Reconquistar a classe trabalhadora

Dora Longo Bahia. Revoluções (projeto para calendário), 2016 Acrílica, caneta à base de água e aquarela sobre papel (12 peças) 23 x 30.5 cm cada
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por BERNIE SANDERS*

Se o partido Democrata quer evitar a perda de milhões de votos no futuro, ele deve ser firme e atender às famílias da classe trabalhadora dos EUA

80 milhões de americanos votaram em Joe Biden. Com estes votos contra a intolerância de Donald Trump o mundo pode, coletivamente, suspirar aliviado. O resultado das eleições, porém, revelou também algo que deve ser motivo de preocupação. Trump recebeu em 2020 em torno de 11 milhões de votos a mais do que em 2016, aumentando seu apoio em diversas comunidades em dificuldade – onde o desemprego e a pobreza são altos, o cuidado com a saúde e das crianças é inadequado, e as pessoas mais sofrem.

Para um presidente que mente o tempo todo, a mentira mais grotesca de Donald Trump talvez seja a de que ele, e sua administração, são amigos da classe trabalhadora de nosso país.

A verdade é que Trump colocou mais bilionários em sua administração do que qualquer presidente na história; ele nomeou membros veementemente anti-trabalhistas para o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB) e ofereceu grandiosas isenções fiscais para os muito ricos e para as grandes corporações, enquanto propunha cortes massivos à educação, à moradia e aos programas de alimentação. Trump tentou retirar o plano de saúde de quase 32 milhões de pessoas e produziu orçamentos que demandaram dezenas de bilhões em cortes no Medicare, no Medicaid e na previdência social.

Mesmo assim, um certo segmento da classe trabalhadora de nosso país ainda acredita que Donald Trump está em seu lado.

Por quê?

No momento em que milhões de Americanos vivem no medo e na ansiedade, perderam seus empregos por causa de acordos comerciais injustos e não tiveram aumento salarial real em 47 anos, seus apoiadores o viam como um cara durão e um “guerreiro”. Ele parece estar lutando contra quase todos, todos os dias.

Ele se autodeclarou um inimigo do “pântano”, atacando não apenas os Democratas, mas também os Republicanos que não estavam 100% de acordo com ele e, inclusive, membros de sua própria administração, quem declarou pertencer ao “Estado profundo”. Ele ataca líderes dos países que foram nossos aliados de longa data, assim como governadores, prefeitos e nosso judiciário independente. Ele investe contra a mídia como um “inimigo do povo” e é impiedoso em seus ataques intermináveis contra a comunidade imigrante, contra mulheres que assumem sua voz, contra a comunidade Afro-Americana, a comunidade gay, muçulmanos e manifestantes.

Ele se vale do racismo, da xenofobia e da paranoia para convencer uma vasta parcela da população Americana de que ele se preocupa com suas necessidades, quando nada poderia estar mais longe da verdade. Seu único interesse, desde o primeiro dia, foi Donald Trump.

Joe Biden será declarado presidente no dia 20 de Janeiro, e Nancy Pelosi será a porta-voz do Congresso. Dependendo do que acontecer nas eleições especiais da Georgia, qual partido controlará o Senado ainda é algo incerto.

Mas uma coisa é clara. Se o partido Democrata quer evitar a perda de milhões de votos no futuro, ele deve ser firme e atender às famílias da classe trabalhadora de nosso país que, hoje, enfrentam a maior situação de desespero econômico desde a Grande Depressão. Os Democratas devem mostrar, em palavras e ações, quão fraudulento é o partido Republicano quando ele afirma ser o partido das famílias dos trabalhadores.

E, para fazer isso, os Democratas devem ter a coragem de enfrentar os poderosos interesses especiais que têm estado, há décadas, em guerra contra a classe trabalhadora deste país. Estou falando de Wall Street, da indústria farmacêutica, da indústria de combustíveis fósseis, do complexo militar-industrial, do complexo industrial dos presídios privados e muitas outras organizações lucrativas que continuam a explorar seus empregados.

Se o partido Democrata não consegue demonstrar que se levantará contra essas instituições poderosas e que lutará agressivamente em defesa das famílias dos trabalhadores deste país – sejam elas Negras, Brancas, Latinas, Asiático-Americanas ou Nativo-Americanas – iremos abrir o caminho para que outro líder autoritário de direita seja eleito em 2025. E este presidente pode ser ainda pior do que Trump.

