Por FABIO PERINA*
Enquanto Trump e Bolsonaro vendem um patriotismo de fantasia, a pergunta persiste: quando a esquerda vai ousar disputar o amor ao país sem medo de suas próprias cores?
Esse breve ensaio emerge diante de um considerável desafio atual de colocar “em jogo” elementos diversos de um fenômeno mais profundo em comum: o (suposto) baixo patriotismo do brasileiro para com sua nação, tendo o futebol como pano de fundo para os principais fenômenos da política.
Irei estabelecer o recorte temporal para essa primeira metade do ano de 2025 e o recorte temático para a camisa amarela (em disputa com a vermelha). Inclusive pelo seu maior potencial de ser “politizado” na abordagem, sobretudo por ser o ano que ganhou a companhia de outro acessório: o boné vermelho (em disputa com o azul).
Sobre política nacional, como premissa e ressalva crucial do pós-2022, que atravessa desde análises profundas a ensaios criativos como esse, não existe “bolsonarismo moderado”! Mas sim oculto (ou “envergonhado” segundo alguns) e em reorganização através de agressivas disputas internas à espera de novo tema e novo momento para tentar novamente ou se massificar eleitoralmente ou arriscar uma nova ofensiva golpista.
Assim como a banalização do termo “polarização” também induz a erros ingênuos. Ora, se há claramente uma extrema-direita, onde estaria uma “extrema-esquerda”?! Ou simplesmente deduzimos que a banalização do termo induz à “normalização” do bolsonarismo?!
1.
Iniciando uma retrospectiva, em janeiro, o principal fato objetivo no âmbito internacional foi a posse do presidente estadunidense Donald Trump do Partido Republicano. O que foi acompanhado de outro subjetivo no âmbito nacional muito sintomático: a adesão de governadores e parlamentares bolsonaristas ao típico boné vermelho “MAGA”. (Obs: sobre bonés, curioso notar que após duas décadas das direitas de diversos países terem buscado uma imagem “descontraída”, vide através do humor para engajar um eleitorado jovem, emergiram casos recentes de seu uso como o coach e candidato a prefeito paulistano Pablo Marçal e o ditador salvadorenho Bukele).
No intuito de ser um material de agitação e propaganda para diversos fins políticos individuais e sobretudo para todo o próprio campo político de extrema direita na expectativa de obterem apoio externo para a anistia à tentativa de golpe entre 2022 e 2023.
Prontamente o governo Lula, ciente da necessidade de retomar a popularidade através de um suposto “giro à esquerda” mais arrojado através da comunicação (vide ter sido na mesma época de uma troca ministerial junto a considerável debate no campo das esquerdas), lançou para seus ministros e apoiadores parlamentares o boné azul “O Brasil é dos brasileiros”.
Prontamente também, vários comentaristas de esquerda acharam de péssimo gosto estético e sobretudo péssima resposta tática aos opositores. Devido ao uso de uma cor mais associada ao Partido Democrata do outro país ao invés de tradicionais símbolos nacionais. E pior, devido à paródia da mesma estrutura discursiva de partidos de extrema direita de Portugal e da Alemanha com ênfase na pauta anti-imigração.
Foi sugerido, por exemplo, apostar em uma pauta oposta e inclusiva do tipo: “o Brasil é para todos”, tal qual uma tão legítima palavra de ordem de cerca de uma década atrás que ecoou, inclusive em estádios europeus: “refugiados, bem-vindos”. “Será que a única alternativa de comunicação direta, e que consegue romper a barragem dialogal que há entre as ações governamentais da atual gestão federal que não chegam as nossas camadas mais populares, é emular e balizar o conservadorismo cotidiano destes grupos?”[1]
Uma crítica acima muito pertinente a qual acrescento outras: justamente nos primeiros meses do ano o imenso sucesso do filme Ainda estou aqui abriu uma imensa brecha para se esboçar algum patriotismo popular em disputa com o patriotismo conservador/reacionário hegemônico. Assim como remete à prolongada indiferença não apenas do governo Lula/PT como de boa parte do campo político das esquerdas de como lidar com a camisa amarela da seleção brasileira.
Com o passar dos meses seguintes, houve a intensa crise da seleção brasileira dentro e fora de campo, levando a debates acalorados como a demissão do treinador Dorival Jr., o afastamento do dirigente Edinaldo Rodrigues e a nova eleição às pressas de Samir Xaud e qual a dependência ou não de Neymar dentro de campo.
Sobretudo após a humilhante goleada de 4 a 1 para a Argentina, em 25 de março, o que foi para muitos comentaristas uma derrota “moral” análoga ao 7 a 1 da Alemanha em 2014. Mas foi em abril um fato novo que literalmente “furou a bolha” do futebol e por dias agitou a política e a sociedade: a especulação de uma possível camisa vermelha para a seleção brasileira usar na próxima Copa do Mundo.
Recuperando algumas discussões daquele período sobre o tema, na “bolha” da maioria dos comentaristas esportivos predominou uma vaga defesa estética da tradição (mútua da seleção e da bandeira) da camisa amarela. Enquanto outros contrapontos moderados, estritamente esportivos, recordaram de exceções (vide a Itália com azul ou a Holanda com laranja sempre citadas) pelas quais nem todas as seleções coincidem com as cores das suas bandeiras.
Assim como também há o contraponto estético apoiado na própria tradição pelo qual o vermelho não está na bandeira, mas tampouco seja uma cor aleatória, pois remete à madeira do pau-brasil que dá nome à nação.
Evidente que mais relevante foi a repercussão na política, sendo previsível que na extrema-direita houvesse reação raivosa de parlamentares bolsonaristas.[2] O que acrescento que há um profundo cinismo nesse campo político, pois ao avançar desde a eleição de 2018 não se preocupou em “politizar” tantos temas como a camisa amarela da seleção, mas agora ao se defender apela a uma postura neutra e apolítica.
Também acrescento sobre outro cinismo mais indireto que, se esse campo político com frequência flerta com o liberalismo de intervenção mínima do Estado na sociedade, não deveria exigir uma proibição estatal formal a uma entidade privada que no caso é a CBF. Em suma, tal qual ideologia quem tem são os outros, quem faz política sempre são os outros!
2.
O bolsonarismo em sua ascensão aderiu às estéticas e sobretudo às bases de apoio do militarismo e fundamentalismo cristão e junto buscou confiscar a camisa amarela da seleção. Desde então, as camisas amarelas e as respectivas bandeiras brasileiras são hegemônicas em seus atos políticos, como herdeiros do antipetismo “visceral” de mobilizações anteriores desde 2013, embora também dividam um espaço minoritário com as bandeiras dos EUA e mais recente de Israel.
Um fragmento bem sintético sobre essas apropriações duradouras por décadas: “Todavia, depois de ser apropriada por um regime político, por uma corporação econômica e por um movimento religioso, a verde e amarela serve agora de uniforme de combate para a extrema direita. O marco histórico que assinala a usurpação do símbolo nacional pelo extremismo político ocorre na cerimônia realizada na Casa Branca, em 2019, quando uma camisa número dez, personalizada, foi entregue por Jair Bolsonaro à Donald Trump. (…) O paradoxo, neste caso, salta aos olhos. A camisa verde e amarela foi historicamente associada à alegria do povo, não ao ódio da elite; à utopia lúdica da república do futebol, não à distopia bélica da tirania das milícias”.[3]
Em termos de conclusão, a mídia esportiva dedica crescente visibilidade aos Estados Unidos pelo fato mais óbvio ter sido a sede do recente Mundial de Clubes entre junho e julho e principalmente que será a sede da próxima Copa do Mundo no mesmo período de 2026. Não me surpreenderia se o evento se tornar um imenso palanque político para a extrema-direita de lá e sobretudo daqui cada vez mais convergentes.
Através de “ex-patriotas” simulando serem refugiados denunciando a “ditadura” da cultura woke e do STF como ameaças ao “Ocidente cristão”! Bem ao gosto das narrativas conspiracionistas preferenciais de cada lado dessa mesma “moeda” (que para nós não deve ter nenhum valor…).
“O bolsonarismo forjou um “tipo ideal” de patriota, que seria um homem ou mulher branca, de camisa da seleção, com uma bíblia numa mão e uma arma na outra, boné do MAGA (Make America Great Again) na cabeça e bandeira de Israel amarrada nas costas. Estética cafona à parte, mais uma vez, como em geral sempre é com o bolsonarismo, a forma (aparência) é estranha ao conteúdo (essência). (…) A bandeira do bolsonarismo e dos falsos patriotas nunca foi a nossa. Por puro senso de oportunidade capturaram o verde e amarelo, forjando à seu favor uma narrativa de nós x eles onde o tipo ideal de brasileiro se restringia à imagem e semelhança do bolsonarismo. Os demais, negros e negras, mulheres, lgbtqi+, indígenas, quilombolas, nordestinos, todes que conformam os 99% que são a maioria deste país, foram rotulados como os “outros”, inimigos internos dentro de seu pŕoprio país”.[4]
No entanto, o recente agravamento da guerra comercial de Donald Trump contra o Brasil tende a gerar prejuízos objetivos a produtores e trabalhadores brasileiros (sobretudo paulistas) atrelados às exportações. Além de abrir uma imensa brecha subjetiva para desmascarar o cinismo desse patriotismo fake de todo o campo bolsonarista, principalmente do “clã” Bolsonaro de seus familiares, e diante do risco iminente de ruptura com o governador paulista Tarcísio de Freitas (quem inclusive nos últimos atos políticos já vinha tentando uma readaptação estética com uma camisa azul da seleção!).[5]
Por fim, como disputas simbólicas são bastante dinâmicas, sobretudo quando aceleradas pela política, enquanto a apropriação bolsonarista da camisa amarela ainda não é revertida, chamou a atenção uma iniciativa recente de Lula. Em um acalorado discurso, de camisa vermelha e boné azul “o Brasil soberano nos une”, sugerindo que há finalmente um giro mais ofensivo e coeso na comunicação governamental (inclusive com potencial de ativar a campanha eleitoral do ano que vem).[6]
*Fábio Perina é doutorando em Educação Física na Universidade Estadual de Campinas (Univamp).
Notas
(1) https://aterraeredonda.com.br/a-guerra-dos-bones/
(3) https://ludopedio.org.br/arquibancada/apropriacoes-da-verde-e-amarela/
(4) https://esquerdaonline.com.br/2025/07/12/o-capitao-esta-nu/
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