Por ALESSANDRO DA SILVA*
A “Lava Jato” é resultado da tendência à politização que caracteriza o direito na periferia do capitalismo e do reformismo do governo petista
Introdução
O anúncio da saída de Deltan Dallagnol do Ministério Público Federal (MPF) foi seguido de reações que, em suma, apontaram essa decisão como prova da instrumentalização da “Operação Lava Jato” para fins político-partidários[i]. Ele apenas teria tirado a máscara e passaria a se dedicar à política de forma explícita[ii], embora já o fizesse quando atuava na força tarefa, na mesma linha de Sérgio Moro.
Naquilo que diz respeito aos fenômenos mais evidentes, essa constatação está correta. Todavia, ao nos contentarmos com a análise superficial, corremos o risco de tomar aparência pela essência[iii] ao imaginarmos que o projeto político que estava por trás da “Lava Jato” – com todos os desdobramentos que vão desde a destituição de Dilma Rousseff da Presidência da República até a eleição de Jair Bolsonaro – foi obra de um grupo de procuradores voluntariosos, chefiados por juiz arrivista. Uma anomalia do sistema de justiça[iv], cuja correção teria iniciado com a anulação das condenações impostas ao ex-Presidente Lula e se consolidado com a saída de Moro do Poder Judiciário e de Dallagnol do MPF. Uma vez corrigido o desvio de rota, o sistema de justiça estaria novamente apto a cumprir sua missão institucional de maneira técnica e imparcial.
Pois bem, o que pretendemos demonstrar no presente artigo é que a tendência à politização[v] é uma característica imanente do sistema de justiça brasileiro, de sorte que a “Lava Jato” é um resultado dessa tendência e não sua causa. Para tanto, inicialmente serão apresentados os fatores estruturais de tal politização, encravados na estrutura e dinâmica do direito nas formações sociais dependentes, que determinam o funcionamento da instância jurídica na periferia do capitalismo.
Em seguida será iniciada a mediação histórica, na qual serão expostas as políticas reformistas do governo do Partido dos Trabalhadores para o sistema de justiça, que acarretaram o incremento material e o fortalecimento político dessas instituições e que constituem os fatores conjunturais de sua politização. Nesse momento, será possível constatar como essas políticas reafirmaram a incidência das leis da dependência sobre o direito, em particular a tendência de avanço das determinações de natureza política sobre aquelas de caráter técnico.
A fim de confirmar essas constatações, os principais eventos da “Operação Lava Jato” serão rememorados, de sorte a desnudar o grau de poder político alcançado pelo sistema de justiça e seu protagonismo nos eventos que resultaram no atual quadro político.
Ao cabo, uma vez identificadas as causas estruturais e conjunturais que permitiram o advento, consolidação e declínio de uma operação como a “Lava Jato”, será possível retirar algumas lições para o planejamento tático da ação política das classes subalternas na busca do horizonte estratégico de emancipação ou, no mínimo, para resistir de maneira mais eficaz aos retrocessos sociais que seguem-se às rupturas institucionais.
Fatores estruturais: a forma jurídica no capitalismo dependente
Segundo a teoria da forma jurídica[vi], o direito é uma forma social típica do capitalismo[vii] que se desenvolve como um reflexo das relações de troca. Como as mercadorias, por si só, não estabelecem relações entre si, é necessária a existência de um sistema de intercâmbio entre os próprios homens para permitir que aquele produto que não tenha valor de uso para seu possuidor, possa ser trocado por um equivalente junto a outro indivíduo e, assim, realizar seu valor de troca. Somente pode haver uma esfera geral de trocas mercantis a partir do momento em que os possuidores de mercadorias se reconhecem mutuamente como tal, o que é proporcionado pela forma jurídica, por meio da figura do sujeito de direito.
A universalização da circulação mercantil somente tornou-se completa com a mercantilização da força de trabalho, o que também acarretou a universalização da figura sujeito de direito, de modo que os indivíduos expropriados da propriedade dos meios de produção pudessem se apresentar no mercado como proprietários de si mesmos, como força de trabalho.
A consolidação de relações sociais pautadas por esse novo paradigma exigiu que a adoção do comportamento de reiteração das práticas mercantis se tornasse voluntária, já que não seria possível impor sua observação para cada cidadão. Nesse intento, a garantia da igualdade formal aos sujeitos de direito foi um fator essencial, pois permitiu o reconhecimento recíproco e momentâneo, apenas para o ato da troca, entre os proprietários de mercadorias a partir comensurabilidade proporcionada pela equivalência[viii]. A participação nesse processo aparece como resultado da vontade livre, não sujeita a nenhum tipo de coação ou violência explícitas, já que cada um cede a sua mercadoria e obtém a mercadoria alheia apenas por meio do consentimento do interlocutor.
Em caso de resistência o comportamento desejado não pode ser imposto pelo próprio mercado, sob pena de ser desvelada a dominação de classe, momento em que surge a necessidade de tratar as condutas desviantes dos padrões de normalidade, função atribuída ao Estado, como um terceiro que, supostamente, se coloca acima dos interesses em disputa.
Desse modo, os vínculos capitalistas formados no circuito de trocas somente são possíveis pela ação coordenada da forma valor, que viabiliza a comensurabilidade das mercadorias, da forma jurídica, que constitui os indivíduos em sujeitos de direito e permite a participação e o reconhecimento recíproco no mercado, e da forma política, que atua como um terceiro em relação aos agentes econômicos, encarregado de assegurar o cumprimento das obrigações contratuais e apropriação do valor pelo sujeito, ou seja, a propriedade privada[ix].
Ao fim e ao cabo, o desenvolvimento de relações sociais de tal natureza elevou a equivalência a elemento constitutivo das relações sociais em relações jurídicas. Essas relações jurídicas são operacionalizadas por meio de uma dogmática jurídica, que constitui uma prática técnica destinada a estabelecer a impessoalidade e a previsibilidade nas relações econômicas[x], bem como para homogeneizar o tratamento recebido pelos possuidores de mercadorias que se encontram para a troca, sem que seja necessário um prévio reconhecimento pessoal. Assim, é a técnica que deve obstar o arbítrio, a parcialidade e o facciosismo na aplicação do direito, o que exige a desconsideração de valores, convicções e até mesmo da história em prol de uma dogmática integralmente idealista.
Além disso, como a lei do valor está no núcleo da sociabilidade capitalista, a equivalência também é um parâmetro para avaliar a justiça nas relações sociais[xi]. A consolidação da sociedade burguesa inaugurou uma época histórica de permanentes transformações, o que alterou radicalmente o modo de vida adotado nas formações sociais pré-capitalistas, que estava fundado na estabilidade proporcionada pela tradição e pela religião. As catástrofes produzidas a partir do despertar de forças produtivas titânicas e as iniquidades decorrentes das próprias leis tendenciais do capitalismo levaram à deterioração dos referenciais de sociabilidade vigentes até então. Coube à equivalência ocupar o lugar desses referenciais, o que permitiu a construção de uma nova sociabilidade, cuja concepção de justiça provém diretamente do equilíbrio nas trocas mercantis.
De todo o exposto, é possível concluir que no processo de constituição, estruturação e desenvolvimento da forma jurídica, a equivalência atua como (i) elemento constitutivo da relação jurídica, o que permite distinguir o jurídico do político; (ii) critério de vinculação técnica, destinado a conferir previsibilidade e segurança nas trocas mercantis; e (iii) parâmetro de justiça, derivado diretamente do equilíbrio das transações mercantis.
Uma vez apresentado o direito em suas determinações fundamentais no modo de produção capitalista, é o momento de reduzir o nível de abstração para compreender quais as determinações que caracterizam a realidade histórico-social da América Latina, para, em seguida, apontar quais os elementos dessas formações sociais que interferem no modo como a forma jurídica nelas se manifesta. Nesse intento, foi adotada a teoria marxista da dependência[xii] que, a partir da utilização precisa do método materialista histórico-dialético, considerou a interferência dos fatores internos e externos na estruturação e na dinâmica das formações sociais dos países periféricos, o que permitiu a apreensão das leis tendenciais que atuam no capitalismo dependente.