Joe Biden concorreu à presidência com uma forte agenda a favor da classe trabalhadora. Agora, devemos lutar para que ela seja posta em ação e opor vigorosamente aqueles que se colocarem em seu caminho.

Which Side Are You On? Foi uma canção folk escrita por Florence Reece, a esposa de um organizador do Sindicato dos Mineradores quando este entrou em greve em Kentucky em 1931. Os Democratas devem deixar absolutamente claro em que lado estão.

Um lado é a favor do fim dos salários que, de tão baixos, deixam as pessoas passando fome, e defende o aumento do salário mínimo pra 15 dólares por hora. O outro não.

Um lado é a favor da expansão dos sindicatos. O outro não.

Um lado é a favor da criação de milhões de empregos bem-remunerados através do combate à mudança climática e da reconstrução de nossa infraestrutura em colapso. O outro não.

Um lado é a favor da expansão da assistência médica. O outro não.

Um lado é a favor da redução do custo de medicamentos prescritos. O outro não.

Um lado é a favor de licenças familiares e médicas remuneradas. O outro não.

Um lado é a favor da universalização do acesso à pre-escola para todas as crianças de três e quatro anos na América. O outro não.

Um lado é a favor da expansão da seguridade social. O outro não.

Um lado é a favor de tornar as faculdades e universidades públicas livres de mensalidade para famílias de trabalhadores, e da eliminação das dívidas estudantis. O outro não.

Um lado é a favor do fim de um sistema de justiça criminal falido e racista, e de investir na educação e no emprego para os jovens. O outro não.

Um lado é a favor da reforma e da transformação de nosso sistema de imigração em algo justo e humano. O outro não.

A tarefa dos Democratas durante os primeiros 100 dias da administração de Biden é deixar absolutamente claro em qual lado estão, e quem está do outro lado. Isso não apenas é uma boa política pública para fortalecer nosso país. É como vencer eleições no futuro.

*Bernie Sanders é senador do Congresso norte-americano pelo estado de Vermont.

Tradução: Daniel Pavan.

 

 

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A Terceira Guerra Mundialmíssel atacms 26/11/2024 Por RUBEN BAUER NAVEIRA: A Rússia irá retaliar o uso de mísseis sofisticados da OTAN contra seu território, e os americanos não têm dúvidas quanto a isso
  • A Europa prepara-se para a guerraguerra trincheira 27/11/2024 Por FLÁVIO AGUIAR: Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos
  • Os caminhos do bolsonarismocéu 28/11/2024 Por RONALDO TAMBERLINI PAGOTTO: O protagonismo do Judiciário esvazia as ruas. A força da extrema direita tem apoio internacional, recursos abundantes e canais de comunicação de grande impacto
  • O acontecimento da literaturacultura equívoco 26/11/2024 Por TERRY EAGLETON: Prefácio do livro recém editado
  • Os espectros da filosofia russaBurlarki cultura 23/11/2024 Por ARI MARCELO SOLON: Considerações sobre o livro “Alexandre Kojève and the Specters of Russian Philosophy”, de Trevor Wilson
  • Aziz Ab’SaberOlgaria Matos 2024 29/11/2024 Por OLGÁRIA MATOS: Palestra no seminário em homenagem ao centenário do geocientista
  • Não existe alternativa?lâmpadas 23/06/2023 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
  • O premiado Ainda estou aquicultura ainda estou aqui ii 27/11/2024 Por JULIO CESAR TELES: Não é apenas um filme que soube usar recursos visuais, fontes de época ou retratar um momento traumático da história brasileira; é um filme necessário, que assume a função de memória e resistência
  • Não é a economia, estúpidoPaulo Capel Narvai 30/11/2024 Por PAULO CAPEL NARVAI: Nessa “festa da faca” de cortar e cortar sempre mais, e mais fundo, não bastaria algo como uns R$ 100 bilhões ou R$ 150 bilhões. Não bastaria, pois ao mercado nunca basta
  • Guerra na Ucrânia — a escada da escaladaANDREW KORYBKO 26/11/2024 Por ANDREW KORYBKO: Putin viu-se confrontado com a opção de escalar ou de continuar sua política de paciência estratégica, e escolheu a primeira opção

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES