Por IGOR FELIPPE SANTOS*
É preciso desmontar a engenharia de poder do bolsonarismo e enfrentar as raízes da crise brasileira
Os mandantes da extrema direita do ataque de 8 de janeiro de 2023 aos Três Poderes tinham consciência do impacto, dos riscos e das consequências da ação de invasão e depredação dos símbolos da República. Não foi uma operação que saiu totalmente do controle e que tenha tido um desfecho imprevisível.
Os seus mentores sabiam que as imagens seriam reproduzidas nos grandes meios de comunicação, chocariam a maior parte da sociedade, ganhariam repercussão internacional e alimentariam uma forte reação dos poderes constituídos. Era previsível que os vândalos seriam responsabilizados e sofreriam algum tipo de criminalização.
Diante disso, a questão é identificar as motivações da operação que levaram os responsáveis desse ataque a fazê-lo. A partir disso, tomar medidas para frustrar os objetivos velados dos mentores do plano.
Um dos objetivos era mostrar a fraqueza da República, que teve seus símbolos destruídos sem reação das forças de repressão. Milhares de pessoas entraram pela Esplanada, escoltadas pela Polícia Militar do Distrito Federal, invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e destruíram tudo o que encontraram pela frente. As vísceras da debilidade política, institucional, operacional, repressiva e estratégica dos poderes constituídos, depois da posse do novo governo, ficaram à mostra.
O segundo objetivo era mostrar a penetração da extrema direita em camadas do Estado e nos aparelhos de repressão, tanto na base como na alta cúpula das polícias e das Forças Armadas. Não foi apenas uma sequência de erros que viabilizou o ataque às instituições, mas a identidade ideológica de soldados, comandantes e responsáveis políticos com a causa dos manifestantes trajados de verde e amarelo fanáticos pelo líder Jair Bolsonaro.
O terceiro objetivo era atestar que, sob a presidência de Lula, haverá uma grande instabilidade institucional e polarização social, com o aprofundamento da crise da Nova República. Os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo ficarão expostos e, sobretudo, sem garantia da retaguarda do aparato de repressão e, especialmente, das Forças Armadas. Suas decisões poderão sofrer questionamentos que serão levados às últimas consequências, inclusive com ações violentas.
Demonstração política
Por fim, dar uma demonstração absoluta de que existe uma força política enraizada em uma parte da sociedade que não admite o resultado das eleições. Além disso, que não aceita o novo governo e não reconhece a legitimidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim, consolidar uma força política anti-sistêmica que se levanta em um “ensaio geral” contra as instituições e seu jogo de poder, servindo de exemplo para novos protestos violentos e manifestações de desobediência ao comando das forças de repressão.
Os mentores do ataque aos símbolos da República calcularam que, no curto prazo, haveria uma forte reação das instituições atacadas e que o cerco fecharia. É evidente que a demarcação ideológica neste momento de grande emoção com a eleição e posse do Lula levaria o bolsonarismo ao isolamento, à condenação e à execração pública. De certa forma, foi assim durante a pandemia de Covid-19, quando o governo rejeitou as medidas de distanciamento social e ficou isolado, mas foi paulatinamente recompondo suas forças para disputar a eleição de 2022.
Apostas estratégicas
Contudo, as forças da extrema direita fazem duas apostas para que, no futuro, esse ataque seja símbolo de tomada de posição, de firmeza, de coragem e do sacrifício daqueles que se levantaram contra o “sistema” que mantém o país sob perigo.
A aposta do presente é que a reação das instituições não passará de medidas superficiais. Ou seja, que não terão a profundidade necessária para desmantelar a engenharia política do bolsonarismo dentro e fora da ordem, que tem o cérebro nas Forças Armadas e os braços em grupos paramilitares.
Condenar os atos, reprimir, prender, identificar financiadores e expor quem se omitiu é necessário para atingir o bolsonarismo. No entanto, se o processo de criminalização for levado até às últimas consequências chegará a uma barreira que será ultrapassada somente com um embate político. A história ensina que não se resolve com a polícia um problema político.
A aposta do futuro das forças da extrema direita é na profundidade da crise brasileira e na inviabilidade da frente ampla, sob liderança de Lula, manter sua coesão para tomar as medidas necessárias para combater o bolsonarismo, subsistir às contradições que virão com as intempéries da nova gestão e atender as expectativas que gerou na eleição.
Perspectivas
As instituições atacadas tomaram medidas no campo da repressão e da criminalização dos envolvidos. A intervenção federal na segurança pública do DF, a detenção e fichamento dos vândalos, a prisão do comandante da PMDF, o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha e o decreto de prisão do secretário de segurança do DF, o bolsonarista Anderson Torres, buscam dar uma resposta de força diante da exposição de fraqueza.
No entanto, ainda está em aberto o plano de iniciativas para limpar a penetração da extrema direita no comando dos aparelhos de repressão, especialmente nas Forças Armadas, enfrentando a tutela militar sobre a democracia.
A demissão de cargos no Ministério da Defesa e do Hospital das Forças Armadas, ocupados por militares da reserva que participaram dos atos, serve de exemplo para quem está na base, mas não é suficiente. O comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que nos últimos tempos se manifestou diversas vezes sobre a política nacional, mantém silêncio em relação aos atos de destruição, o que revela o vespeiro no Ministério da Defesa.
O desgaste real das instituições, que é o pano de fundo da crise política atual, coloca a refundação do sistema político-institucional como perspectiva para reconstruir a legitimidade dos poderes e unir o Brasil.
Além disso, o combate ao bolsonarismo como força política, ideológica e social implica avançar na organização popular e na construção de uma força social comprometida com a democracia e com um projeto nacional para resolver os problemas das maiorias. A partir disso, incidir e corroer a base de apoio não ideológica alinhada à extrema direita.
A política evolui na velocidade dos novos meios de comunicação digital e acontecimentos extraordinários caem na vala comum e podem mudar de significado em pouco tempo. O que hoje é um episódio detestável poderá, num futuro não tão longínquo, ser considerado como um colossal ato de agitação de massas. As máquinas bolsonaristas de fake news já trabalham para pavimentar desde já uma “nova” interpretação dos acontecimentos.
Caso não seja desmontada a engenharia de poder do bolsonarismo e não se enfrente as raízes da crise brasileira, a explosão de uma nova fase da conflagração política, social e econômica, que se arrasta de forma aberta desde 2013, pode mudar o jogo e reposicionar a extrema direita como alternativa de governo.
*Igor Felippe Santos é jornalista e ativista de movimentos sociais. É apresentador do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato.
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