Embora inseridos na dinâmica do capitalismo mundial, e nessa condição sujeitos às suas leis tendenciais, os países dependentes se constituem a partir de manifestações específicas dessas leis tendenciais. Portanto, a dependência não caracteriza um outro modo de produção, mas uma forma particular com que o capitalismo se desenvolve nesses países, que engendra “uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência”[xiii].
As determinações da dependência se localizam no cruzamento das relações entre a economia mundial e as formações sociais particulares, o que gera formas e tendências específicas que o modo de produção capitalista assume na realidade objetiva dos países periféricos[xiv]. Não se trata, portanto, de uma abordagem que privilegia o elemento externo em detrimento das características internas das formações sociais dependentes, mas que considera a relação dialética entre esses dois níveis, o que resultará em leis tendenciais específicas. Em suma, “[…] o desenvolvimento histórico das relações de produção capitalistas e o movimento de suas leis de tendência deram vida a fenômenos histórico-sociais que, à base da repetição histórica, converteram-se em regularidades,[…], engendrando leis tendenciais específicas”[xv].
A teoria da dependência dedicou-se justamente a investigar e revelar quais são essas leis tendenciais específicas que determinam a condição dependente dos países periféricos no capitalismo[xvi] e as apontou com precisão: a transferência de valor como intercâmbio desigual[xvii], a superexploração da força de trabalho, categoria central da dependência, e a cisão do ciclo do capital (ou o divórcio entre a estrutura produtiva e as necessidades das massas)[xviii].
Quanto à superexploração, Marx demostrou no Livro III de O capital que os mecanismos de aumento da taxa de mais-valia, como redução salarial e aumento da extensão e intensidade da jornada de trabalho, são comuns a todas as manifestações do modo de produção capitalista, inclusive nos países centrais[xix]. Ocorre que a burguesia dos países periféricos utiliza esses mecanismos como resposta à transferência de valor para os países centrais, pois, como regra, remunera a força de trabalho por um preço abaixo do seu valor, o que faz da superexploração uma tendência estrutural do capitalismo dependente, não meramente conjuntural de caráter evanescente. Essa lei tendencial acarreta um desenvolvimento particular do modo de produção, “[…] fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador, e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva”[xx].
O aprofundamento do desenvolvimento capitalista nesse contexto significa a consolidação dessas leis tendenciais específicas e a consequente agudização das contradições inerentes ao capitalismo, pois a superexploração da força de trabalho produz uma distribuição regressiva da renda e da riqueza, assim como intensifica as mazelas sociais próprias da acumulação capitalista[xxi]. Essa forma peculiar de manifestação do capitalismo engendra relações sociais, políticas e jurídicas que espelham e reproduzem as leis tendenciais particulares da dependência.
Se o direito é forma jurídica, em cujo âmago está a equivalência, como se dá o desenvolvimento da instância jurídica em uma formação social que se caracteriza justamente pela violação reiterada da equivalência consubstanciada na superexploração da força de trabalho?
Desde logo, é necessário asseverar que o direito dos países dependentes também é forma jurídica e, como tal, encontra seu fundamento teórico e sua função aparente no compromisso de garantir a equivalência nas relações entre os possuidores de mercadorias, inclusive da mercadoria força de trabalho.
A forma jurídica é meio de expressão de um conteúdo, que são as relações mercantis capitalistas que, por sua vez, são estruturadas sobre a lei do valor. Ocorre que as relações sociais no capitalismo dependente são marcadas pela superexploração da força de trabalho e, por conseguinte, pela violação reiterada da lei do valor, caractere estrutural dessas formações sociais. Nesse ambiente, desenvolveu-se uma instância jurídica sui generis, marcada por uma tensão entre a forma jurídica (equivalência) e o conteúdo das relações jurídicas (superexploração), o que acarreta efeitos decisivos na sua dinâmica de funcionamento.
Como a equivalência está no âmago do direito, a ponto de caracterizar o elemento constitutivo das relações sociais em relações jurídicas, mas é reiteradamente violada no capitalismo dependente, nessas formações sociais a forma jurídica é incapaz de garantir a igualdade formal entre os sujeitos de direito[xxii], de modo que sua instância jurídica apresenta baixo grau de autonomia em face da política e, como tal, é extremamente suscetível a intervenções fundamentadas no mero exercício do poder.
O aparelho estatal substitui a impessoalidade e previsibilidade decorrentes da aplicação da dogmática jurídica pela arbitrariedade que lhe permite proteger interesses pessoais, paroquiais e de classe. Nesse sentido, existem pesquisas empíricas que, após analisarem milhares de decisões judiciais, constataram “um franco e consistente favorecimento da parte mais forte”[xxiii], assim como que “uma parte com poder econômico ou político tem entre 34% e 41% mais chances de que um contrato que lhe é favorável seja mantido do que uma parte sem poder”[xxiv].
Finalmente, a instância jurídica do capitalismo dependente também não tem compromisso com a justiça, pois erigida sobre relações de superexploração e toda a deterioração social daí decorrente. Se as desigualdades são inerentes ao desenvolvimento das leis tendenciais do capitalismo, nos países dependentes essas contradições são levadas ao extremo, de modo que a barbárie é banalizada no cotidiano das relações sociais. Mesmo quando erigidos complexos e estruturados aparelhos institucionais voltados a concretizar o arcabouço jurídico, seus impactos são pouco palpáveis no cotidiano da população naquilo em que isso poderia significar na elevação do nível de cidadania. Em contrapartida, a utilização do aparelho repressor do Estado para manter o quadro de iniquidade social é legitimada pela instrumentalização arbitrária da dogmática jurídica.
De todo o exposto, é possível constatar que, como expressa relações sociais que não são plenamente determinadas pela equivalência, a instância jurídica que se desenvolveu nas formações sociais dependentes não garante a igualdade formal entre os sujeitos de direito e, por conseguinte, tem baixo grau de autonomia em face da instância política. A técnica é, em grande medida, suplantada pelo arbítrio, no anseio de atender interesses pessoais, paroquiais e de classe. Os parâmetros de justiça são erigidos a partir da naturalização e legitimação de relações sociais marcadas pela barbárie[xxv].
Fatores conjunturais: o reformismo do governo petista
Muito já foi dito acerca da transição pela qual passou o Partido dos Trabalhadores (PT) desde os anos 1970, quando foi fundado e tinha no horizonte a construção do socialismo[xxvi], até o momento em que conseguiu chegar ao poder com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva como Presidente da República, em 2002, no qual já tinha aderido à conciliação de classes[xxvii] e apresentava um firme compromisso com políticas reformistas de viés liberal[xxviii].
Do ponto de vista político-institucional, esse reformismo manifestou-se na crença de que seria possível consolidar a democracia em nosso país a partir do aperfeiçoamento das instituições, nos termos do modelo liberal adotado nos países centrais. Nesse sentido, uma das principais apostas foi o fortalecimento do sistema de justiça[xxix], o que resultou em uma série de medidas que, dentre outras, envolveram uma profunda reforma do Poder Judiciário, levada a efeito pela Emenda Constitucional 45/2004[xxx], e a acentuação do controle judicial sobre a gestão pública e sobre o processo eleitoral, o que exigiu um aumento expressivo da estrutura material das instituições que fazem parte do sistema, em especial o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário.
É sabido que a reforma do Judiciário levada a efeito em 2004, em grande medida, foi inspirada em um relatório do Banco Mundial, elaborado em 1996, no qual essa instituição defendia que:
Devido ao atual estado de crise do Judiciário na América Latina, os objetivos e benefícios da reforma podem ser amplamente agrupados em duas estruturas globais: fortalecer e reforçar a democracia e promover o desenvolvimento econômico. A reforma do Judiciário é necessária para o funcionamento democrático da sociedade, sendo parte de um processo de redefinição do estado em suas relações com a sociedade. Ademais, o desenvolvimento econômico não pode seguir em frente sem uma efetiva definição, interpretação e garantia dos direitos de propriedade. Mais especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e equidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso à justiça e promovendo o desenvolvimento do setor privado.[xxxi]
Esse documento foi alvo de críticas por sugerir a quebra do monopólio do Judiciário na prestação jurisdicional e o reforço das garantias ao direito de propriedade, assim como por se ocupar apenas em promover “o desenvolvimento econômico e do setor privado, fragilizando a expressão institucional do Poder Judiciário e tornando-o menos operante nas garantias de direitos e liberdades, desde que estejam em jogo as necessidades do capital, sobretudo do capital internacional”[xxxii].
De todo modo, a reforma foi aprovada e implantou várias mudanças na estrutura e organização do sistema de justiça, com destaque para: (1) a criação de órgãos de controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público, com funções administrativas e correcionais; (2) a adoção da súmula vinculante, dentre outras medidas de concentração de competências e de centralização de poder nas cúpulas do Judiciário; (3) mudanças no âmbito das justiças especializadas, como a extinção da representação classista e o aumento da competência da Justiça do Trabalho.
Outra frente dessas reformas voltou-se para a acentuação das medidas de controle judicial sobre a gestão pública. Essa tendência já se manifestava desde a Constituição de 1988 e consolidou-se com a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) e com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000). No governo, o PT fez a mea-culpa por ter votado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal[xxxiii] e apostou na ampliação do escopo punitivo dessas normas que, posteriormente, seriam usadas para dar fundamento jurídico ao impeachment.
O ápice desse processo deu-se com a aprovação da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), que criou novos casos de inelegibilidade por uma série de condutas que vão desde improbidade administrativa, demissão do serviço público, abuso do poder econômico ou político, rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, até a condenação por crimes, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado. É bem verdade que essa norma foi resultado de uma mobilização social que colheu cerca de 1,6 milhão de assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular e foi aprovada por unanimidade nas duas casas do Congresso Nacional. De todo modo, a lei caracteriza-se pelo aumento do controle do sistema de justiça sobre o processo eleitoral, em um movimento que transfere para os tribunais a decisão acerca de questões políticas que antes eram objeto da soberania popular.
Esse acréscimo de atribuições motivou a contínua ampliação da estrutura material das instituições que integram o sistema de justiça, tanto no âmbito da União quanto dos estados, com destaque para a criação de novas varas, aumento de vagas em tribunais[xxxiv], acréscimo de procuradorias no Ministério Público, implantação das Defensorias Públicas e incremento da Advocacia Pública (procuradores estaduais, procuradores federais, procuradores da fazenda e advogados públicos).
O aumento desse orçamento foi de tal ordem que, em 2014, nosso sistema de justiça já comprometia 1,8% do PIB, gastos que eram significativamente superiores aos adotados por outros países, a ponto de “a despesa total de países europeus com Poder Judiciário, Ministério Público e legal aid ser bastante inferior à do Brasil, apresentando média de 0,33% do PIB para o continente, com países como Portugal (0,37%), Alemanha (0,35%), Inglaterra (0,32%), Itália (0,3%) e França (0,2%) […]”[xxxv]. Se focado apenas o Poder Judiciário e ainda tendo em conta o ano de 2014, a despesa alcançava 1,3% do PIB, percentual bem superior ao gasto pela Espanha (0,12%), Argentina (0,13%), Estados Unidos (0,14%), Itália (0,19%), Colômbia (0,21%), Chile (0,22%) e Portugal (0,28%).
Além do aspecto material, o fortalecimento do sistema de justiça deu-se sobretudo do ponto de vista político-institucional, visto que alcançou-se um patamar até então inédito de respeito às garantias institucionais[xxxvi] e funcionais[xxxvii] que visam assegurar a independência do Poder Judiciário, assim como das garantias e prerrogativas do Ministério Público e da Advocacia. É bem verdade que esse esforço também tinha por objetivo melhorar o acesso à justiça e, ao cabo, promover a cidadania fundada na igualdade formal, seguindo o modelo dos países centrais. Até certo ponto, esse objetivo vinha sendo alcançado, especialmente no que concerne aos direitos e garantias individuais[xxxviii], direitos coletivos[xxxix] e direitos trabalhistas[xl].
Nesse contexto, havia sinais claros de amadurecimento institucional no Brasil e parecia que, finalmente, o país passaria pela fase de transição rumo à consolidação do regime democrático.
Essa previsão otimista ignorava que as leis tendenciais que determinam a reprodução da dependência impedem o aprofundamento das iniciativas reformistas, pois, conforme sentenciou Ruy Mauro Marini, “o reformismo, pelo próprio fato de abalar a sociedade burguesa até seus alicerces sem se atrever a destruí-la, acaba se transformando na antessala da contrarrevolução”[xli].
Conquanto a profundidade das ações reformistas aplicadas pelo governo do PT no Brasil não possa ser comparada à experiência do governo da Unidade Popular, no Chile do início dos anos 1970[xlii], país que foi objeto dos estudos de Marini, o fato é que nos países dependentes a ação contrarrevolucionária é permanente. Nesse sentido, ao longo de nossa história, o que varia é apenas grau de autoritarismo, de acordo com questões conjunturais[xliii].
Naquilo que diz respeito ao direito, conforme visto no tópico anterior, no capitalismo dependente, a forma jurídica tem uma dinâmica diferente daquela apresentada nos países estabelecidos no centro do sistema capitalista. A violação reiterada da equivalência, perpetrada pela superexploração da força de trabalho, produz uma instância jurídica muito sujeita a interferências de natureza política, o que exige a substituição da dogmática pelo arbítrio e a banalização da barbárie em detrimento da construção de relações sociais mais justas, ainda que nos parâmetros capitalistas. Daí o baixo grau de adoção espontânea das prescrições que se destinam a dar autonomia às relações econômicas e, por conseguinte, de efetividade do direito, característica reiteradamente apontada como marcante nos países dependentes[xliv]. Aqui, mais do que pelo direito (sujeito de direito), o indivíduo torna-se sujeito pelo poder.
Ao contrário do que poderia imaginar um observador reformista, não se trata de uma deturpação ou mau funcionamento do sistema, decorrente de imaturidade institucional, de insuficiente conhecimento técnico dos operadores do direito ou de empobrecimento de uma dogmática importada, mas da constituição de uma instância jurídica ajustada à estrutura social, econômica e política do país:
A agudização dos conflitos sociais no capitalismo dependente e a superexploração trazem consequências sobre o Estado de direito e o peso da lei os quais são minados e aplicados discricionariamente. As leis não escritas têm um peso significativo na vida social. As instituições do Estado, por sua vez, manifestam fragilidade, não por imaturidade, senão pela particularidade que apresenta a imbricação do econômico com o político.[xlv]
Inserido em uma formação social sujeita a essas determinações, ao ser fortalecido tanto do ponto de vista material quanto político-institucional, o sistema de justiça acumulou um tal nível de poder que permitiu aos seus integrantes vislumbrar a possibilidade de apresentarem sua visão de mundo como uma alternativa supostamente ilibada frente a um sistema político-partidário corrompido e desgastado. O esforço inicial empreendido para combater a corrupção e, por consequência manter as regras do jogo do sistema capitalista, deu lugar à explícita instrumentalização do sistema, especialmente na seara penal, para neutralizar adversários políticos.
A autointitulada operação “Lava Jato” constituiu-se na iniciativa mais eficaz, mas não única, desse desiderato.
A “Operação Lava Jato”
A trajetória da operação “Lava Jato” já foi objeto de livros[xlvi], artigos[xlvii] e reportagens, inclusive de veículos da imprensa internacional[xlviii] e, por conseguinte, é bastante conhecida pelo público em geral. De todo modo, vale rememorar alguns dos eventos mais revelantes[xlix] com o fim de permitir uma contextualização mais precisa da mediação história aqui empreendida.
Lançada em março de 2014, a “Lava Jato” foi uma vasta operação que prometia, enfim, acabar com a corrupção que historicamente sangrava as finanças públicas do país. Desde o início ficava claro que as ações eram coordenadas, senão chefiadas, pelo então Juiz Federal Sérgio Moro, com a participação de uma equipe de Procuradores da República, especialmente designados para tal atuação, e da Polícia Federal. Em sete anos de funcionamento, foram emitidos 1.450 mandados de prisão, apresentadas 533 denúncias e 174 pessoas foram condenadas e a colossal soma de 4,3 bilhões de reais foi recuperada aos cofres públicos do país.
