Por JOSÉ MACHADO MOITA NETO*
A desigualdade é efetivamente uma agenda econômica, política e estratégica para o Brasil
Encontrei a frase proferida por Margaret Thatcher “Economics is the method. The object is to change the soul” em um artigo de opinião do jornal Financial Times de 27 de abril de 2009 assinado por Gideon Rachman,[i] com o título The end of the Thatcher era. Após a crise financeira de 2008 sugiram vários textos de reflexão que não pouparam a “dama de ferro” como origem histórica do ponto de não retorno do modelo de capitalismo atual. Recomendo a leitura dessa matéria, inclusive pelos desdobramentos históricos que conhecemos posteriores a 2008 no Brasil e no mundo.
A polêmica frase de Thatcher pode agora ser revisitada em 2023 no Brasil de Lula para se afirmar que os métodos foram ampliados e o objetivo foi atingido e ultrapassado. A colaboração da “esquerda” europeia para “a nova razão do Mundo” (neoliberal) está descrita criticamente no livro de Dardot e Laval. Agora de corpo e alma estamos embrenhados no capitalismo financeiro como uma realidade interpenetrante que compõe a nossa sociedade. As expressões “tá tudo dominado” do funk ou a expressão revisitada do “Perdeu mané” traçam os limites do governo Lula em mudar alguma coisa no Brasil. Ambas as expressões aplicam-se igualmente ao sonho de uma sociedade melhor.
As obras estruturantes dos governadores não mudam e até exacerbam os mecanismos determinantes da desigualdade. No Piauí, por exemplo, o governador de esquerda, está preocupado em escoar a produção do agronegócio pelo porto de Luís Correia para baratear os custos de produção, embora os preços desses commodities seja ditada pelo mercado internacional. O resultado líquido desses investimentos é a possibilidade de aumentar o lucro dos produtores sem criar um único emprego. A desigualdade ampliou e pode crescer ainda, mesmo em um governo de esquerda. Sucesso no governo Lula será apenas a desaceleração da desigualdade.
Um grupo de empresários[ii] que representam direta ou indiretamente o capitalismo financeiro pode organizar um evento nos Estados Unidos ou em Portugal (Lide Brazil conference), convidando todos os principais interlocutores da política e dos três poderes da república, não para ouvir aquilo que pensam mas para garantir que estão pensando “corretamente” segundo os interesses desses grupos. Depois garantem a repercussão de tais eventos nas mídias sociais brasileiras. Qualquer deslize acidental no modo “correto” de pensar será a senha para “fritar” politicamente o palestrante. Participantes e palestrantes conhecem igualmente o jogo que estão jogando. O resultado desses eventos para o governo Lula e para o grupo empresarial já foi antecipado por Lampedusa (1896-1957): “Algo deve mudar para que tudo continue como está”. Apenas isso.
O embate sobre a autonomia do banco central ou sobre o valor da taxa Selic é importante apenas quando “Economics is the method” existe contudo mais dificuldades a serem enfrentadas no Brasil. A ampliação de desigualdades está quantitativamente demonstrada na obra Capitalismo e ideologia, de Thomas Piketty. Um freio precisa ser dado. Existe espaço para a agenda única da minimização da desigualdade. A desigualdade é efetivamente uma agenda econômica, política e estratégica para o Brasil. Veto a tudo que reforce minimamente as desigualdades, cortes a tudo que não contenha mecanismos implícitos e explícitos de redução das desigualdades. Um observatório sobre os discursos do tipo “mais do mesmo” em política e economia auxiliariam nessa luta continua.
Isto basta para mudar o Brasil? Não. Contudo o caminho estaria pavimentado para outros governos de qualquer espectro ideológico. Enquanto isso, a luta de qualquer brasileiro é não sucumbir ao agendamento dos 10% detentores da renda nacional ou dos 1% que controlam as mídias sociais e são os verdadeiros influencer de nosso modo de pensar. Precisamos retomar o nosso corpo e a nossa alma. Ainda não é tarde para frustrar o sonho de Thatcher (The object is to change the soul) que se tornou o pesadelo do ocidente.
*José Machado Moita Neto é professor aposentado da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e pesquisador da UFDPar.
Notas
[i] https://www.ft.com/content/98ef04fe-3357-11de-8f1b-00144feabdc0
[ii] Podem ingressar no LIDE empresas brasileiras e multinacionais com faturamento igual ou superior a R$ 200 milhões anuais. https://lide.com.br/. Acesso em 13/02/2023
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