de incineração para só então, ao chegar próximo dela, voltar-se para mirar a fachada do crematório (onde estão as câmaras de gás) – instante no qual teria arrancado sua última foto. Segundo outros autores, no entanto, o percurso teria sido o inverso, ou seja, o fotógrafo situando-se de início junto às fossas de incineração, portanto ao ar livre, e, mirando a fachada do crematório, teria disparado a câmera uma primeira vez, para em seguida caminhar em direção à entrada do crematório, de onde, estando encoberto pela sombra de seu interior, teria disparado, às escondidas, as outras três fotos.

Seja qual tenha sido o percurso de Errera, entre a sua mão que conduzia e disparava a câmera oculta e o seu olhar ao mesmo tempo decidido e temeroso que perscrutava o entorno, deve ter havido mais do que coordenação motora, uma relação de determinação recíproca. Seu corpo em ação, em meio aos outros prisioneiros, e ao terror imposto pelos guardas configuraram um estado extremo de tensão emocional, situado no limiar do quebrantamento, que essas fotos manifestam, senão melhor do que as demais disponíveis sobre o campo, de modo muito diverso. Suas fotos não mostram a expressão de seu rosto, mas elas são o semblante do enredo comunitário no qual ele esteve envolvido, ao viver um vital perigo.

No relato de sua visita ao “Museu de Estado de Auschwitz-Birkenau”, em 2011, como dizíamos, Didi-Huberman ressalta que os curadores do museu expuseram junto às ruínas do Crematório V, na “forma de lápide”, três das quatro fotos clandestinas capturadas por Errera, com notas explicativas, sobre as condições nas quais elas teriam sido produzidas. Mas o que há para ver, afinal, nessas fotos depositadas nas lápides do “Museu de Auschwitz-Birkenau”? Do ponto de vista da representação é possível reconhecer em duas delas, ainda que à distância, corpos empilhados, e atrás desses corpos, uma densa espiral de fumaça cinza resultante de sua cremação, subindo a um céu branco; e, além disso, é possível identificar pelos quepes, os membros do Sonderkommando arrastando os cadáveres das pilhas às fogueiras. Numa terceira foto é possível também distinguir, com certo esforço, no canto inferior direito, prisioneiras desnudas, muito pequenas, relativamente às bétulas altíssimas e ao imenso céu branco que tomam dois terços do quadro, sendo conduzidas para a câmara de gás.

Alberto Errera, negativo no. 283 do “Museu Estatal de Auschwitz Birkenau”
Alberto Errera, negativo no. 277 do “Museu Estatal de Auschwitz Birkenau”
Alberto Errera, negativo no. 278 do “Museu Estatal de Auschwitz Birkenau
Alberto Errera, negativo no. 282 do “Museu Estatal de Auschwitz Birkenau

E a quarta foto (negativo no. 283 do “Museu Estatal de Auschwitz Birkenau”)? Em todos os seus ensaios sobre as imagens da “Shoah”, Didi-Huberman examina as razões pelas quais quarta essa foto foi sempre elidida, não integrando, inclusive, as lápides do “Memorial do Museu”. Essa ausência decorreria, segundo o autor, do fato mais amplo de que “num mundo repleto, quase sufocado de mercadoria imaginária”, “perdemos a capacidade de olhar para as imagens” como, de fato, “elas mereceriam ser vistas”. (DIDI-HUBERMAN, 2020, p.11). Essa impossibilidade de fazer justiça às imagens concedendo-lhes o olhar que lhes é devido seria o resultado, em outros termos, da hegemonia dos clichês no mundo mass-midiático e da rede digital.

No relato fotográfico de sua visita ao “Memorial do Museu”, Didi-Huberman (2017, p. 22) constata que essa estereotipia das imagens, um dos sintomas da mercantilização do imaginário, é visível até mesmo na “museificação de um acontecimento histórico” como a “Shoah”. No “Museu Estatal de Auschwitz Birkenau”, onde está situado o “Memorial”, o “lugar da barbárie”, por excelência, tornou-se, segundo o autor, malgrado ou não seus gestores, “lugar de cultura”. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p. 19). Basta observar que galpões inteiros do campo foram convertidos em espaços expositivos: “Mas o que dizer quando Auschwitz deve ser esquecido em seu próprio lugar, para constituir-se como um lugar fictício destinado a lembrar Auschwitz?” (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.25).

Essa museificação seria nítida no próprio enquadramento concedido às três imagens do Crematório V, exibidas nas lápides do “Memorial”, uma vez que elas foram “decupadas” para se tornarem mais persuasivas, ou mais legível a “realidade que elas testemunham”. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.80). Atribuiu-se, assim, a essas imagens a ortogonalidade própria às fotografias convencionais, atenuando as condições concretas, excepcionais, nas quais elas foram produzidas. Nessa tentativa de tornar as duas fotos das fossas de incineração, documentos visuais de certificação do real (ou do referente), o ângulo enviesado que as tornou possível foi sacrificado em proveito de uma verticalidade convencional.

A terceira foto, na qual as prisioneiras parecem ser conduzidas à câmera de gás, também foi alterada em busca de maior clareza figurativa: outra correção, sempre em prol da nitidez, foi o recorte e ampliação das figuras das mulheres, com o descarte de parte do bosque de bétulas e do amplo céu que ocupavam a maior área no negativo original. As três fotos foram enquadradas, ou seja, cortadas, ampliadas, editadas enfim, sobretudo para serem utilizadas como testemunhos convincentes em provas judiciais, neutralizando assim, o gesto fotográfico de Errera.