A operação também teve desdobramentos internacionais, a ponto de 12 chefes ou ex-chefes de Estado brasileiros, peruanos, salvadorenhos e panamenhos terem sido implicados, com destaque para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A gênese da “Lava Jato” remonta à política expansão da influência dos Estados Unidos em matéria judicial, lançada pelos após os ataques do 11 de setembro, cujo objetivo formal era combater a corrupção e a lavagem de dinheiro, como meio de evitar novas ações terroristas. Sérgio Moro, que em 2004 escrevera artigo[l] sobre a metodologia da Operação Mãos Limpas da Itália no qual trata de delações, vazamentos e destruição de imagem pública, então atuava no caso Banestado e mantinha estreita colaboração com autoridades estadunidenses, em razão do que foi convidado a participar de um programa de relacionamento financiado pelo Departamento de Estado daquele país. Ele aceitou e em 2007 fez uma viagem aos Estados Unidos, durante a qual fez uma série de contatos dentro do FBI, do Departamento de Justiça e do Departamento de Estado[li].
Em seguida, a Embaixada dos Estados Unidos criou o cargo de assessor jurídico, com o escopo de estruturar uma rede alinhada às suas orientações no meio jurídico brasileiro, para o qual foi nomeada Karine Moreno-Taxman, procuradora especializada no combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo. A partir de 2008, ela desenvolveu um programa denominado “Projeto Pontes”[lii], cujos objetivos eram apoiar as necessidades das autoridades judiciárias brasileiras, organizar cursos de formação que lhes permitissem se apropriar dos métodos de trabalho estadunidenses, da sua doutrina jurídica (as delações premiadas, em particular), bem como de intenção de compartilhar informações de maneira “informal”, ou seja, fora dos tratados bilaterais de cooperação judiciária.
Sérgio Moro passou a participar, como palestrante, de seminários e reuniões com juízes, procuradores, policiais e altos funcionários especializados, acerca de aspectos operacionais do combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Em pouco tempo, a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília formou uma rede desses profissionais convencidos da relevância do uso das técnicas americanas.
Em novembro de 2009, durante o IV Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, realizado em Fortaleza[liii], a Sra. Moreno-Taxman afirmou que, na luta contra a impunidade e “em um caso de corrupção, é preciso correr atrás do ‘rei’ de forma sistemática e constante para derrubá-lo”. Na sequência ela sentenciou que “para que o Judiciário possa condenar alguém por corrupção, é necessário que o povo odeie essa pessoa”.
Três meses depois desse congresso, o governo do PT apresentou um projeto de lei anticorrupção, com o qual esperava ganhar influência na cena internacional ao cumprir, em particular, os padrões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico (OCDE). Como resultado desse projeto foi aprovada a Lei 12.846/2013, já no governo Dilma Rousseff e em meio às manifestações de junho de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Nela, foi incluída a maioria dos mecanismos previstos na Lei Americana de Práticas de Corrupção no Exterior (Foreign Corrupt Practices Act – FCPA), cujo objetivo principal era combater atos de corrupção de empresas americanas no exterior, impondo-lhes sanções financeiras[liv]. Por essa lei, qualquer empresa que tenha alguma ligação com os Estados Unidos e que tenha pago um funcionário estrangeiro para fins de corrupção pode ser objeto de uma acusação. Isso, na prática, permite que todas as empresas ao redor do mundo fiquem sujeitas às suas penas, incluindo aquelas que competem com empresas dos Estados Unidos por grandes contratos, como venda de armas e equipamentos, construção e serviços financeiros. Esses conceitos tão elásticos permitiram o aumento das penalidades decorrentes da aplicação do FCPA, de alguns milhões de dólares na década de 1990 para vários bilhões na década de 2010.
Sérgio Moro, por sua vez, posicionava-se publicamente no sentido de endurecer as penas previstas no projeto de lei e garantir a adoção das delações premiadas[lv], o que foi contemplado na Lei 12.850/2013[lvi], intitulada Lei de Combate às Organizações Criminosas, que, dentre outras providências, admitiu a “colaboração premiada” e a “captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos” como meios de obtenção de prova. No início de 2012, ele fora nomeado assistente da Ministra Rosa Weber, recém chegada ao Supremo Tribunal Federal, para auxiliar no julgamento final da Ação Penal 470, o famigerado “Mensalão”. Aparentemente, Moro conseguiu fazer constar expressamente em voto da Ministra a sua tese de que “nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação”. Esse precedente seria adotado literalmente por ele próprio, a frente da “Lava Jato” na época em que a operação voltou-se contra o ex-presidente Lula.
Em novembro de 2013, por ocasião da 30ª Conferência Internacional sobre a Lei das Práticas de Corrupção no Estrangeiro, o procurador-geral adjunto do Departamento de Justiça, James Cole, anunciou que o chefe da unidade da FCPA dos Estados Unidos faria uma viagem ao Brasil a fim de realizar uma “sessão de treinamento”, tal qual já tinha sido feito no México, em outubro daquele mesmo ano[lvii].
Poucos meses antes, Sérgio Moro retomara um antigo caso de lavagem de dinheiro, ligado ao “Mensalão”, que deixara de lado desde 2009, que dizia respeito às relações de Carlos Charter e Alberto Youssef com José Janene, membro do Partido Progressista (PP). Moro visava os investimentos dos dois primeiros na empresa Dunel Indústria, feitos por meio das contas bancárias de um posto de gasolina chamado “Posto da Torre”, em Brasília. O objetivo era investigar se esses investimentos serviam para ocultar lavagem de dinheiro em favor do deputado José Janene.
Ao fazer a ligação entre a Dunel Indústria, com sede no Estado do Paraná, e o posto de abastecimento, por onde passam grandes somas, inclusive para determinados executivos da Petrobras, Moro afirmou sua competência para julgar o caso. Ocorre que a maior parte dos crimes supostamente cometidos por Chater e Youssef tinham acontecido em São Paulo, o que atrairia a competência de um juiz dessa jurisdição para o caso. Todavia, com suporte em decisões de tribunais superiores e de forma surpreendente, Moro manteve a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, na qual atuava. Após seis meses de investigação, ele tinha informações suficientes para expedir os primeiros mandados de prisão.
Em 29 de janeiro de 2014, a nova lei anticorrupção (Lei 12.846/2013) entrou em vigor e em 17 de março desse mesmo ano o grupo de trabalho “Lava Jato” foi criado formalmente pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Nessa época, o membro do Ministério Público Federal que oficiava perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, procurador da República José Soares Frisch, manifestou-se pela incompetência daquele Juízo. Em seguida, ele foi substituído por Deltan Dallagnol, que não voltou a suscitar essa incompetência e passou a chefiar a força tarefa.
Simultaneamente, em setembro de 2014, os Estados Unidos publicaram uma “agenda anticorrupção global” segundo a qual a luta contra a corrupção no exterior (por meio da FCPA) pode ser usada para fins de política externa, a fim de defender os interesses de segurança nacional. Um mês depois, Leslie Caldwell, então procuradora-geral adjunta do Departamento de Justiça, fez um discurso na Duke University, no qual afirmou que: “A luta contra a corrupção estrangeira não é um serviço que prestamos à comunidade internacional, mas sim uma ação coercitiva necessária para proteger nossos próprios interesses de segurança nacional e a capacidade de nossas empresas de competir em escala global”[lviii]. Nessa linha, as gigantes brasileiras da construção Odebrecht, OAS ou Camargo Correa, em plena expansão na América Latina e na África, entraram diretamente na linha de fogo das autoridades estadunidenses.
Em 06 de outubro de 2015, dezessete membros do Departamento de Justiça, do FBI e do Ministério de Segurança Interna dos EUA fizeram uma visita confidencial à força tarefa da “Lava Jato” em Curitiba, ocasião em que receberam uma explicação detalhada dos procedimentos adotados e deram acesso a advogados de empresários potencialmente chamados a “colaborar” com a justiça americana, sem que o Poder Executivo brasileiro fosse informado[lix]. Nessa ocasião foi acertado que cada uma das multas impostas às empresas brasileiras pela FCPA terá que incluir uma parcela destinada ao Brasil e, mais especificamente, à força tarefa da “Lava Jato”[lx].
Na sequência, a Odebrecht foi denunciada nos Estados Unidos, mas como relutava em aceitar o acordo de colaboração premiada, as autoridades estadunidenses determinaram que o banco Citibank desse trinta dias para a empresa encerrar as contas de sua subsidiária americana. Em caso de recusa, os valores depositados nessas contas seriam colocados em liquidação judicial, situação que excluiria o conglomerado do sistema financeiro internacional e, por consequência, acarretaria sua falência, o que levou a Odebrecht a concordar em “colaborar”.
A partir da prisão de Alberto Youssef, no período de 2014 a 2016 seguiram-se prisões preventivas e delações de ex-diretores da Petrobrás e executivos de diversas empreiteiras, em especial da Odebrecht.
A “Operação Lava Jato”, que já contava com todo o apoio dos meios de comunicação do país, também passa receber destaque na mídia internacional. Dentre outras homenagens, Sérgio Moro apareceu para a lista das cem personalidades mais influentes da revista Time[lxi], a revista a Fortune[lxii] o considerou o 13º maior líder mundial, foi eleito pelo jornal britânico Financial Times como uma das cinquenta personalidades mundiais que moldaram os anos 2010[lxiii] e foi homenageado na quarta edição do Brasil Mônaco Project, ocasião em que agradeceu às autoridades do país pela cooperação internacional com as investigações da força tarefa de Curitiba[lxiv].
Enquanto isso, diante da perda de apoio no Congresso Nacional e, por conseguinte, do crescimento da ameaça de impeachment, a presidenta Dilma Rousseff convidou o ex-presidente Lula para assumir o cargo de Ministro da Casa Civil. O telefone de Lula estava grampeado e uma conversa mantida por ele com Dilma, em horário no qual já não havia autorização judicial para a interceptação, foi enviada e publicada pela Rede Globo em pleno Jornal Nacional. Essa conversa foi utilizada para fundamentar uma decisão do Ministro Gilmar Mendes que impediu Lula de assumir o cargo para o qual fora indicado.
O processo de impeachment foi encerrado em 31 de agosto de 2016 e resultou na perda do mandato da presidenta Dilma Rousseff, então substituída pelo Vice Michel Temer.
Nessa época já estava claro que o principal alvo da operação era o ex-presidente Lula, o “rei” que deveria cair, conforme previsto em 2009 pela assessora jurídica da Embaixada dos Estados Unidos, Sra. Karine Moreno-Taxman.
Lula foi condenado no caso do triplex do Guarujá por “corrupção passiva e lavagem de dinheiro” em 12 de julho de 2017, com fundamento em “fatos indeterminados”, o que emerge da sentença de 238 páginas do juiz Moro. Nos embargos declaratórios ele admitiu que “nunca afirmou que os valores obtidos pela empresa OAS com os contratos com a Petrobras foram usados para pagar vantagens indevidas ao ex-presidente”, o que, por si só, seria suficiente para revelar a inexistência de competência para o julgamento do caso.
Essa condenação foi confirmada, em 24 de janeiro de 2018, pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, formada pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus, que ainda aumentou a pena do ex-presidente de 9 anos e meio de prisão para 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado.
O pedido de habeas corpus impetrado por Lula perante o STF foi rejeitado em 04 de abril de 2018, por seis votos contra cinco, na sequência de um tweet de o comandante do Exército ameaçando a Suprema Corte de “assumir suas responsabilidades institucionais” no caso de decisão a favor do ex-presidente. Poucas horas depois dessa decisão, Sérgio Moro emitiu o mandado de prisão, Lula foi preso[lxv] e não pôde concorrer às eleições realizadas naquele mesmo ano.
Uma semana antes do primeiro turno, Moro decidiu levantar o sigilo da delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci, o que até mesmo os integrantes do Ministério Público Federal que atuavam na “Lava Jato” viram como tentativa de influenciar o pleito[lxvi]. No segundo turno, Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial e em seguida nomeou Moro, que afastara Lula da disputa, como Ministro da Justiça.
Do ponto de vista econômico, as cinco maiores empresas de construção no Brasil ficaram arruinadas, a Petrobras reduziu drasticamente os investimentos e toda a cadeia de óleo e gás foi praticamente destruída. Segundo estudo do DIEESE[lxvii], a “Lava Jato” custou 4,4 milhões de empregos e 3,6% do PIB, com o que deixaram de ser arrecadados R$ 47,4 bilhões de impostos e R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre a folha, além de ter reduzido a massa salarial do país em R$ 85,8 bilhões. A operação afetou os setores envolvidos diretamente (petróleo e gás e construção civil), mas também uma gama importante de outros segmentos (devido aos impactos indiretos e ao efeito renda).
No que diz respeito às disputas comerciais internacionais, as empresas brasileiras perderam a capacidade de influência e projeção político-econômica na América Latina e na África, o que deixou o caminho aberto para as empresas estadunidenses.
Os métodos heterodoxos adotados e o conluio entre os procuradores e o juiz da “Lava Jato” passaram a ser conhecidos a partir da publicação no site The Intercept Brasil[lxviii], em junho de 2019, das conversas por eles mantidas em grupos do aplicativo Telegram. Desde então a operação passou a se desintegrar, ao que seguiu-se a libertação do ex-presidente Lula, a saída de Moro do governo Bolsonaro, o encerramento da força tarefa no âmbito do MPF e a anulação das condenações impostas a Lula, em razão da incompetência territorial da 13ª Vara Federal de Curitiba e da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, o que acarretou a anulação de todos os atos processuais por ele conduzidos.
Considerações finais
Por todo o exposto, é possível constatar que a “Operação Lava Jato” não foi obra exclusiva de um juiz provinciano em conluio com procuradores deslumbrados com o poder. Os intentos desses personagens menores não teriam sido alcançados sem a imprescindível participação da Polícia Federal, do Ministério Público, do Tribunal Regional Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, ou seja, de todo o sistema de justiça.
É possível que em algum momento os integrantes dessas instituições tenham agido com o propósito de combater a corrupção e cumprir a missão dos órgãos encarregados de aplicar o direito penal. Todavia, desde o início foram adotadas medidas controvertidas, que não atendiam a mínimos requisitos técnicos[lxix], em claras demonstrações de que a dogmática jurídica seria substituída pelas convicções pessoais dos integrantes da operação, em especial do então juiz Sérgio Moro. Essas decisões arbitrárias eram confirmadas por tribunais superiores, o que legitimava tal atuação perante a opinião pública.
A operação recebia extensa cobertura dos meios de comunicação que, sem demora, passaram a demonstrar explícito apoio ao rumo das ações empreendidas. O acúmulo de poder foi de tal ordem que o sistema de justiça foi alçado à condição de protagonista da vida política nacional, o que permitiu a eclosão da visão de mundo predominante nos integrantes desse aparato estatal. Uma mistura de moralismo com liberalismo econômico era a receita por eles prescrita para desatar as amarras que prendem o país no atraso. Ao cabo, o sistema de justiça foi explicitamente instrumentalizado para a realização de um projeto político: encerrar o ciclo do governo petista na Presidência da República, que já durava mais de uma década, objetivo que, como visto, foi plenamente alcançado.
Essa verdadeira cruzada era, em grande medida, previsível, pois confirmou as tendências que agem sobre o direito no capitalismo dependente, no qual a superexploração da força de trabalho produz uma instância jurídica muito sujeita a determinações de natureza política, em que a técnica é substituída pelo arbítrio e na qual os ideais de justiça dão lugar à banalização da barbárie. Nesse contexto, a crença incondicional de que o fortalecimento do sistema de justiça era parte do processo de consolidação da democracia em nosso país mostrou-se equivocada e revelou desconhecimento das leis tendenciais que determinam a dinâmica de nossas relações sociais.
Em suma, a “Lava Jato” – e todas consequências nefastas por ela produzidas – é resultado da tendência à politização que caracteriza o direito na periferia do capitalismo e do reformismo do governo petista, grupo político que se comportou como uma vítima indefesa por ignorar que estava destinado a ser devorado pela própria criação.
Naquilo que interessa à ação política da classe trabalhadora, essa experiência revela que vencer eleições e alcançar o governo, ainda que em mandatos sucessivos, não é o mesmo que conquistar o poder do estado, mas apenas o primeiro passo para esse intento. Nesse projeto, é urgente retomar o horizonte estratégico que visa a transformação radical de nossas relações sociais, visto que no capitalismo dependente não há possibilidade de desenvolvimento por meio de ações reformistas.
Quanto às tarefas imediatas, é necessário reafirmar que somente a crítica estrutural, inclusive do direito, é que permite a exata compreensão das determinações que atuam sobre a sociedade capitalista e, por conseguinte, conduz à identificação das tendências históricas que nela se manifestam. No que diz respeito aos países dependentes, esse conhecimento é imprescindível para a adoção de medidas que possam ao menos dificultar as rupturas institucionais que, por aqui, a permanente ação contrarrevolucionária das elites não hesita em impor. O desprezo à crítica imanente abre caminho para avaliações superficiais e equívocos táticos que mantêm presentes os riscos de novas investidas do sistema de justiça contra projetos políticos populares que ameacem a perpetuação da superexploração.
*Alessandro da Silva é doutor em direito do trabalho pela USP e Juiz do Trabalho no TRT da 12ª Região/SC.
Referências
CITTADINO, Gisele; DORNELLES, João Ricardo; PRONER, Carol; RICOBOM, Gisele (organizadores). Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula. Bauru/SP: Projeto Editorial Praxis, Canal 6 Editora, 2017.
DA ROS, Luciano. “O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória”. Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR 2.9 (2015): 1-15.
DAKOLIAS, Maria. O setor judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução Sandro Eduardo Sardá, Documento Técnico nº 319, Banco Mundial, Washington, 1996.
DIEESE. Implicações econômicas intersetoriais da Operação Lava Jato. São Paulo, março de 2021. Disponível em <https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/impactosLavaJatoEconomia.pdf>.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. 5. ed., São Paulo: Globo, 2005.
FERRÃO, Brisa Lopez de Mello; RIBEIRO, Ivan César. “Os Juízes Brasileiros Favorecem a Parte Mais Fraca?” (May 15, 2006). Berkeley Program in Law & Economics. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers. Paper 26. Disponível em: <https://cloudfront.escholarship.org/dist/prd/content/qt0715991z/qt0715991z.pdf?t=kro5me>.
FRENCH, John. Afogados em leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. Tradução Paulo Fontes. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.
IASI, Mauro. As metaformoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
KASHIURA JR, Celso Naoto. Sujeito de direito e capitalismo. São Paulo: Outras Expressões; Dobra Universitária, 2014.
LUCE, Mathias Seibel. Teoria marxista da dependência: problemas e categorias. Uma visão histórica. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
MACIEL, Cláudio Baldino. “O Juiz Independente no Estado Democrático”. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/w3/fsmrn/biblioteca/28_claudio_maciel.html>..
MARINI, Ruy Mauro. “Dialética da dependência”. In: STEDILE, João Pedro; TRASPADINI, Roberta (orgs.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2ª ed., São Paulo: Expressão Popular, 2011.
_____. O reformismo e a contrarrevolução: estudos sobre o Chile. Tradução Diógenes Moura Breda. São Paulo: Expressão Popular, 2019
_____. “Sobre a dialética da dependência”. In: STEDILE, João Pedro; TRASPADINI, Roberta (orgs.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2. ed., São Paulo: Expressão Popular, 2011.
_____. Subdesenvolvimento e revolução. Tradução Fernando Correa Prado e Marina Machado Gouvêa. 6. ed., Florianópolis: Insular, 2017
MARX, Karl. Introdução à crítica da economia política. Coleção Os Pensadores. Tradução de Edgar Malagodi. São Paulo: Nova Cultural, 2005.
_____. O capital: crítica da economia política. Livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017.
MASCARO, Alysson. Leandro. Crítica da legalidade e do direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2003.
_____. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.
MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. “A Reforma do Poder Judiciário Brasileiro: motivações, quadro atual e perspectivas”. Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 79-86, abr./jun. 2003.
MORO, Sérgio Fernando. “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Revista CEJ, Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004, pp. 56-62.
OSORIO, Jaime. “Sobre o Estado, o poder político e o Estado dependente”. Temporalis, Brasília (DF), ano 17, n. 34, jul./dez. 2017.
PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929). Tradução Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017.
RIBEIRO, Ivan César. “ROBIN HOOD versus KING JOHN: como os juízes locais decidem casos no Brasil?”. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ipeacaixa/premio2006/docs/trabpremiados/IpeaCaixa2006_Profissional_01lugar_tema01.pdf>.
RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: Aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.
SILVA, Alessandro da. “O direito na periferia do mundo: apontamentos sobre o funcionamento da instância jurídica no capitalismo dependente”. Rebela: revista brasileira de estudos latino-americanos, vol. 9, n. 3, setembro-dezembro de 2019, pp. 403-429.
WINN, Peter. A revolução chilena. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
Notas
[i] “Candidaturas de Moro e Deltan provam que Lava Jato atuou como partido político, diz pesquisador”. Disponível em <https://www.brasildefato.com.br/2021/11/05/candidaturas-de-moro-e-deltan-provam-que-lava-jato-atuou-como-partido-politico-diz-pesquisador>. Acesso em 05.nov.2021.
[ii] Cf. nota da Associação Juízes para a Democracia: “Moro e Deltan sem máscara”. Disponível em <https://ajd.org.br/noticias/2941-moro-e-deltan-sem-mascara>. Acesso em 07.nov.2021.
[iii] “O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento”. MARX, Karl. Introdução à crítica da economia política. Coleção Os Pensadores. Tradução de Edgar Malagodi. São Paulo: Nova Cultural, 2005, pp. 39-40.
[iv] Conjunto de instituições, principalmente estatais, voltadas à aplicação das prescrições estabelecidas pelo direito.
[v] Partimos do pressuposto de que a sociedade é composta por uma instância jurídica e por uma instância política que não se confundem, embora se interrelacionem e interajam com outras instâncias para formar uma totalidade complexa.
[vi] A obra de referência dessa teoria é o livro PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929). Tradução Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017.
[vii] “A evolução histórica traz consigo não apenas uma mudança no conteúdo das normas e uma mudança dos institutos do direito, mas também o desenvolvimento da forma jurídica como tal. Esta última, tendo surgido em certo grau da civilização, passa um longo tempo em estado embrionário, com fraca diferenciação interna e sem se distinguir das esferas contíguas (costumes, religião). Depois, desenvolvendo-se gradualmente, ela alcança seu florescimento máximo, sua diferenciação e definição máximas. Esse estágio elevado de desenvolvimento corresponde a relações econômicas e sociais determinadas. Ao mesmo tempo, esse estágio caracteriza-se pelo surgimento de um sistema de conceitos gerais, que refletem teoricamente o sistema jurídico como um todo completo”. Ibidem, p. 80.
[viii] Cf. KASHIURA JR, Celso Naoto. Sujeito de direito e capitalismo. São Paulo: Outras Expressões; Dobra Universitária, 2014.
[ix] MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 39.
[x] “O nascimento do capitalismo é também, para o direito, o nascimento da plenitude da técnica. A técnica anglo-saxônica, a common law, fez do direito o resultado da previsibilidade dos julgamentos repetidos pelos tribunais, de tal sorte que o burguês inglês sabia como proceder juridicamente em seus negócios porque conhecia a praxe de seus juízes. A técnica da Europa continental, a civil law, é a técnica como constrangimento legislativo das possibilidades do julgamento, por meio da prévia promulgação das leis. A burguesia francesa comercia porque as leis sacramentam o contrato, e não há imprevisto na transação comercial que não esteja previamente albergado em categorias jurídicas.” MASCARO, Alysson. Leandro. Crítica da legalidade e do direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2003, pp. 43-4.
[xi] “A justiça das transações que se realizam entre os agentes da produção repousam no fato de que essas transações derivam das relações de produção como uma consequência natural. As formas jurídicas, nas quais essas transações econômicas aparecem como atos de vontade dos envolvidos, como exteriorizações de sua vontade comum e como contratos cuja execução pode ser imposta às partes contratantes pelo Estado, não podem determinar, como meras formas que são, esse conteúdo. Elas podem apenas expressá-lo. Quando corresponde ao modo de produção, quando lhe é adequado, esse conteúdo é justo; quando o contradiz, é injusto. A escravidão, sobre a base do modo de produção capitalista, é injusta, assim como a fraude em relação à qualidade da mercadoria”. MARX, Karl.. O capital: crítica da economia política. Livro III: o processo global da produção capitalista. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 386-7.
[xii] Constituída entre as décadas de 1960 e 1970, a teoria marxista da dependência enfrentou longo período de obscurantismo, até ser objeto de um resgate crítico iniciado em meados da década de 1990 e de forma mais intensa a partir da primeira década do século XXI. Seus principais expoentes foram André Gunder-Frank, Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio dos Santos.
[xiii] MARINI, Ruy Mauro. “Dialética da dependência”. In: STEDILE, João Pedro; TRASPADINI, Roberta (orgs.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2ª ed., São Paulo: Expressão Popular, 2011, pp. 134-135.
[xiv] LUCE, Mathias Seibel. Teoria marxista da dependência: problemas e categorias. Uma visão histórica. São Paulo: Expressão Popular, 2018., p. 227.
[xv] Ibidem, p. 197.
[xvi] “A tarefa fundamental da teoria marxista da dependência consiste em determinar a legalidade específica pela qual se rege a economia dependente. Isso supõe, desde logo, situar seu estudo no contexto mais amplo das leis de desenvolvimento do sistema em seu conjunto e definir os graus intermediários pelos quais essas leis se vão especificando. E assim que a simultaneidade da dependência e do desenvolvimento poderá ser entendida”. MARINI, Ruy Mauro. “Sobre a dialética da dependência”. In: STEDILE, João Pedro; TRASPADINI, Roberta (orgs.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2. ed., São Paulo: Expressão Popular, 2011, p. 184.
[xvii] A transferência de valor como intercâmbio desigual ocorre quando as nações centrais do capitalismo se apropriam de valor produzido nos países periféricos, o que ocorre por meio da deterioração dos termos de troca no comércio, pagamento de juros, lucros, amortizações, dividendos e royalties, assim como da apropriação de renda diferencial e de renda absoluta de monopólio sobre recursos naturais. LUCE, Mathias Seibel. Teoria marxista da dependência. Op. cit., pp. 51-52.
[xviii] MARINI, Ruy Mauro. “O ciclo do capital na economia dependente”. In FERREIRA, Carla, OSORIO, Jaime, LUCE, Mathias (Orgs.). Padrão de reprodução do capital. São Paulo: Boitempo, 2012.
[xix] MARX, Karl. O capital. Livro III. Op. cit., p. 271.
[xx] MARINI, Ruy Mauro. “Dialética da dependência”. Op. cit., p. 149.
[xxi] MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e revolução. Tradução Fernando Correa Prado e Marina Machado Gouvêa. 6. ed., Florianópolis: Insular, 2017, p. 63.
[xxii] Recorde-se que é a relação de equivalência entre as mercadorias, na medida do valor que carregam, que exige a igualdade entre os sujeitos portadores de mercadorias. Cf. KASHIURA JR, Celso Naoto. Sujeito de direito e capitalismo. Op. cit., p. 168.
[xxiii] FERRÃO, Brisa Lopez de Mello; RIBEIRO, Ivan César. “Os Juízes Brasileiros Favorecem a Parte Mais Fraca?” (May 15, 2006). Berkeley Program in Law & Economics. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers. Paper 26. Disponível em: <https://cloudfront.escholarship.org/dist/prd/content/qt0715991z/qt0715991z.pdf?t=kro5me>. Acesso em 02.dez.2020.
[xxiv] RIBEIRO, Ivan César. “ROBIN HOOD versus KING JOHN: como os juízes locais decidem casos no Brasil?”. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ipeacaixa/premio2006/docs/trabpremiados/IpeaCaixa2006_Profissional_01lugar_tema01.pdf> Acesso em 02.dez.2020.
[xxv] Para um aprofundamento do tema cf. SILVA, Alessandro da. “O direito na periferia do mundo: apontamentos sobre o funcionamento da instância jurídica no capitalismo dependente”. Rebela: revista brasileira de estudos latino-americanos, vol. 9, n. 3, setembro-dezembro de 2019, pp. 403-429.
[xxvi] Cf. IASI, Mauro. As metaformoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento. São Paulo: Expressão Popular, 2006, especialmente a segunda parte da obra.
[xxvii] O maior símbolo dessa postura foi o candidato a Vice-Presidente da República que compunha a chapa encabeçada pelo PT, o empresário do setor têxtil José Alencar, do Partido Liberal (PL).
[xxviii] Em seu discurso de posse na Presidência da República em 2003, Luís Inácio Lula da Silva, afirmou que “Para repor o Brasil no caminho do crescimento, que gere os postos de trabalho tão necessários, carecemos de um autêntico pacto social pelas mudanças e de uma aliança que entrelace objetivamente o trabalho e o capital produtivo, geradores da riqueza fundamental da Nação, de modo a que o Brasil supere a estagnação atual e volte a navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social. O pacto social será, igualmente, decisivo para viabilizar as reformas que a sociedade brasileira reclama e que eu me comprometi a fazer: a reforma da Previdência, a reforma tributária, a reforma política e da legislação trabalhista, além da própria reforma agrária”. Disponível em <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/discursos/discursos-de-posse/discurso-de-posse-1o-mandato>. Acesso em 04.jul.2021.
[xxix] Ao tomar posse como Ministro de Justiça em 03/01/2003, Márcio Thomaz Bastou destacou que dentre seus principais desafios estava a “reconstrução das instituições republicanas que é uma reforma radical do Poder Judiciário, ao qual eu pretendo focar, ao qual eu pretendo dirigir grande parte dos esforços deste Ministério da Justiça que é o ministério da cidadania”, de modo “que a justiça seja mais próxima do povo, seja mais acessível e consiga abranger, trazer para o seu acesso todas as multidões e as maiorias que permaneceram até hoje excluídas dela, como estão excluídas dos bens fundamentais da vida”. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44397.shtml>. Acesso em 04.jul.2021.
[xxx] A Proposta de Emenda Constitucional que resultou na reforma do Judiciário data de 1992 e é de autoria do Deputado Federal petista Hélio Bicudo que, em 2015, seria um dos subscritores do pedido de impeachment, em conjunto com Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal, professores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), que formalizou o golpe de 2016 contra a Presidenta Dilma Roussef.
[xxxi] DAKOLIAS, Maria. O setor judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução Sandro Eduardo Sardá, Documento Técnico nº 319, Banco Mundial, Washington, 1996, p. 19.
[xxxii] MACIEL, Cláudio Baldino. “O Juiz Independente no Estado Democrático”. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/w3/fsmrn/biblioteca/28_claudio_maciel.html>. Acesso em 04.jul.2021. Cf, ainda, MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. “A Reforma do Poder Judiciário Brasileiro: motivações, quadro atual e perspectivas”. Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 79-86, abr./jun. 2003.
[xxxiii] “Dilma elogia Lei de Responsabilidade Fiscal e critica PT por ter votado contra”. Disponível em <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2016/08/29/interna_politica,798574/dilma-elogia-lei-de-responsabilidade-fiscal-e-critica-pt.shtml>. Acesso em 06.ago.2021.
[xxxiv] Vide, por exemplo, a Lei 12.421/2011, que criou 12 (doze) cargos de Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede na cidade de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul.
[xxxv] DA ROS, Luciano. “O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória”. Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR 2.9 (2015): 1-15.
[xxxvi] O art. 96 da Constituição Federal assegura a autonomia administrativa, financeira e orçamentária do Poder Judiciário.
[xxxvii] Aos juízes é garantida a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios, nos termos do art. 95 da Constituição Federal.
[xxxviii] Vide, por exemplo, as decisões judiciais que garantiram direitos decorrentes de uniões homoafetivas e o aborto de fetos anencéfalos.
[xxxix] O ajuizamento de ações civis públicas e ações civis coletivas fizeram valer direitos de coletividades, especialmente nas áreas do consumidor e meio ambiente.
[xl] A expansão da Justiça do Trabalho permitiu que parcelas da população que estavam excluídas pudessem ter acesso à Justiça, por meio de um processo oral e, até então, integralmente gratuito.
[xli] MARINI, Ruy Mauro. O reformismo e a contrarrevolução: estudos sobre o Chile. Tradução Diógenes Moura Breda. São Paulo: Expressão Popular, 2019, p. 23.
[xlii] O governo de Salvador Allende nacionalizou a indústria do cobre, a principal daquele país, nacionalizou grandes e médias indústrias, promoveu a reforma agrária, aumentou os salários e congelou os preços de mercadorias, de modo que promoveu reformas que efetivamente se contrapunham aos interesses gerais da burguesia. Cf. WINN, Peter. A revolução chilena. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
[xliii] “Com a ‘situação sob controle’, a defesa a quente da ordem pode ser feita sem que os ‘organismos de segurança’ necessitem do suporte tático de um clima de guerra civil, embora este se mantenha, através da repressão policial-militar e da ‘compressão política’. Em consequência, a contrarrevolução preventiva, que se dissipa ao nível histórico das formas diretas de luta de classes, reaparece de maneira concentrada e institucionalizada, como um processo social e político especializado, incorporado ao aparato estatal”. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. 5. ed., São Paulo: Globo, 2005, p. 420.
[xliv] “Embora defendam a igualdade jurídica e critiquem o clientelismo, os brasileiros sempre mantiveram em alto grau o que poderia ser visto como um certo cinismo a respeito da lei. Embora as pessoas não se resignem necessariamente a isso, no Brasil se reconhece francamente que há, na prática, uma lei para os poderosos e outra para os fracos, uma para os que têm amigos influentes e outra para os que não os têm. Ou seja, como diz outro provérbio tão preciso quanto malicioso: ‘Para os amigos, tudo; para os inimigos a lei’”. FRENCH, John. Afogados em leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. Tradução Paulo Fontes. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 36.
[xlv] OSORIO, Jaime. “Sobre o Estado, o poder político e o Estado dependente”. Temporalis, Brasília (DF), ano 17, n. 34, jul./dez. 2017, p. 49.
[xlvi] Cf. RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: Aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.
[xlvii] Cf., por exemplo, a coletânea reunida em CITTADINO, Gisele; DORNELLES, João Ricardo; PRONER, Carol; RICOBOM, Gisele (organizadores). Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula. Bauru/SP: Projeto Editorial Praxis, Canal 6 Editora, 2017.
[xlviii] “Operation Car Wash Was No Magic Bullet”. Disponível em <https://www.nytimes.com/2021/02/26/opinion/international-world/car-wash-operation-brazil-bolsonaro.html>. Acesso em 07.ago.2021. “What did Lava Jato, Brazil’s anti-corruption investigation, achieve?”. Disponível em <https://www.economist.com/the-economist-explains/2021/03/09/what-did-lava-jato-brazils-anti-corruption-investigation-achieve>. Acesso em 07.ago.2021.
[xlix] Essa reconstituição histórica fundamenta-se basicamente no trabalho de Gaspard Estrada e Nicolas Bourcier no diário francês Le Monde, intitulada “Lava Jato the Brazilian trap”. Disponível em <https://www.lemonde.fr/international/article/2021/04/11/lava-jato-the-brazilian-trap_6076361_3210.html>. Acesso em 07.ago.2021.
[l] MORO, Sérgio Fernando. “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Revista CEJ, Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004, pp. 56-62.
[li] “Brazil’s new hero is a nerdy judge who is tough on official corruption”. Disponível em <https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/brazils-new-hero-is-a-nerdy-judge-who-is-tough-on-official-corruption/2015/12/23/54287604-7bf1-11e5-bfb6-65300a5ff562_story.html>. Acesso em 08.ago.2021.
[lii] “PROJETO PONTES: BUILDING BRIDGES TO BRAZILIAN LAW ENFORCEMENT”. Disponível em <https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html>. Acesso em 08.ago.2021.
[liii] A programação e os palestrantes podem ser consultados em <http://www.adpf.org.br/adpf/imagens/noticias/chamadaPrincipal/7506_programacao_IV_CNDPF.pdf>. Acesso em 07.ago.2021.
[liv] “FCPA cria sanções no combate à corrupção comercial”. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2012-abr-11/fcpa-cria-sancoes-combate-corrupcao-comercial-internacional>. Acesso em 07.ago.2021.
[lv] “Sérgio Moro defende reforma penal”. Disponível em <https://valor.globo.com/politica/coluna/sergio-moro-defende-reforma-penal.ghtml>. Acesso em 07.ago.2021.
[lvi] A aprovação dessa lei envolveu uma ampla mobilização dos integrantes das instituições que formam o sistema de justiça, várias delas reunidas na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). Os integrantes dessa Estratégia realizam encontros periódicos, sendo que aquele realizado entre 23 e 26 de novembro de 2010 resultou na Carta de Florianópolis, segundo a qual em “no âmbito da ENCCLA, foram elaborados anteprojetos de lei para o aprimoramento da prevenção e repressão da corrupção, da lavagem de dinheiro e do crime organizado. Dentre eles, aqueles que ensejaram o PL 3443/2008, que moderniza a Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), e o PL 6578/2009, que tipifica as Organizações Criminosas e regulamenta a utilização de técnicas especiais de investigação”. O PL 6578/2009 daria origem à Lei 12.850/2013. Disponível em <http://enccla.camara.leg.br/biblioteca/livro-enccla-10-anos/livro-enccla-10-anos>. Acesso em 05.nov.2021.
[lvii] “Lei Anticorrupção do Brasil é mais rigorosa que FCPA”. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2013-nov-21/americanos-consideram-lei-anticorrupcao-brasil-rigorosa-deles>. Acesso em 07.ago. 2021.
[lviii] “For all of these reasons, fighting foreign corruption is not a service we provide to the global community, but rather a necessary enforcement action to protect our own national security interests and the ability of our U.S. companies to compete on a global scale”. Disponível em <https://www.justice.gov/opa/speech/assistant-attorney-general-leslie-r-caldwell-speaks-duke-university-school-law>. Acesso em 07.ago.2021.
[lix] “Como a Lava Jato escondeu do governo federal visita do FBI e procuradores americanos”. Disponível em <https://apublica.org/2020/03/como-a-lava-jato-escondeu-do-governo-federal-visita-do-fbi-e-procuradores-americanos>. Acesso em 07.ago.2021.
[lx] “Desde 2015, Lava Jato discutia repartir multa da Petrobras com americanos”. Disponível em <https://exame.com/brasil/desde-2015-lava-jato-discutia-repartir-multa-da-petrobras-com-americanos>. Acesso em 07.ago.2021.
[lxi] “Sérgio Moro aparece na lista dos ‘100 mais influentes’ da revista Time”. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/04/sergio-moro-aparece-na-lista-dos-100-mais-influentes-da-revista-time.html>. Acesso em 07.ago.2021.
[lxii] “Moro é considerado pela ‘Fortune’ o 13º maior líder mundial”. Disponível em <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sergio-moro-e-considerado-pela-fortune-o-13-maior-lider-mundial,10000023003>. Acesso em 07.ago.2021.
[lxiii] “Sérgio Moro é eleito uma das 50 personalidades da década pelo jornal Financial Times”. Disponível em <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/12/24/sergio-moro-e-eleito-uma-das-50-personalidades-da-decada-pelo-jornal-financial-times.ghtml>. Acesso em 07.ago.2021.
[lxiv] “Sérgio Moro é homenageado em baile de gala em Mônaco”. Disponível em <https://veja.abril.com.br/politica/sergio-moro-e-homenageado-em-baile-de-gala-em-monaco>. Acesso em 07.ago.2021.
[lxv] Lula ainda seria condenado, no caso do Sítio de Atibaia, a 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão em regime fechado.
[lxvi] “Delação de Palocci: procuradores viram tentativa de Moro influenciar as eleições”. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2021-fev-04/procuradores-viram-tentativa-moro-influenciar-eleicoes>. Acesso em 01.ago.2021.
[lxvii] DIEESE. Implicações econômicas intersetoriais da Operação Lava Jato. São Paulo, março de 2021. Disponível em <https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/impactosLavaJatoEconomia.pdf>. Acesso em 01.ago.2021.
[lxviii] A série de reportagens está disponível em <https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato>. Acesso em 07.ago.2021.
[lxix] Veja-se, por exemplo, a questão da incompetência territorial da 13ª Vara Federal de Curitiba, que viria a ser reconhecida pelo STF.