Por THAMARA DE OLIVEIRA RODRIGUES*
Trecho da Apresentação do livro recém-editado “Uma latente filosofia do tempo”
Reinhart Koselleck dedicou-se ao longo de sua vida profissional à análise da configuração do tempo que deu forma à modernidade. O historiador alemão identificou que em meados do século XVIII e, sobretudo, durante o século XIX, abriu-se uma fissura que se adensava rapidamente entre o passado e o futuro no mundo ocidental. Os eventos que emergiam no interior dessa conjuntura não podiam ser situados e explicados no repertório da linguagem já sedimentada. Os acontecimentos se distinguiam fundamentalmente dos anteriores, recolocavam determinados entes e se tornavam novos.
A modernidade desvelava-se como uma temporalidade na qual as experiências e as expectativas se transformavam mais rapidamente do que até então havia sido possível imaginar. Desse processo emergiu o fenômeno que compreendemos por “história”. Essa tese atravessa o trabalho do autor. Ela, contudo, mais do que uma caracterização da modernidade, abriga uma latente filosofia do tempo.
A originalidade das reflexões de Koselleck lhe conferem destaque entre os historiadores mais importantes do século XX. Seu trabalho sobre a emergência do caráter histórico do mundo, ao lado de As palavras e as coisas, de Michel Foucault, por exemplo, ganha contornos imprescindíveis. A menção a Foucault nesta introdução sobre Koselleck tem o objetivo de sublinhar a importância de seus diagnósticos sobre a modernidade e a convergência de algumas compreensões. A análise da historicização profunda que invadiu o íntimo das coisas, conferindo a elas um caráter histórico em virtude do qual tudo estaria submetido à transformação, fez com que certa linguagem perdesse seu espaço privilegiado na manutenção da organicidade do mundo.
A verdade desvinculou-se disso que seriam as coisas, ao menos de forma mais natural ou imediata. Ela abrigou-se na passagem do tempo e caberia ao homem percorrê-la. Essa busca se tornou exaustiva e dela emergiram diversas formas de organização social e novas ambições que disputavam espaço. Os caminhos pareciam infinitos em função da multiplicidade dos pontos de vista. A esse processo, Foucault nomeou “crise da representação” e Koselleck chamou “crise das perspectivas” ou “temporalização das perspectivas”.
Essas aberturas, contudo, competiam a partir de uma herança judaico-cristã que se secularizou: a crença de que a passagem do tempo era determinada por princípios previamente dados e desembocaria em realidades perfeitas. Trata-se do progresso como sistematização temporal. Essa lógica, que por muito tempo se confundiu com a própria noção de história, se enraizou na maior parte dos modos de organização do homem moderno. Desse gesto eclodiu o próprio desgaste da modernidade: as expectativas em um progresso universal levaram ao obscurecimento das diferenças e aos totalitarismos do século XX.
A Arqueologia de Foucault e a Historik de Koselleck buscaram identificar e descrever, a partir de suas especificidades, os elementos fundamentais que permitiram o aparecimento de ideias, teorias, políticas e toda e qualquer organização da vida social que surgiu com o homem moderno. Nesses diagnósticos também está presente um movimento crítico no que diz respeito a essas heranças, especialmente àquelas enraizadas na construção do conhecimento ou naquilo que se convencionou chamar de cientificidade.
A potência de seus diagnósticos reside no fato de terem destacado a descoberta mais fundamental da modernidade: as coisas estariam submetidas ao tempo, suscetíveis à transformação. Mas, simultaneamente, apresentaram os limites de tal descoberta: a crença em uma forma de ciência e de organização política redentora e universal pautada pelo progresso. Eles trabalharam para desmistificar o caráter linear e, consequentemente, autoritário dessa reação à mudança temporal que hoje parece (ou deveria) soar óbvio.
Nesse sentido, os autores se dedicaram a certo rompimento com a episteme tradicional, produzindo trabalhos atentos à multiplicidade de significados acumulados também no espaço. Eles contestaram a crença nos supostos sentidos próprios à realidade projetados no/através do tempo. Nesse empenho crítico baseiam-se as “heterotopias” de Foucault e os “estratos do tempo” de Koselleck. Ambos desvelaram o caráter datado ou histórico de uma antropologia filosófica que reduziu o homem e a história a uma racionalidade cartesiana e processual.
Foucault registrou em As palavras e as coisas o caráter passageiro do homem moderno – ele “se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia”; uma “invenção recente”, cujo fim estaria próximo. Koselleck ressaltou algo semelhante. O tipo homem moderno, que se organizou socialmente pela crença na razão e no progresso, se tornou possível em um tempo-espaço particular: “a assimetria entre experiência e expectativa, era um produto específico daquela época[modernidade] de brusca transformação em que essa assimetria foi interpretada como progresso”.
