Reflexões sobre a greve nas Universidades federais

Imagem: Paula Schmidt
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por TADEU ALENCAR ARRAIS*

Expressar publicamente uma opinião contrária ao movimento grevista, no contexto do cotidiano acadêmico, não deveria ser motivo de espanto

1.

Expressar publicamente uma opinião contrária ao movimento grevista, no contexto do cotidiano acadêmico, não deveria ser motivo de espanto. Assim funciona uma instituição movida pela autonomia intelectual. Assim funciona o debate político. Decidir, nessa quadra da história, votar contra a decisão de adesão ao movimento grevista merece, no entanto, alguns esclarecimentos. Muitos dos argumentos contrários são justificados.

Tenho, entretanto, dificuldades em não reconhecer alguns pontos positivos na proposta do governo. Parto do princípio que não há paralelo possível entre os dois primeiros anos, mesmo que incompletos, do governo Lula, e os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Parte do argumento que justifica a greve se ancora no diagnóstico da deterioração das condições de trabalho e no subfinanciamento do ensino superior público federal.

Há uma enorme variedade de dados que indicam a pertinência desse argumento. Esse argumento, no entanto, não pode negligenciar que esses problemas não são, propriamente, localizados nos dois últimos anos. Não tenho objetivo de fazer um memorial em defesa das ações do governo Lula no campo da educação. Recordo, entretanto, a rapidez simbólica do governo em reajustar as bolsas dos alunos de graduação e pós-graduação.[i]

Os avanços no financiamento das pesquisas também merecem destaque. A exclusão das chantagens e ameaças em função do exercício da atividade docente é ponto não menos importante. São pequenos avanços, em menos de dois anos, que tem algum impacto na rotina docente e discente e demostram, inequivocamente, uma abertura para o diálogo que não presenciamos no governo de Jair Messias Bolsonaro.

2.

Esses pequenos avanços ainda são insuficientes diante dos desafios colocados, cotidianamente, para todos nós. Mas quem somos nós para um técnico que observa a folha de pagamento nas frias linhas do excel? Considerando os vínculos com o Ministério da Educação, sem a fragmentação funcional, somos 36,13% do total de 1.091.504 de servidores públicos federais ativos (Portal da Transparência, 2024). Essa dimensão é motivo de força e orgulho. O problema é que essa grandeza não é, historicamente, convertida em força política. A dificuldade, sempre apontada, é que os reajustes homogêneos nesse segmento são mais onerosos para o Governo Federal.

É claro que podemos citar e denunciar, até o limite de nossas energias, a política de juros e até mesmo o orçamento secreto que drenam os recursos públicos. Mas o debate, nesse ponto, ultrapassa o sentido corporativo. Precisamos mudar a matriz da política econômica, o que significa repensar, por exemplo, nossa inserção no poder legislativo federal. É triste pensar que não conseguimos, nem mesmo, eleger uma pessoa lúcida e comprometida como o proessor Vladimir Safatle.

Figura 1. Governo Lula – proposta de reajuste e inflação registrada e projetada entre 2023 e 2026. Fonte: https://portaldatransparencia.gov.br/servidores

É nesse contexto político e econômico que exponho uma opinião, sem medo de qualquer tipo de censura, sobre a proposta de reajuste do Governo Federal. A proposta de “zero” reajuste em 2024 é indigesta. Deverá ser revista, até o limite das energias, nas negociações. Uma opção, caso os caminhos burocráticos do orçamento não permitam sua alteração, seria, no mínimo, complementar o reajuste de janeiro de 2025 com a inflação de 2024, passando de 9% para 12,5%. Gostaria, também, de localizar três pontos positivos da proposta, assim como possíveis arranjos para melhoria.

(a) O total de reajuste proposto é superior ao total da inflação acumulada e projetada nos quatro anos do Governo Lula. Esse dado, considerando a situação fiscal do Governo Federal, não é irrelevante.

(b) Ainda é preciso considerar (calcular) o aumento, ainda que pouco, de 0,5% nos intervalos de classe da carreira. Esse aumento, imagino, terá impacto diferenciado, com maior incremento para professores associados e titulares. Seria pertinente e possível elevar o percentual, nos intervalos de classe, em 6%, 5% ou 4%, pelo menos para os professores auxiliares, assistentes e adjuntos, priorizando o início da carreira de um conjunto de servidores que já foram por demais prejudicados com a reforma previdenciária.

(c) O reajuste dos auxílios, registrado no Termo de Compromisso, assinado no dia 25/04/2024, também deve ser considerado. Nesse ponto devemos unir esforços, em nossa agenda, para reduzir qualquer assimetria desses auxílios entre os professores ativos e os professores aposentados.

Enfim, desejo que esse momento político seja movido pela tolerância e paciência diante de uma cultura de participação política, seja individual ou coletiva, sindical ou não, em declínio. Posicionar-se contra a greve e, ao mesmo tempo, expor publicamente esse posicionamento, é um modo de afirmar que a natureza política e pública de nossa atividade, apesar dos ataques dos últimos quatro anos, sobreviveu.

*Tadeu Alencar Arrais é professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Nota


[i] https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2023/02/lula-reajusta-bolsas-de-estudo-e-pesquisa-e-reforca-201ceducacao-e-o-melhor-investimento201d#:~:text=Os%20percentuais%20de%20acr%C3%A9scimo%20v%C3%A3o,mil%20novas%20bolsas%20ser%C3%A3o%20implementadas


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES