Por GIOVANNI MESQUITA*
Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
Quando soube que o Brasil vetaria a entrada da Venezuela nessa rodada dos BRICS, fiquei um pouco sem ter o que pensar. Um colega, de um grupo de Whats, postou um artigo do G1 Globo, com a seguinte chamada: “Venezuela fica de fora da lista de países parceiros dos Brics; decisão coincide com o que queria o Brasil”. Vemos que os assinantes da matéria, Bianca Rothier, Ricardo Abreu, colocaram apenas a primeira letra da sigla em maiúscula. Resta saber se é apenas um erro ortográfico, devido à baixa formação cultural dos que militam na chamada imprensa “profissional”, ou um inesperado rasgo de nacionalismo, já que só o Brasil é premiado com a letra capitular.
Devaneios a parte, visto que só membros de BRICS, do mesmo continente, podem fazer indicação de um país do seu continente, ficou claro para mim que, a não indicação do Brasil, equivaleu de fato a um veto. Fiquei sem saber o que pensar sobre essa postura do governo brasileiro. Em resposta ao post colocado no grupo declarei que a Venezuela “foi vetada pelo Brasil, estou tentando entender o porquê (qual o critério)”. O baixo interesse que esse grupo, de política, demonstra em discutir política, gerou apenas um comentário a minha pergunta: “Qual critério? Mas é submissão às classes dominantes internas e ao imperialismo EUA.”.
Agradeço a resposta do companheiro, mas a considero inconclusiva. Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
Os jornalistas do G1, informaram que a TV Globo apurou, sabe-se lá como, sabe-se lá com quem, que o governo brasileiro havia pressionado para que a Venezuela e a Nicarágua ficassem de fora da lista dos membros convidados. E “fontes” ouvidas declararam que Lula estava irritado com Nicolás Maduro. A tese da mágoa, de Lula com Nicolás Maduro, na realidade não seria de todo descabida. Veja as eleições venezuelanas, o Lula, a pedido do governo Maduro, deu a maior força para o processo eleitoral, defendendo a sua lisura.
Na publicação do Brasil de Fato, de 11 de junho de 2024, lê-se que “O vice-presidente do Partido Unido Socialista da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, disse nesta segunda-feira (10) que Brasil e Colômbia […] “deveriam vir à Venezuela para ver como se faz uma eleição, para aprender como se faz uma eleição. Não é fácil aprender a fazer eleições. Alguns dizem que não têm tempo, bom, isso é um problema de cada país, mas deveriam vir para aprender com o melhor CNE (Conselho Nacional Eleitoral) do mundo”, afirmou.”
O estilo madurista é pura “classe” envolta em “diplomacia” e “modéstia”. O Brasil atendeu esse chamado, e mais, defendeu o levantamento de todas as sanções contra a Venezuela. Mas, o Brasil exigiu, para reconhecer o resultado, que no final do pleito fossem apresentadas as atas eleitorais. O governo Maduro manipulou o que deu e não apresentou as tais atas. O Tribunal de Justiça da Venezuela proibiu a apresentação das mesmas. Mesmo assim, Nicolás Maduro exigiu, vejam só, que o Brasil reconhecesse sua vitória, arguindo soberania e dando carteirada de campeão da luta anti-imperialista. Lula e a diplomacia brasileira disseram que, sem a apresentação das atas, nada feito.
Alguns membros da esquerda, mais ou menos tradicional, declararam que, o Brasil querer ver as atas para reconhecer, era uma intervenção inaceitável do governo Lula. Breno Altman, por exemplo, declarou que “O governo @LulaOficial precisa voltar ao leito natural de sua política externa e respeitar a autodeterminação venezuelana. Assim que a corte suprema dessa nação soberana sentenciar o resultado final das eleições, só cabe reconhecê-lo de imediato, sem desvios intervencionistas. ” Só cabe reconhecê-lo de imediato?
O senhor Breno Altman, está sugerindo que o Brasil se submeta aos desejos do governo de Nicolás Maduro? “…sem desvios intervencionistas”? O Brasil rompeu relações diplomáticas com a Venezuela? O Brasil cessou sua relação comercial com a Venezuela? Mandou tanques para a fronteira? Não! Que conversa é essa seu Breno?
Altman acredita que o Brasil deva pautar suas políticas internacionais pela submissão a Venezuela, veja essa chamada de sua entrevista ao Canal 247, no dia 31 de outubro de 2024: “Brasil quer ser o ‘xerife’ da América Latina ao vetar a Venezuela no BRICS”, […] Decisão de Lula gera tensões com Maduro e contraria tradição diplomática do PT e da esquerda brasileira, afirma analista político.” Por que? A América Latina já tem um xerife?
Breno Altman esquece que o Brasil também não reconheceu a vitória da oposição, proclamada pela OEA. A mesma OEA, que disse que Evo Morales havia fraudado as eleições bolivianas em 2019, o que abriu espaço para o golpe da falsa loura Jeanine Áñez. Curiosamente, o G1, que apresenta como verdade a atual versão da OEA, que diz ter havido fraude na última eleição na Venezuela, é o mesmo G1 que publicou o estudo sobre a “incorreção” da acusação de fraude na eleição de Evo Morales, em 2019, apresentada pela OEA. Essa recente inconfidência, sobre o mesmíssimo tema da OEA, não motivou ao G1 nenhuma cautela…
Breno Altman, comodamente, não menciona os ataques de baixo nível político e acusações sórdidas a Lula, ao seu governo e a seu partido. Vejamos. O não reconhecimento do Brasil da suposta vitória de Nicolás Maduro fez com que seu séquito, vanguardeado por ele, xingasse nosso governo com as sete pragas.
A mais recente proferida por Tarek William Saab Halabi, o Procurador Geral da Venezuela, ungido pela Assembleia Nacional da Venezuela, o que quer dizer escolhido por Nicolás Maduro, já que esse tem 253 dos deputados, contra 18 da oposição (Eta, inveja!). Tarek, misturando fábula conspiracionista com tons da lógica daqueles que usam chapéu de alumínio, disse que Lula não é mais o mesmo. E essa transformação se deu quando esteve preso. No cárcere, Lula teria sido recrutado pela CIA, e depois disso até seu gestual estava demudado.
Pois é… Pois é! Como diria Chaves, não o Hugo o outro. O que transparece, por baixo dos ataques de teor político de pouca aderência a realidade, é que a Venezuela busca pautar a esquerda sul-americana. Parece que não está dando certo. Não acredito que o Lula conduza a geopolítica brasileira com o fígado, apesar de que chamar de agente da CIA é que nem falar da mãe…
Outra versão, pela não indicação, é que o BRICS teria que aumentar o seu tamanho numa marcha mais lenta avaliando constantemente o cenário mundial e o impacto do seu crescimento. Pelo menos é essa versão oficial do nosso governo. Em entrevista à CNN, Celso Amorim disse: “Eu não defendo a entrada da Venezuela. Acho que tem que ir devagar. Não adianta encher [o BRICS] de países, senão daqui a pouco cria-se um novo G77″.
Esse cuidado do Brasil se baseia na ideia de que um aumento acelerado de membros colocaria no grupo uma heterogeneidade que dificultaria a unidade e a pronta composição de uma clara diretriz política para esse novo momento da geopolítica mundial. Ou seja, trazer o menor número de conflito de interesse e confusão política para dentro dos BRICS. E, cá para nós, fazer confusão se tornou a marca do governo de Nicolás Maduro.
E o que ninguém disse? Não ouvi nenhum destaque para o fato do Brasil ter indicado Cuba para os BRICS. Há quem diga que, toda a arenga em torno da Venezuela, serviu como cortina de fumaça, contra a reação que tradicionalmente todas as direitas que vociferam contra Cuba, costumam fazer. E também a entrada da sofrida, e essa sim de esquerda, Bolívia.
Resta finalizar com a seguinte pergunta: se, Nicolás Maduro é o timoneiro da esquerda latino-americana, o que o Lula é, o cavalo do bandido?
*Giovanni Mesquita é historiador e museólogo. Autor do livro Bento Gonçalves: do nascimento à revolução (Suzano).
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