Os supostos limites do capitalismo

Imagem: Vanessa Winship
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por RAÚL ZIBECHI*

O mundo novo posterior ao capitalismo não é um lugar de chegada, não é um paraíso onde se pratica o “bom viver”, mas um espaço de luta

Durante muito tempo uma parcela dentre os marxistas afirmaram que o capitalismo tem limites estruturais e econômicos, baseados em “leis” que tornariam inevitável sua (auto) destruição. Essas leis são imanentes ao sistema e relacionam-se com aspectos centrais do funcionamento da economia, como a lei da tendência decrescente da taxa de lucro, analisada por Marx em O capital.

Esta tese levou alguns intelectuais a falar do “colapso” do sistema, sempre como consequência de suas próprias contradições. Mais recentemente, não poucos pensadores argumentam que o capitalismo tem “limites ambientais” que o levariam a destruir-se ou pelo menos a alterar seus aspectos mais predatórios, quando na verdade o que tem limites é a própria vida no planeta e, muito em particular, a da metade pobre e humilhada de sua população.

Hoje sabemos que o capitalismo não tem limites. Nem mesmo as revoluções foram capazes de erradicar este sistema, pois, uma e outra vez, expandam-se no seio das sociedades pós-revolucionárias as relações sociais capitalistas, e, de dentro do Estado, ressurge a classe burguesa encarregada de fazê-las prosperar.

A expropriação dos meios de produção e troca foi, e continuará sendo, um passo central para a destruição do sistema, porém, mais de um século depois da Revolução Russa, sabemos que é insuficiente se não houver um controle comunitário desses meios e do poder político encarregado de sua gestão.

Também sabemos que a ação coletiva organizada (luta de classes, de gênero e de cor da pele contra as opressões e os opressores) é decisiva para destruir o sistema, mas esta formulação também resulta parcial e insuficiente, embora verdadeira.

A atualização do pensamento sobre o fim do capitalismo deve andar de mãos dadas com as resistências e construções dos povos, em particular dos zapatistas e dos curdos de Rojava, dos povos originários de vários territórios de nossa América, mas também dos povos negros e camponeses, e, em alguns casos, do que fazemos nas periferias urbanas.

Alguns pontos parecem centrais para superar este desafio.

O primeiro é que o capitalismo é um sistema global, que engloba todo o planeta e deve expandir-se permanentemente para não colapsar. Como Fernand Braudel nos ensina, a escala foi importante na implantação do capitalismo, daí a importância da conquista da América, pois permitiu que um sistema embrionário abrisse suas asas.

As lutas e resistências locais são importantes, podem até abalar o capitalismo nessa escala, mas para acabar com o sistema é imprescindível a aliança/coordenação com movimentos em todos os continentes. Daí a enorme importância do Giro pela Vida que o EZLN [Exército Zapatista de Libertação Nacional] realiza atualmente na Europa.

O segundo é que não se destrói o sistema de uma vez por todas, como debatemos durante o seminário “O pensamento crítico diante da Hidra capitalista”, em maio de 2015. Mas aqui há um aspecto que nos desafia profundamente: só uma luta constante e permanente pode asfixiar o capitalismo. Ele não pode ser cortado de um golpe, como as cabeças da Hidra, mas de outro modo.

A rigor, devemos dizer que não sabemos exatamente como pôr fim ao capitalismo, porque isso nunca foi alcançado. Mas vamos intuindo que as condições para sua continuidade e/ou ressurgimento devem ser limitadas, submetidas a um controle estrito, não por um partido ou um Estado, mas pelas comunidades e povos organizados.

O terceiro ponto é que o capitalismo não pode ser derrotado se ao mesmo tempo não se constrói outro mundo, outras relações sociais. Esse mundo outro ou novo não é um lugar de chegada, mas um modo de viver que em sua cotidianidade impede a continuidade do capitalismo. Os modos de vida, as relações sociais, os espaços que somos capazes de criar devem existir de tal forma que estejam em luta permanente contra o capitalismo.

O quarto é que, enquanto o Estado existir haverá uma oportunidade para o capitalismo voltar a expandir-se novamente. Ao contrário do que apregoa certo pensamento, digamos progressista ou de esquerda, o Estado não é um instrumento neutro. Os poderes de baixo, que são poderes não estatais e autônomos, nascem e existem para impedir a expansão das relações capitalistas. São, portanto, poderes por e para a luta anticapitalista.

Finalmente, o mundo novo posterior ao capitalismo não é um lugar de chegada, não é um paraíso onde se pratica o “bom viver”, mas um espaço de luta no qual, provavelmente, os povos, as mulheres, as dissidências e as pessoas de baixo em geral, estaremos em melhores condições para seguir construindo mundos diversos e heterogêneos.

Acredito que, se deixarmos de lutar e de construir o novo, o capitalismo renasce, inclusive no mundo outro. O relato do Viejo Antonio de que a luta é como um círculo, que começa um dia, mas nunca termina, tem enorme atualidade.

*Raúl Zibechi, jornalista, é colunista do semanário Brecha (Uruguai).

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Lucas Fiaschetti Estevez Luiz Eduardo Soares Jean Pierre Chauvin Érico Andrade Maria Rita Kehl Chico Whitaker Ronald Rocha José Machado Moita Neto Gilberto Maringoni Henry Burnett Ricardo Abramovay Sandra Bitencourt Antônio Sales Rios Neto Dennis Oliveira Francisco Fernandes Ladeira Gilberto Lopes Ricardo Antunes Atilio A. Boron Ari Marcelo Solon Leonardo Sacramento Igor Felippe Santos Otaviano Helene Priscila Figueiredo Luciano Nascimento Andrés del Río Michael Löwy Eliziário Andrade Anselm Jappe Carla Teixeira Eugênio Bucci Marilena Chauí Eleutério F. S. Prado Remy José Fontana Celso Favaretto Ricardo Fabbrini Manchetômetro Francisco Pereira de Farias Everaldo de Oliveira Andrade Paulo Capel Narvai Sergio Amadeu da Silveira Juarez Guimarães Luiz Renato Martins Vanderlei Tenório Marcus Ianoni Flávio Aguiar Benicio Viero Schmidt Carlos Tautz José Micaelson Lacerda Morais Marjorie C. Marona Fernão Pessoa Ramos Fernando Nogueira da Costa Henri Acselrad Jorge Branco Gabriel Cohn André Singer Tadeu Valadares Antonio Martins Marcelo Módolo Bruno Machado Chico Alencar Daniel Costa Denilson Cordeiro Yuri Martins-Fontes Boaventura de Sousa Santos Samuel Kilsztajn Alexandre de Freitas Barbosa José Dirceu Fábio Konder Comparato Airton Paschoa José Geraldo Couto Leda Maria Paulani João Adolfo Hansen João Paulo Ayub Fonseca Julian Rodrigues João Carlos Salles Renato Dagnino Mário Maestri Luís Fernando Vitagliano Luiz Werneck Vianna Alexandre Aragão de Albuquerque Alexandre de Lima Castro Tranjan Dênis de Moraes Armando Boito Ronaldo Tadeu de Souza Salem Nasser Claudio Katz Antonino Infranca Celso Frederico João Sette Whitaker Ferreira Luiz Marques Bernardo Ricupero Tales Ab'Sáber Daniel Brazil Liszt Vieira Lorenzo Vitral Michel Goulart da Silva Ronald León Núñez Mariarosaria Fabris Eleonora Albano Slavoj Žižek Marcelo Guimarães Lima Elias Jabbour Eduardo Borges Tarso Genro Valerio Arcary Luiz Bernardo Pericás Valerio Arcary Eugênio Trivinho Walnice Nogueira Galvão Matheus Silveira de Souza Alysson Leandro Mascaro Paulo Martins José Luís Fiori Marcos Aurélio da Silva Gerson Almeida Leonardo Avritzer Flávio R. Kothe Lincoln Secco João Feres Júnior Daniel Afonso da Silva João Carlos Loebens Marcos Silva José Raimundo Trindade Michael Roberts Jorge Luiz Souto Maior Rubens Pinto Lyra Ladislau Dowbor Vladimir Safatle Paulo Nogueira Batista Jr Francisco de Oliveira Barros Júnior Luiz Roberto Alves José Costa Júnior Manuel Domingos Neto André Márcio Neves Soares Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Luis Felipe Miguel Vinício Carrilho Martinez Leonardo Boff Annateresa Fabris Rodrigo de Faria Bruno Fabricio Alcebino da Silva Plínio de Arruda Sampaio Jr. Heraldo Campos Marilia Pacheco Fiorillo Milton Pinheiro Paulo Sérgio Pinheiro Osvaldo Coggiola Paulo Fernandes Silveira Afrânio Catani Andrew Korybko Caio Bugiato Kátia Gerab Baggio Berenice Bento Luiz Carlos Bresser-Pereira Thomas Piketty Bento Prado Jr. Ricardo Musse Rafael R. Ioris João Lanari Bo Jean Marc Von Der Weid

NOVAS PUBLICAÇÕES