A atenção de Didi-Huberman (2020, p. 40) voltou-se reiteradamente, para a quarta foto: “Mas que mal causaria então essa quarta imagem, tornada invisível, às outras três?”. Não se pode ignorar as condições objetivas nas quais essa quarta foto foi “tirada”, a saber. Sem acesso ao visor da câmera que lhe permitiria enquadrar a cena, ou mesmo ajustar o foco, uma vez que ela se encontrava semiencoberta em algum recipiente (como um balde ou uma lata), Errera, possivelmente caminhando, correndo risco de morte, teria disparado a câmera quase às cegas, sem que pudesse antecipar a imagem que resultaria de seu gesto. A hipótese de Didi-Huberman é que essa foi foto foi excluída do “Memorial do Museu” porque seu curador a tomou como um “teste” do fotógrafo que estaria apenas verificando o funcionamento da máquina, enquanto se deslocava pelo campo, quando a disparou. Seria, portanto, uma foto cega, pois nada teria a nos “revelar”, salvo o alto contraste entre a luz estourada no terço superior, e a sombra nos terços inferiores do quadro.

Essa foto é, no entanto, paradoxalmente, para Didi-Huberman (2017, p.50), o testemunho cabal do vivido na “Solução final”, porque ela nos mostra que o fotógrafo precisou “se esconder para ver”, anular-se para testemunhar o que a pedagogia do curador do “Memorial”, curiosamente, “quis nos fazer esquecer”. Dessa constatação decorre a indagação, por conseguinte, que é saber se é sempre necessário recorrer à legibilidade do referente, ou à função de representação de uma dada foto, para legitimar um testemunho. De todo modo é preciso ressalvar que essa quarta foto possui uma função referencial (ainda que residual), sobretudo quando exposta ao lado das outras três, haja vista que é possível tomar a sombra que domina o quadro como sendo a fachada do Crematório V, que tem na linha obliqua ascendente que o atravessa, o seu telhado, e acima desse, à direita, os galhos das bétulas que a sombreiam; e acima à esquerda, o céu ofuscantemente branco.

De todo modo, nessa foto é essencialmente o gesto fotográfico, e não o caráter de representação do dito real que opera como testemunho do horror vivido em Auschwitz-Birkenau. Afinal, é o gesto do fotógrafo do Sonderkommando investido do mais intenso sentido emocional, que atribui à imagem um caráter indicial que opera efetivamente como testemunho. Seria na ausência de qualquer montagem (no interior de um quadro), de alteração de foco, ou de controle de luz, que essa foto atestaria, mais do que quaisquer outras, as condições reais de extremo perigo e coragem a que estavam submetidos não apenas o fotógrafo, mas os demais envolvidos nesta operação de incontido risco.

Nessa foto, o testemunho manifesta-se de modo surpreendente na rasgadura do referente. É no que na imagem surge velado que reside seu teor de vivência. Se ela é mais abstrata do que figurativa é porque é o testemunho de um “ato desesperado” do fotógrafo: é um gesto de sublevação que evidencia, na opacidade da brancura e da negrura, aquilo que é o “essencial do real” em Auschwitz-Birkenau, a saber: o medo à morte iminente vivido não apenas pelas mulheres que são conduzidas às câmaras de gás (na terceira foto), mas pelo fotógrafo e por seus companheiros do Sonderkommando que, transformando o “trabalho servil” no inferno em um “trabalho de resistência” assumiram a tarefa de testemunhar para o mundo o extermínio nazista. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.56). São fotos que “testemunham a quase impossibilidade de testemunhar [o horror] naquele momento preciso da história”. (DIDI-HUBERMAN, 2020, p.256).

As críticas desencadeadas por esses ensaios de Didi-Hubernan (2017b), assim como sua posterior curadoria da mostra “Levantes” apresentada no Jeu de Paume, em Paris, em 2016, e, em versão reduzida, em Buenos Aires e São Paulo, em 2017, na qual exibiu essas quatro fotografias em seu tamanho original de 6cm x 6cm, próprio da câmera Leica, e sem qualquer enquadramento são o resultado de sua recusa aos “metafísicos do Holocausto”, ou seja, àqueles que tomaram a câmara de gás como o “lugar por excelência da ausência de testemunho”. (DIDI-HUBERMAN, 2020, p.114). Cabe lembrar que Lanzmann, Wajcman e Pagnoux, entre outros, defenderam, com veemência, a impossibilidade da representação das câmaras de gás, seja em palavras, seja em imagens, em virtude da desmesura do horror que nelas teve lugar.

Revestidas por um mistério insondável, elas foram tidas como algo “indizível”, “infigurável”, ou “inimaginável”, de tal maneira que toda tentativa de configurá-las seria um falseamento, ou uma traição à dor lá vivida, por concessão à estetização. Reagindo a essa posição, Didi-Huberman. (2020, p. 125; 222) defendeu, polemicamente, no entanto, que considerá-las inimagináveis seria outra maneira de realizar o mesmo intento dos responsáveis pelo extermínio, uma vez que esses também desejavam que elas se mantivessem invisíveis aos olhos da comunidade internacional. É suficiente lembrar, nessa direção, a destruição criminosa no final da Segunda Guerra, das provas dos crimes, entre as quais documentos, fotografias, e os próprios crematórios.

