Registro sindical

Imagem: Alexander Isreb
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Por LAWRENCE ESTIVALET DE MELLO & RENATA QUEIROZ DUTRA*

O Ministério do Trabalho decidiu conceder registro sindical à Proifes. No entanto, registro sindical não é o mesmo que representação sindical

O Ministério do Trabalho e Emprego, por meio do Departamento de Relações de Trabalho, decidiu conceder registro sindical à Proifes/Federação nesta segunda-feira (10/06/2024), com abrangência nacional, para a representação da “Coordenação das entidades a ela [Proifes] filiadas”. O ato governamental causou perplexidade e indignação na categoria docente nacionalmente, dado que a Justiça Federal de Sergipe havia anulado, em tutela de urgência, o acordo celebrado entre governo federal e Proifes para a base do Andes-SN, no mesmo sentido de decisão da Justiça Federal de Brasília, que já havia decidido, de forma permanente, que a Proifes não pode assinar acordos em nome da categoria docente representada pelo Sinasefe.

Com o registro sindical, algo mudou nesses processos judiciais? As decisões perderam a eficácia jurídica? Pode agora a Proifes/Federação assinar pela categoria docente com o governo federal?

A resposta é não.

Registro sindical não é o mesmo que representação sindical

A Proifes permanece sem legitimidade jurídica e política para assinar acordos com o governo federal em nome da categoria docente. O pedido de registro sindical da Proifes faz dimensionar o tamanho de sua base representativa: em sua última petição no processo de registro junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, a Proifes reivindica ter apenas as seguintes entidades com registro filiadas: ADURN, ADUFRGS, ADUFG, Sindiedutec e Sind-Proifes-Pa.

Uma federação, como discutimos em outro texto,[1] é um conjunto de sindicatos que representam a maioria absoluta de um grupo ou profissão. Constitui-se a partir de pelo menos cinco sindicatos, “desde que representem a maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas” (CLT, art. 534).

Duas irregularidades se expressam na inadequação entre a situação da Proifes e o deferimento de seu registro sindical.

A primeira é que a Proifes não possuía em seu pedido o mínimo de cinco sindicatos representativos da categoria docente em suas universidades. O Sind-Proifes-Pará se coloca como representante de docentes da Universidade Federal do Pará. Como demonstrou Saldanha (2024), esta pretensa representatividade é, no mínimo, questionável, uma vez que os docentes da UFPA são representados pela Adufpa, seção sindical do Andes-SN com mais de 40 anos de existência e 1162 filiados; o Sind-Proifes-PA, por sua vez, possuía apenas 51 filiados em 2017. A entidade teve seu registro sindical deferido durante o governo Bolsonaro, a partir de medidas antissindicais adotadas por aquele governo.[2]

A segunda é que as entidades filiadas à Proifes em seu pedido de registro sindical não representam a maioria absoluta da categoria docente. Entre as 69 universidades públicas no Brasil, apenas três delas (4,34%) foram listadas no pedido de registro sindical como corpo docente representado por sindicato filiado à Proifes, quais sejam, UFRGS, UFRN e UFG. Entre os 38 Institutos Federais no Brasil, apenas um (2,63%) teve seu corpo docente representado por sindicato filiado à Proifes, o IF-PR.

Mesmo com as flagrantes ilegalidades na avaliação da concessão do registro sindical, ele foi deferido, nos seguintes termos: “Coordenação das entidades a ela [Proifes] filiadas que tenham a representação da categoria que Congrega os Sindicatos de Professores e Professoras do Ensino Superior Público Federal e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico Público Federal”.

O ato governamental tem natureza jurídica declaratória e, portanto, apenas reconhece uma situação de fato existente. O registro sindical deferido não atribuiu representação jurídica majoritária a uma entidade que apresenta, em seu pedido de registro, representação de 4,34% dos docentes das universidades e 2,63% de docentes de IFs, mas sim, e apenas, reconheceu a legitimidade desta entidade para a “coordenação das entidades a ela [Proifes] filiadas”.

O registro sindical não se confunde com a representação sindical, nem a precede ou a cria. Representação de categoria não é ato decidido pelo governo, mas atividade dos(as) próprios(as) trabalhadores(as), em seu exercício de auto-organização e auto-regulação, dimensões fundamentais da liberdade sindical e das liberdades democráticas em sentido substantivo. Cabe ao governo apenas respeitar.

Vale esclarecer, ainda, que há precedentes no sentido do reconhecimento da Carta Sindical para mais de uma entidade sindical de grau superior, assegurando representação a mais de uma, respeitados os limites da base de cada uma delas. A partir desse tipo de conformação, assegura-se uma espécie de pluralidade entre as entidades de nível superior, que, todavia, é apenas aparente: não há sobreposição de entidades em relação às respectivas bases. Cada federação representa apenas e tão somente a base a ela vinculada, sem se sobrepor ou adquirir legitimidade sobre a base da outra. Desse modo, cabe à Proifes, se muito, a representação da sua diminuta base, sem avançar sobre a base historicamente conquistada e francamente majoritária do Andes-SN e do Sinasefe.

Condutas antissindicais persistentes são ataques graves à educação e à democracia brasileira

Como exposto, o reconhecimento da Proifes como federação sindical não revoga o registro sindical de Andes-Sn e Sinasefe, que permanecem como entidades sindicais política e juridicamente legítimas para a representação docente em nível federal. É vedada pela Constituição Federal “a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional” (CF, art. 8º, II). O registro da Proifes não se confunde nem com o reconhecimento de representação sindical nacional à Proifes, nem com a atribuição de pluralidade sindical na categoria docente, por meio de ato governamental.

Ainda que um ato governamental pudesse criar representação e desconstitucionalizar a Constituição, a pluralidade sindical teria de respeitar regras de legitimidade negocial. Como discutimos, “mesmo em países nos quais há experiência plena de liberdade sindical, com pluralidade, há regras para a entabulação de negociações coletivas na pluralidade – já que o instrumento pactuado deve ser um só para toda a categoria. Essas regras variam desde a indicação do sindicato mais representativo como titular legítimo da negociação em prol de toda a categoria até a composição paritária de uma frente negocial, considerada proporcionalmente à representatividade de cada grupo. O que não tem precedente, até porque contraditório com qualquer lógica democrática do fazer coletivo, é o sindicato menos representativo assumir a titularidade da negociação em favor de toda a categoria”.[3]

O repentino e estranhamente oportuno – para não dizer oportunista – ato governamental de registro da Proifes, incapaz de conferir legitimidade negocial a esta entidade minoritária, revela a antissindicalidade da conduta do governo, ao facilitar a representação da entidade que escolheu para negociar, em ato de arbitrariedade e desrespeito às escolhas legitimamente realizadas pela categoria docente. O pedido de registro sindical da Proifes foi solicitado no ano de 2009 e deferido apenas em junho de 2024, em meio a um processo de negociação coletiva grevista, no qual a parte concedente do registro, governo federal, é diretamente interessada em que a parte requerente de registro, Proifes, tenha atribuições de frações de representação da categoria docente deferidas. Combinam-se os atos de deferimento de registro sindical sem satisfação dos requisitos legais (CLT, art. 534) e de entabulação de negociação, por toda a categoria, com a entidade sindical menos representativa.

O resultado são condutas antissindicais do governo Lula, que se somam inadvertidamente à posição da extrema direita em relação à universidade e à educação públicas. Cabe lembrar que a Universidade e a categoria docente foram alvos de ataque preferencial dos setores da extrema direita, como ficou evidente com o negacionismo que assolou o Brasil durante o período da pandemia. O papel que o governo Lula indica para a política sindical é bastante explícito: favorecer as posições governamentais. No dia em que este texto é finalizado, o Presidente afirmou que lideranças sindicais “(…) devem ter coragem para acabar com a greve” e que ou o movimento grevista recua, ou será derrotado, por “inanição” ou “desmoralização”.[4]

O acordo da Proifes/Federação com o MGI tem ou não validade jurídica?