Se este “algo” é inimaginável, é preciso justamente por isso “imaginá-lo apesar de tudo”, reitera Didi-Huberman. O trabalho especulativo é inseparável, no autor, da atividade imaginativa, o que significa dizer que para saber e pensar é preciso imaginar a partir do sensível. (2020, p. 171). Não se pode dizer que não há nada a imaginar nessas fotos de Errera porque nelas não há nada a ser visto (à primeira vista). Não visa o autor, ao salvaguardar essas fotografias do esquecimento, preservar uma representação objetiva da desmesura da dor, mas saber “alguma coisa pelo menos”, um “mínimo que seja”, “aquilo que for possível” saber dela, do que se deu no lugar em que a dor teve lugar. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p. 93).

Se esse fotógrafo clandestino visava com sua câmera o “inimaginável”, o simples fato de visá-lo já seria uma forma de refutar a impossibilidade de imaginá-lo. É verdade que não se deve nem esperar tudo de uma fotografia, ou seja, que ela mostre tudo (“Agora sim, é isso!”) ou, nos termos de Roland Barthes (1984): “Isso foi!” (“Ça-a-été”), sendo que se atribui, aqui, ao isso, tudo o que foi; nem se deve não esperar nada dela, absolutamente nada (“Não, não é nada disso!”) não porque isso não tenha ocorrido, como defenderiam os negacionistas, longe disso, mas porque isso que ocorreu teria se dado de um modo tal, que ele seria “inimaginável”, como defendem os críticos de Didi-Huberman (2017, p.40). Para o autor, no entanto, pede-se ora muito, ora pouco às imagens, porque algumas vezes, se acredita que elas dizem toda a verdade, outras vezes, que elas são documentos incapazes de testemunharem o real, quando na verdade elas são sempre inexatas ou incompletas, razão pela qual requerem o exercício da imaginação a partir do que elas mostram.

O inimaginável que é preciso imaginar, ou seja, a experiência vivida da dor de Alberto Errera manifesta-se menos no aspecto icônico ou referencial de suas fotos, e mais em seu caráter indicial ou de causalidade sensorial entre o medo de perder a vida no instante do perigo, e as imagens com áreas sombrias, angulosas e trepidantes, impressas em sais de prata na película fotoquímica. O valor das fotos não estaria assim, apenas na documentação dos fatos (ou na fixação de um referente), mas principalmente na “emoção” indiciada em sua forma. Reagindo ao enquadramento das fotos e à afirmação de que não haveria nada a se ver na quarta foto, pois essa seria apenas o resto de um negativo perdido ou uma “prova de contato” cega, Didi-Huberman (2020, p. 86) destaca que elas dão a ver o “puro gesto” de insurreição do fotógrafo.

Seria preciso “profanar” o que é tido como inimaginável, tornando públicas não apenas as “imagens técnicas” do funcionamento do campo encontradas após o fim da Segunda Guerra, mas também as fotos das câmaras de gás produzidas por Errera, possibilitando assim a todos imaginar, a partir delas, a vida em Auschwitz-Birkenau. Didi-Huberman aproxima-se, aqui, da crítica de Giorgio Agamben (2007) à sociedade de controle, ao defender a necessidade de restituir ao público, à comunidade de cidadãos as imagens esquecidas ou censuradas (ou mantidas privativas).

Essa também é a posição, vale lembrar, do cineasta alemão Harum Farocki, cujos filmes são montagens de imagens recolhidas de arquivos visuais, até então mantidos em sigilo, evidenciando as estratégias de poder das instituições públicas ou empresas privadas. Harum Farocki apropria-se destes filmes operacionais para após um detido trabalho de montagem, devolvê-los aos seus verdadeiros titulares. Mostra, em outros termos que as “imagens técnicas” como as fotografias aéreas de Auschwitz que foram obtidas a partir de aviões de bombardeio norte-americanos em 1944, mas que se mantiveram esquecidas ou em segredo até 1977, ou ainda, imagens dos sistemas de vigilância em presídios – constituem um “bem comum”. Devolvê-las à comunidade significaria assim – como diz Didi-Huberman (2015, p. 212) a propósito de Farocki – que essas imagens de horror nos concernem porque integram nosso “patrimônio comum”.

Harum Farocki, em outros termos, salva as imagens do esquecimento; ele as emancipa ao conceder-lhes sobrevida. É esse processo de restituição das imagens funcionais ou de uso técnico – assim como das imagens de “levantes”, expostas por Didi-Huberman (2017b) – ao “livre uso dos homens”, que Giorgio Agamben (2007, p.79) denomina “profanação”: “Por isso é importante toda vez arrancar dos dispositivos – de todo dispositivo – a possibilidade de uso que os mesmos capturaram.

A profanação do improfanável é a tarefa política da geração que vem”. Farocki é caracterizado por Didi-Huberman (2015, p. 222) como um arqueólogo que interroga “o subterrâneo da história das imagens” sem afirmar seu estilo pessoal, ou seja, sem ser tomado pelo “páthos apocalíptico”. Em seus filmes, ao contrário, apesar da montagem das imagens, a autoria é substituída por uma “voz neutra”, em terceira pessoa, “impessoal”, como um sujeito de enunciação coletiva, enfim: “Tal foi o preço ‘artístico’ a pagar para que as imagens do mundo distópico, de guerra e das prisões, fossem restituídas não como “lugares comuns” (ou clichês), “mas como o lugar do comum””. (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 223). É nesse sentido, que as quatro fotos de Errera devem vir a lume, até porque elas “fazem da dor, e logo da história e das emoções que a acompanham, nossos bens comuns”. (DIDI-HUBERMAN, 2021, p178). Nada autoriza ninguém, vale notar, a se considerar detentor exclusivo da dor até porque identificar-se com ela, a despeito dos outros, seria desqualificar as outras dores do mundo.

Essas quatro fotografias, rasgam o clichê resultante da fetichização por esteticismo, da memória do Holocausto. São diversas, afinal, como se sabe, as produções cinematográficas sobre os campos de concentração, entre os quais, a minissérie de televisão Holocausto, produzida pela emissora estadunidense NBC de 1978, com direção de Marvin J. Chomsky; o blockbuster A lista de Schindler, de Steven Spielberg, de 1983; A vida é bela, do italiano Roberto Benigni, de 1997; e O filho de Saul, do húngaro László Nemes, de 2015. Esse último filme, no entanto, que ficcionalizou o levante dos prisioneiros e a produção das quatro fotos no Crematório V, diferentemente dos demais, foi elogiado por Didi-Huberman em uma carta pessoal destinada ao seu diretor. Nessa carta, posteriormente publicada no livro Sortir du Noir (“Sair da escuridão”), também em 2015, o autor parabeniza László Nemes por ter retirado esse episódio (e as câmaras de gás) do “buraco negro” no qual eles se encontravam, rejeitando a tese da impossibilidade de sua “representação” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p.15). [ii]

Nesses filmes, assim como no fotojornalismo de Sebastião Salgado ou Don McCullin, entre outros, as cenas que nos horrorizam, que nos aterrorizam são “belas imagens”, muito bem realizadas tecnicamente, com “enquadramentos esplêndidos” e iluminação irretocável. (GALARD, 2012, p. 111). São “imagens admiráveis” de “realidades perturbadoras”, “belas imagens de cenas revoltantes” como se, nesses casos, fosse autorizado à beleza “tirar proveito do sofrimento”. (GALARD, 2012, p. 151). São imagens que borram “perigosamente” os “limites da desgraça e da beleza”. (GALARD, 2012, p. 18). Dizem alguns autores, como Jean Galard (2012, p.17), que nessas “imagens a beleza combina demais com a dor”.

Nas imagens da “Shoah” assim como em inúmeras fotorreportagens de tragédias humanas ou catástrofes naturais, o que retém o olhar do observador acima de tudo, não é propriamente o tema, tampouco o testemunho, mas o modo como essas imagens foram produzidos, ou seja, o “esteticismo invasivo, que anestesiando a realidade torna o horror aceitável, observável”. (GALARD, 2021, p.29). São imagens que liberam uma emoção direta, sem mediação: um prazer sensível, imediato e sentimentalista. Esse abuso da beleza que torna o observador refém de seu fascínio pela imagem o faz esquecer que há algo fora de seu enquadramento, no contracampo, a saber: o entorno ou o dito “real”.

O olhar estético que nos prende à imagem por mais terrível que ela seja só é possível, na pintura ou no cinema, porque a “realidade”, nesses casos, é construída (ou “figurada”), o que significa dizer que ela é dada, aqui, como ausente, por um meio que opera ostensivamente como mediação (ou médium). (GALARD, 2012, p. 47-58). São técnicas, ou mediações de linguagem, que permitem ao fruidor não esquivar o seu olhar em face do horror em obras de “beleza inquietante”, tais como A Pequena Crucificação (1470) de Matihias Grunewald, Os Desastres da Guerra (1810-1815) de Francesco Goya, ou Guernica (1937), de Pablo Picasso.

Diferentemente, não há que se atribuir às fotos de Alberto Errera qualquer “intenção artística”, nem esperar um “olhar estético” por parte do observador, porque seria mesmo “aberrante, ou insensato”, supor que isso viesse a ocorrer, quando o horror é dado como presente. (GALARD, p.28). Vale lembrar que para Barthes (1984, p.15) “uma foto sempre traz consigo seu referente”, o que significa dizer que ela é literalmente, sua “emanação”; ou seja, enquanto outras imagens são o resultado do modo pelo qual seu objeto é figurado ou simulado, a fotografia anula-se como médium “até aderir àquilo que representa” (BARTHES, 1984, p.73). É nesse sentido que a fotografia, para Roland Barthes (1984, p. 127), não apenas se refere à realidade, mas é a “marca mecânica daquilo que ocorreu” (“Isso foi”!); razão pela qual não se concede à foto de um sofrimento real, o mesmo olhar estético que é destinado à “beleza difícil” de uma obra de arte, ou à “beleza excessiva” de uma imagem espetaculosa. (GALARD, 2021, p. 146).

É preciso, no entanto, aceitar com reservas a afirmação de Roland Barthes segundo a qual a fotografia adere plenamente ao referente, ou seja, que, nela, “a mensagem é o código”, como já alertaram, entre outros, Vilém Flusser (1985, p.25) ao afirmar que sempre haverá um nível de abstração ou de formalização na imagem fotográfica uma vez que ela é o resultado de um “aparelho” (do programa da câmera) ou, nos termos tão característicos do autor, do “processo codificador da caixa preta”. Pode-se dizer, no entanto, que cada uma das quatro fotos de Errera é o resultado de uma relação conflituosa entre “colaboração e combate” entre o fotógrafo e o aparelho, nos termos de Vilém Flusser (1985, p.38), de tal modo que, diante do desenquadramento de suas fotografias, o observador pode indagar se foi o aparelho que se apropriou da intenção do fotógrafo desviando-a para os propósitos nele programados, ou se foi o fotógrafo que se apropriou da intenção do aparelho submetendo-a a sua própria intenção. Enquanto nas imagens clichês, o aparelho desvia os propósitos do fotógrafo para seus fins programados, entre os quais um determinado enquadramento, no caso de Errera, sua intenção de fotografar às escuras com a câmera parcialmente encoberta na quase impossibilidade de olhar ao redor prevalece sobre o intento codificador do aparelho. Seu gesto fotográfico é, em outros termos, seu jogo contra o programa da câmera.

Foram, afinal, das escolhas emergenciais adotadas pelo fotógrafo no intento de testemunhar os crematórios, que resultaram o desenquadramento da imagem (uma tomada de posição). Nele se manifesta o testemunho desesperado que exige do observador um “ato de ver igualmente desobediente”. (BUTLER, 2015, p.105). Se essas fotos “capturadas” por um membro do Sonderkommando são mais testemunhais do que as demais é porque nelas, a testemunha (testis), não se apresenta “como terceiro (terstis) em um processo ou em um litígio entre dois contendores”, como as fotos obtidas pelos soviéticos no momento de libertação dos campos, mas como testemunha (superstes) “daquele que viveu algo, atravessou até o final um evento e pode, portanto, dar testemunho disso”. (AGAMBEN, 2008, p.27). Essas fotos (testemunhos sobreviventes) “ensinam a ver as coisas sob o ângulo do conflito”, de uma agonística. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.61). E é através “desse olhar – de uma interrogação desse tipo – que vemos que as coisas começam a nos olhar a partir de seus espaços soterrados e tempos esboroados” (DIDI-HUBERMAN, 2017, p. 61). É por isso que frente às fotos do Crematório V nas lápides do “Memorial do Museu”, o observador, ele próprio, “tomba” de emoção. (DIDI-HUBERMAN, 1998, p.71).

Pode-se dizer que nas fotos espetaculosas, a beleza abusiva tira proveito do sofrimento ao ponto de neutralizá-lo pela exacerbação do valor de exibição da imagem, enquanto nas fotos de testemunho do Sonderkommando o horror é mostrado in presentia, não pela ausência de códigos porque esses são inelimináveis, mas pelo jogo agônico que o fotógrafo trava com o aparelho. É verdade que muitas imagens do fotojornalismo de guerra ou de catástrofes naturais, ou ainda de atentados políticos, rebeliões ou repressões, são captadas a toda pressa em situações nas quais o fotógrafo coloca a sua vida em perigo.

Nesses casos não há, muitas vezes, a intenção de produzir belas imagens, bem enquadradas, cuidadosamente contrastadas, mas imagens imperfeitas, precárias, desfocadas ou mal iluminadas visando justamente a produzir um “efeito de real”. O fato de um fotojornalista estar in presentia do horror, no entanto, não o torna parte de um conflito ou vítima de uma tragédia, por mais que suas fotos visem a testemunhá-los, porque ele sempre será um terceiro (terstis), seja entre dois exércitos, seja entre as vítimas de uma catástrofe, e não uma “testemunha” (superstes).

Por isso, as quatro fotos testemunhais de Errera (superstes) despertam no observador, diferentemente das demais, uma pulsão escópica, uma errância ou nomadismo do olhar que é levado a se deslocar, incessantemente, da representação dos objetos (ícones), dos troncos, do céu, da fumaça, da fachada do crematório, ainda que mais ou menos figurativa, mais ou menos velada, ao índice (à presença de uma ausência), ou seja, ao punctum de cada uma dessas foto: “o que nela me punge (mas também me mortifica, me fere)”: seu desenquadramento. (BARTHES, 1984, p. 46). Essas fotos produzem, assim, um efeito disruptivo, uma espécie de loucura do olhar, uma vez que esse passa a circular entre a força “pática” do punctum e o aspecto informativo do “studium” (ou sua dimensão referencial). (BARTHES, 1984, p. 48). Seu punctum (o gesto fotográfico de Errera) é um clarão na escuridão que, indiciando um encontro com o “real”, evidencia a experiência do fotógrafo que efetivamente esteve lá, absolutamente, irrecusavelmente presente, no crematório V.

Essas fotos que se abrem para a “intratável realidade” são capazes de desorganizar o olhar do observador, diferentemente das imagens comodamente edulcoradas que diluindo o punctum no studium, apenas reforçam o imaginário do bom gosto. (BARTHES, 1984, p.175). Seu caráter “contratransferencial” – não “o que vemos, mas o que nos olha”, na expressão de Didi-Huberman – toma forma, na fruição, como “retorno-imagem”. (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 79). Assim como “quem é visto ou acredita estar sendo visto, revida o olhar”, ver o que há nessas fotos significa “investi-las do poder de revidar o olhar” (BENJAMIN, 1989, p.140); sendo que “este o que há”, “está aí”, nela (na foto) tem lugar, como uma presença diante do observador, “perto dele” e mesmo, em certo sentido, “nele”: “uma imagem flutuante, adiada”, um tumulto silencioso, que impregna seu imaginário, permitindo-lhe imaginar o que é tido, por alguns, como inimaginável. (DUBOIS, 1994, p. 191; 325).

Se na produção dessas fotos ao se deslocar do Crematório V às fossas de incineração, para então retornar ao ponto de partida, Errera certamente se sentiu vigiado pelos guardas do campo, e observado com apreensão pelos outros membros do Sonderkommando que acompanhavam a operação com o objetivo de lhe dar proteção – como se todos lhe devolvessem o olhar que ele lhes evitava lançar – agora no ato de fruição o observador que mira as fotos, dessas recebe a retribuição do olhar que ele nelas investe.

Essas fotos detêm na imanência de sua forma a barbárie ou o horror. Não apenas o sofrimento, no entanto, encontra nelas sua forma de expressão (o desenquadramento), mas também a sua negação. As fotos ao veicularem o páthos ativam a imaginação e forçam o pensamento. Nelas não há a oposição, pressuposta por Barthes ou Brecht, entre a emoção e o distanciamento (Verfremdung), entre páthos e lógos, e tampouco a crença de que o afeto impede o “pensamento crítico”. (DIDI-HUBERMAN, 2021, p. 85). Elas possibilitam, ao contrário, mover-se, a partir do olhar, do sofrer ao conhecer ou imaginar.

Suas zonas de indiscernibilidade, ou de indistinção, como as superfícies negras, brancas e cinzas, que mobilizam o olhar sem parar, do ícone ao índice, e deste àquele, não operam como interdição, mas, ao contrário, é o que permitem o encontro desse olhar com o horror in presentia. A zona de opacidade da imagem não é, assim, um ponto cego que veda o olhar, como querem os defensores da impossibilidade de se imaginar a “Solução final”, mas, em sentido inverso, é justamente o que dá a ver e saber algo mais sobre o que lá se deu. Ela é a marca visível do gesto de Errera que converteu a passividade inicial (de prisioneiro do campo) em impasse existencial e político (“O que fazer?”) que, por sua vez, foi superado no ato fotográfico que visava a tornar público o extermínio nazista em curso.

Essa opacidade da imagem é um sintoma do sofrimento, do limite (in)suportável da dor, mas também de sua potência, ou melhor, da possibilidade que nele reside de se passar do afeto (ou emoção) à ação transformadora no mundo. O pressuposto, aqui, contrariando um topos da tradição da filosofia, é que o poder de ser afetado (páthos) não significa necessariamente passividade, pois pode implicar também “afetividade, sensibilidade ou sensação” como mostrou Gilles Deleuze (2017, p.144), entre outros, haja vista que “a dor pode se transformar em desejo, o impoder em possibilidade, e a paixão” em levante; ressaltando que essas fotos não são a simples documentação de um levante, pois elas próprias se constituem como levante. (DIDI-HUBERMAN, 2021, p.192).

As fotos de Alberto Errera são imagens pungentes. Se suas fotos emocionam são porque mostram o gesto de insurreição de um sujeito emocionado. A emoção está presente tanto na produção da foto, no plano do páthos do ato fotográfico consignado no punctum, quanto na sua fruição pelo observador. Nos dois casos, a “emoção não diz eu”, porque “ela não é da “ordem do eu, mas sim do acontecimento” [ou da intensidade do afeto]: “É muito difícil apreender um acontecimento, mas não creio que essa apreensão implique a primeira pessoa”, afirma Deleuze. (2016, p.194).

É nesse sentido que a emoção veiculada nas fotos de Errera, aliando a singularidade à coletividade, institui no momento mesmo em que elas são produzidas (no “ato fotográfico”), uma comunidade – composta não apenas pelos prisioneiros do campo, mas por “um ser qualquer” não no sentido que seja indiferente quem dela participe, mas no sentido de que “quem dela participa, qualquer um que seja, seja quem for, ou como for não é indiferente aos seus demais participantes” – como quer Agamben (1994, p.64-68).

De modo análogo, a fruição dessas fotos por quem ao mirá-las é por elas afetado, pode constituir-se como uma emoção que articule uma dimensão coletiva (na direção de um levante). Liberando-se das armadilhas subjetivistas (“a emoção que diz eu”) as fotos abririam as emoções para outras formas sociais ou para novas “partilhas do sensível”. (RANCIÈRE, 2005). Mostrariam que “no poder de ser afetado [páthos] existe a possibilidade de uma reviravolta emancipadora”, pela reversão do desespero em “desejo, que é revolucionário por natureza”. (DIDI-HUBERMAN, 2021, p. 69). Sendo o fruidor mobilizado pelo páthos é possível supor que sua capacidade de ser afetado converta-se, no processo de fruição, em potência de transformação; ou seja; que o “gesto patético” de Errera se transforme em “potência de agir” (em práxis).

Diversamente, na sociedade do espetáculo, no mundo mass-midiático e da rede digital as emoções foram supervalorizadas porque adquiriram valor de troca, tornando-se mercadoria. A sociedade da hipervisibilidade, ou do excesso de imagens intensíssimas do ponto de vista sensorial, mas vazias do ponto de vista da experiência vívida, tanto individual quanto histórica, instituiu um mercado de emoções fungíveis. Essa fetichização das emoções é visível no “mercado do choro” das imagens clichês, próprio às séries televisivas, aos talk-shows e ao fotojornalismo de catástrofe que “histericizam o sofrimento”. (DIDI-HUBERMAN, 2021, p. 84).

Se a fruição das imagens pungentes é marcada pela experiência simultânea do estético e do político, do emotivo e do coletivo, o consumo das imagens lacrimosas (ou plangentes) que comovem de imediato o observador, provoca-lhe um sentimentalismo fácil, um estado de imobilismo que reafirma, narcisicamente, a realidade dada. Essa comoção encenada pela “superindústria do imaginário” por meio da beleza abusiva, que desencadeia, muitas vezes, um efeito de contágio ou mimetismo, é na verdade um sintoma da perda contemporânea das emoções trágicas, que são políticas e, portanto, coletivas. (BUCCI, 2021).

Essa comoção teatralizada veiculada inclusive nas imagens de catástrofes manifesta a impossibilidade de se viver compartilhadamente o páthos do luto, que, afinal é de todos. Entre as modalidades de enquadramentos das fotos-choque e dos filmes sensacionalistas sobre os campos de concentração, estão não apenas na exacerbação estereotipada de um gesto, na aceleração vertiginosa da montagem com efeitos virtuosísticos ou pirotécnicos, em tecnologia high-tech, mas também na “acentuação enfático-decorativa” da dor para torná-la exibível. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.95).

Para celebrar os setenta e cinco anos de libertação do campo de Auschwitz-Birkenau pelos soviéticos em 27 de janeiro de 1945, o “Memorial do Museu” autorizou que uma seleção de cerca de trinta fotos, entre as trinta e oito mil produzidas entre 1941 e 1945 fossem colorizadas pelo fotógrafo britânico Tom Marshall e a artista brasileira Marina Amaral. O processo de colorização dessas fotos que foi realizado inteiramente no photoshop (numa recidiva, em versão digital, do pictorialismo do final do século XIX) com “precisão acurada e tons realistas [ou, antes, hiperrealistas]”, teria por finalidade, na intenção dos coloristas, “dar vida ao passado”, “mostrando os prisioneiros como seres humanos reais”. (AMARAL apud KOKAY, 2018). A intenção de Amaral ao colorizar essas fotos foi “humanizá-los” para que se pudesse, a partir de então, “contar a sua história”. (AMARAL apud KOKAY, 2018).

Suas escolhas foram orientadas pelo grau de nitidez das fotos, uma vez que as de maior resolução são as mais favoráveis à reconstrução digital, e também pela suposição do “impacto visual” que cada uma delas causaria no público, principalmente, “nas gerações mais jovens”. (KOKAY, 2018). Pela cor, “as pessoas se aproximariam da realidade do passado” […] “trazendo para hoje, o sentido distante que o preto e branco das imagens sugeria”: “Eu quis dar às pessoas a oportunidade de se conectarem com as vítimas em um nível emocional, de um jeito que talvez seja impossível se as virmos em preto e branco, representando algo velho, um evento histórico que aconteceu há muitos anos atrás”. (AMARAL apud KOKAY, 2018).

Pela cor, além disso, não se visaria a abrandar a dor? Com o argumento de facilitar o acesso à história, na colorização das fotos do arquivo de Auschwitz-Birkenau, o passado foi “açodadamente” colorizado para “torná-lo mais vivo”, corrobora Didi-Huberman (2017, p. 100). Essa colorização espetaculosa é um sintoma do enlace entre a beleza exorbitante (e o “hedonismo estético extravagante”) e a estrutura do capitalismo corporativo da dadosfera e das Big-techs. (JAMESON, 2006, p. 216). Esses retratos reenquadrados pelo pictorialismo de pixels que os privam de sua dimensão testemunhal acabam, assim, em grande medida, neutralizados no imenso enfado mundial de imagens clichês na “Tela total” (BAUDRILLARD, 2005).

Essa glamorização que atrai a atenção do observador para o virtuosismo da coloração afasta seu olhar das dimensões referencial e indicial da imagem. As fotos pungentes dos prisioneiros, uma vez submetidas à cosmética digital que as destitui de páthos, tornam-se imagens pseudo-históricas, amainadas ou regressivas, passíveis de fácil comoção. A busca de mais realidade pela colorização visando a torná-las mais reais que o real acaba por produzir, em aparente paradoxo, a desrealização do real, ou seja, o apagamento do sentido e da história (do referente). Em direção contrária à empatia passageira, na qual o olhar aprisiona o objeto, fonte de prazer sensorial e gozo narcisista (“Sofro diante dessas imagens porque sou sensível às tragédias ou injustiças da vida e essa emoção só pertence a mim”, como em regra se pensa), é possível supor, como se procurou mostrar acima, que em face do páthos veiculado nas quatro fotos, o fruidor, furtando-se às convenções do olhar, ative a imaginação e force seu pensamento na tentativa de compreender o gesto fotográfico de Errera, ao mesmo tempo muito singular, porque vivido in concreto na história, e genérico porque relativo à “comunidade humana”. (“Sofro diante dessas imagens porque compreendo ‘o estado de emoção dos outros’, daquilo que está ‘fora de mim’, “fora do eu”, porque esse estado diz respeito à humanidade da dor na sua partilha”). (DIDI-HUBERMAN, 2021, p. 196).

É preciso imaginar, apesar de tudo, o horror no campo de Auschwitz-Birkenau e não tomá-lo como irrepresentável ou incompreensível. As fotos de Alberto Errera não são simples representações do Crematório V, imerso na sombra, ou das fossas de incineração em seu entorno, mas um testemunho vivo que mostra o horror lá vivido, assim como a afirmação da vida, pelo seu gesto fotográfico, como negação desse horror. A força de resistência à barbárie decorre, segundo Didi-Huberman, próximo aqui de Adorno, da disposição para se “compreender até mesmo o incompreensível”. (ADORNO, 1995, p.46).

Pressupor o inimaginável é ceder ao encanto do esquecimento que reforçando tendências totalitárias pode levar à repetição da barbárie. O “incompreensível”, situado num “além-humano transcendente”, que é postulado pela “metafísica do Holocausto” deve ser perscrutado, mostrado, e suas múltiplas causas explicitadas: “O perigo de que tudo aconteça de novo está em que não se admite o contato com a questão rejeitando até mesmo quem apenas a menciona, como se, ao fazê-lo sem rodeios, este se tomasse o responsável, e não os verdadeiros culpados”. (ADORNO, 1995, p.125). Além da política intencional de apagamento do horror, e até mesmo, de apagamento do próprio apagamento, como é frequente nos regimes totalitários, ocorreu, não raras vezes, outra forma de sua denegação: o apagamento parcial e involuntário, por reenquadramentos, ou mesmo pelo descarte de uma imagem tida como nula.