A Proifes desinforma a categoria docente ao distorcer informações a respeito do deferimento de seu registro sindical. Em seu site, afirma que: “Ao conceder o registro sindical ao PROIFES, o Ministério do Trabalho legitima a natureza sindical da Federação, habilitando-a ao exercício sem quaisquer limitações, podendo assim, participar de todas as negociações, firmar acordos, enfim, representar amplamente a categoria dos docentes sindicalizados aos seus sindicatos de base”.[5]

Para a Proifes, decorre do mero reconhecimento de sua natureza sindical, por meio do ato governamental de registro sindical, a habilitação de poderes “sem quaisquer limitações”, entre os quais participar de “todas” as negociações e “representar a categoria dos docentes sindicalizados aos seus sindicatos de base”.

A entidade, intencionalmente, confunde registro sindical com representação sindical e legitimidade negocial. Atribui ao ato governamental formal de reconhecimento da entidade como federação sindical poderes que este ato não é capaz de oferecer, como a possibilidade de representação majoritária e “sem quaisquer limitações” da categoria docente.

O registro sindical, primeiro, está limitado à representação da diminuta base sindical do Proifes. Portanto, não cria representação em nível nacional, não legitima negociação e não faz voltar o tempo. Quando celebrava o acordo, a Proifes não possuía registro sindical. O governo federal estava ciente de que não negociava com a representação da categoria docente e resolveu “dar um tiro no pé”.[6] O registro sindical posterior não sana a nulidade que se apodera do acordo assinado, como já declarado judicialmente, até mesmo porque, conforme todos os argumentos aqui trazidos, o novo acordo ainda seria nulo, eis que persistente a ausência de legitimidade negocial da Proifes.

Acumulam-se na política sindical brasileira, protagonizada pelo governo Lula em infelizes episódios negociais com a Proifes/Federação, distorções, oportunismos, ilegalidades e condutas antissindicais, que fortalecem a extrema direita e atacam o movimento da educação no Brasil. Em resposta, a greve da educação federal aponta a disputa estratégica pelo fundo público e constrói importantes aprendizados coletivos na discussão sobre representação sindical e organização política no setor público.

Liberdade sindical é construída, nas ruas, em assembleias, a partir da mobilização consistente e esclarecida da categoria. Liberdade sindical não se faz mediante canetada de órgão do Estado, nem por meio de acordos com autoridades. A greve também ensina sobre esse valor e sobre democracia, e é nesse intuito que a categoria docente persiste mobilizada e em luta, certa de que educa por e para a democracia.

*Lawrence Estivalet de Mello é professor de Direito do Trabalho e Direito Sindical na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

*Renata Queiroz Dutra é professora de Direito do Trabalho na Universidade de Brasília (UnB).

Notas


[1] MELLO, Lawrence Estivalet de; DUTRA, Renata Queiroz. Cinco lições sobre a invalidade do acordo da Proifes com o governo federal. Revista Fórum, disponível em: https://revistaforum.com.br/debates/2024/5/30/cinco-lies-sobre-invalidade-do-acordo-da-proifes-com-governo-federal-por-lawrence-estivalet-de-mello-renata-queiroz-dutra-159686.html

[2] SALDANHA, Henrique. A greve docente federal e o papel da Proifes Federação. Esquerda Online, disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2024/05/29/a-greve-docente-federal-e-o-papel-da-proifes-federacao/

[3] MELLO, Lawrence Estivalet de; DUTRA, Renata Queiroz. Cinco lições sobre a invalidade do acordo da Proifes com o governo federal. Revista Fórum, disponível em: https://revistaforum.com.br/debates/2024/5/30/cinco-lies-sobre-invalidade-do-acordo-da-proifes-com-governo-federal-por-lawrence-estivalet-de-mello-renata-queiroz-dutra-159686.html

[4] AGÊNCIA BRASIL. Lula critica prolongamento da greve dos docentes federais. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-06/lula-critica-prolongamento-da-greve-dos-docentes-federais 

[5] PROIFES. PROIFES-Federação tem Carta Sindical oficializada. Disponível em: https://proifes.org.br/proifes-federacao-tem-carta-sindical-oficializada/

[6] POMAR, Valter. Feijó elege o Proifes. Disponível em: <https://valterpomar.blogspot.com/2024/05/feijoo-e-cupula-do-proifes.html?m=1> Publicado em: 27 mai 2024.


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