Em Imagens apesar de tudo, texto do qual partimos, Didi-Huberman (2020, p.96) dedicou-se a “olhar de perto” as quatro fotografias de Alberto Errera” “visando a esboçar sua fenomenologia” com a finalidade de, “situando seu teor histórico”, destacar seu “valor perturbador para o pensamento”. Para tanto, é preciso romper o quadro de uma imagem, procurando o que está fora do enquadramento, a partir do que nela vem indiciado; o que só é possível pela atividade da imaginação que é considerado pelo autor, “a faculdade política e crítica por excelência” capaz de “devolver toda a potência às emoções” investidas em cada imagem “a partir daquilo que a história nos coloca”, sempre, “diante dos olhos”. (DIDI-HUBERMAN, 2021, p.89).

É preciso investigar o sentido de nossas imagens que são de todos. À sua indagação: “Mas o que se pode esperar de uma imagem?”, finda à leitura, pode ser respondida, ao meu juízo, com outra indagação: “O que cada imagem, afinal, considerada em sua singularidade, espera de nós?”. Somente, assim, será possível fazer jus ao gesto fotográfico de Errera. Sua descrição e interpretação das fotos nas lápides do “Museu do Memorial” de Auschwitz-Birkenau evidencia que “a maneira como se olha, e se compreende uma imagem” é necessariamente um “gesto político”. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.106). Seu trabalho do olhar sobre a zona de opacidade das fotos que ao mesmo tempo efetuam distanciamento (ao rasurar sua função referencial) e páthos não somente lança luz sobre a heroicidade do gesto de Errera, no centro do Holocausto, como evidencia a força do desejo necessária a uma sublevação.

Realizar quatro fotografias na zona do crematório V de Auschwitz-Birkenau num momento de “apocalipse homicida”, em agosto de 1944, era “manter uma centelha de esperança em meio a uma realidade atroz” – assim como um clarão de luz rasga a escuridão em cada uma dessas quatro fotos – já que “a vida continuava a brotar, frágil, mas persistente” nessa “imensa noite de horror”. (DIDI-HUBERMAN, 2020, p. 116). O gesto de Alberto Errera transformou, assim, o “real histórico”, feito de horror e levante, “em possibilidade de memória para o futuro”, recorrendo tão somente a um rebotalho de celuloide. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p. 109).

*Ricardo Fabbrini é professor do Departamento de Filosofia da USP. Autor, entre outros livros, de A arte depois das vanguardas (Ed. Unicamp).

Versão parcialmente modificada do artigo “Imagens da Catástrofe”, publicado na “Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea (RFMC), v. 9, no. 3.

Referência


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RANCIÈRE, J. A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005.

“Des voix sous la cendre. Manuscrits des Sonderkommando d´Auschwitz-Birkenau”. In: Revue d´histoire de la Shoah, n.171, Paris: Centre de Documentation Juive Contemporaine/ Somogy éditions d´art, Janvier-Avril, 2001.

Notas


[i] Ver “Des voix sous la cendre. Manuscrits des Sonderkommando d´Auschwitz-Birkenau”. In: Revue d´histoire de la Shoah, n.171, Paris: Centre de Documentation Juive Contemporaine/ Somogy éditions d´art, Janvier-Avril, 2001. São raras as fotos das câmaras de gás, como se sabe, haja vista que a política implementada pelos gestores dos campos de concentração, sobretudo a partir de janeiro de 1945, foi a da destruição das provas de seus crimes. Restou-nos, entretanto, o “Álbum de Auschwitz”, cuja finalidade é incerta, composto por 56 páginas e 193 fotografias, entre as quais imagens das triagens dos judeus húngaros em Auschwitz-Birkenau, dos crematórios em meio aos bosques de bétulas, e também de suas câmaras de gás produzidas entre os meses de maio e junho de 1944. Essa ausência de uma documentação visual numerosa das câmaras de gás teria sido reforçada, segundo Didi-Huberman (2017; 2020), pela tese da irrepresentabilidade do Holocausto, segundo a qual seria impossível representar ou imaginar a desmesura do horror, sem mitigá-lo ou estetizá-lo por alguma forma de “enquadramento”, como veremos.

[ii] Não incluímos, nesta lista, filmes de referência sobre a “Shoah” que mereceriam comentários detidos, tais como: o melodrama Kapo (1960) de Gillo Pontecorvo; o ensaio cinematográfico Noite e neblina (1955) de Alain Resnais; e o já referido “documentário testemunhal” Shoah (1985) de Claude Lanzmann. Ver a propósito o artigo de Ilana Feldman, “Imagens apesar de tudo: problemas e polêmicas em torno da representação, de ‘Shoah’ a ‘O filho de Saul’”. ARS, São Paulo, 2016, v. 14, n. 28, pp. 135-153. Sobre Filho de Saul (2015), citado acima, diz a autora: “Recusando a banalidade realista e a indecência do melodrama no contexto do extermínio concentracionário, o realizador [László Nemes] opta por uma linguagem rigorosa, de uma parcialidade radical: assim como o protagonista, não vemos ‘o’ campo e não temos acesso a nenhuma forma de totalidade do que se passa. Parte desse efeito de restrição do campo visual é proporcionado pela tela quadrada, no formato reduzido 1:37” que “além de se contrapor ao excesso de visibilidade do cinemascope, produz no espectador uma sensação de asfixia e confinamento. Formato restringido, quase quadrado”, análogo, vale lembrar, ao das fotos 6cm x 6cm, de Alberto Errera. (FELDMAN, 2016, p.150).

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