Apesar de ressaltarem o caráter efêmero da própria modernidade, nem Foucault, nem Koselleck se perguntaram objetivamente ou desenvolveram estudos específicos sobre a temporalidade que se seguiu à crise do historicismo e que tomou forma a partir dos colapsos autoritários e belicosos do século XX. Em Koselleck, esse esforço é curiosamente mais ambíguo. Ele sublinhou o caráter datado do progresso, contudo, quando perguntado sobre qual seria a forma do tempo que se seguiu ou se seguiria à modernidade, ele pareceu não compreender a pergunta ou se esquivava dela.
O curioso é que todo seu trabalho alerta para essa transformação, oferecendo categorias para analisá-la. Suas reflexões abordam de forma singular o tempo como uma dimensão da existência. Nelas, destaca-se a compreensão de Edmund Husserl sobre o tempo como a estrutura básica da consciência humana articulada por meio das noções de retenção e proteção sem as quais não seria possível apreender nenhuma experiência. Também dialoga com as concepções de finitude e de historicidade próprias à noção de Dasein em Martin Heidegger.
Mas sua reflexão filosófica sobre a temporalidade, aqui adjetivada como latente, é, por vezes, negligenciada quando se compara à ênfase dada à recepção de Koselleck em sua relação com a história dos conceitos, com a história do iluminismo e com a defesa de protocolos científicos específicos para a disciplina História. Por essa razão, buscamos destacar Reinhart Koselleck não apenas como um dos mais importantes historiadores e teóricos da história do século XX, mas também como um filósofo do tempo, cujas abordagens são centrais aos desafios mais amplos enfrentados pelas Humanidades e pelo mundo contemporâneo.
Heidelberg e a desnazificação
Koselleck entrou para a Universidade de Heidelberg no verão de 1947. Era um momento de reestruturação da vida acadêmica na Alemanha devido aos processos de desnazificação coordenados pelas ocupações americana, soviética, britânica e francesa iniciadas após a rendição alemã em 1945, as quais buscavam banir, por exemplo, das universidades os apoiadores do nacional-socialismo. Heidelberg foi fechada pela ocupação americana em abril de 1945 em razão de parte significativa de seus professores terem tido algum envolvimento com o nacional-socialismo.
Após a desnazificação, ela foi reaberta em janeiro de 1946 e se tornou uma das mais importantes universidades nos debates do pós-guerra. Nesse contexto, Heidelberg reuniu intelectuais de perfis diversos e que foram decisivos na constituição dos interesses intelectuais e profissionais de Koselleck, como Johannes Kühn, considerado um dos fundadores da história dos conceitos, Karl Löwith e Hans-Georg Gadamer. Carl Schmitt e Heidegger, embora banidos oficialmente da docência, também tiveram grande impacto em sua formação. Após cursar os seminários de Alfred Weber, Koselleck se aproximou de Schmitt, e este veio a se tornar uma espécie de mentor informal. Quanto à Heidegger, a sua principal obra, Ser e tempo, era tida em Heidelberg como uma espécie de “livro de iniciação” profundamente estudado nos seminários e grupos de fenomenologia de Gadamer e Franz-Josef Brecht, aos quais Heidegger chegou a comparecer.
A atmosfera do pós-guerra provocou a constituição de uma geração de “intelectuais céticos” formada por jovens que cresceram em meio à guerra, como Koselleck, e que procuravam explicar em suas pesquisas a ascensão do nazismo. Embora cética, não se trata de uma geração com um perfil homogêneo. Como revelam os estudos de Niklas Olsen, Koselleck estaria mais próximo dos liberais conservadores que repercutiriam certo pessimismo. Esse conservadorismo liberal não se aproximava da defesa de posturas antidemocráticas, mas era crítico aos projetos políticos associados à “utopia” – aqueles que acreditavam em algum tipo de redenção do passado recente alemão.
Essa atmosfera também repercute uma crise entre duas gerações – os jovens entre 15 e 30 anos de idade, que responsabilizavam seus irmãos mais velhos e seus pais pelo que ocorrera no país entre 1933 e 1945, e os mais velhos, que argumentavam que os mais jovens deveriam ter protegido o país da experiência nazista. Essa discussão remete à ausência de um sentimento de responsabilidade, o qual a geração seguinte tomaria para si.
Crítica e crise: a arrogância das filosofias da história
A tese de doutorado de Koselleck defendida na Universidade de Heidelberg buscou investigar, inicialmente, a origem da utopia moderna através das críticas de Kant. O projeto, porém, ampliou-se para uma análise do nascimento do pensamento iluminista em geral, associando-o ao que seriam as precondições próprias à constituição do nacional-socialismo e do totalitarismo moderno. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês procurou defender que as experiências autoritárias do século XX não diziam respeito a um fenômeno isolado, mas que teriam se desdobrado das filosofias da história modernas. Elas, juntamente com a ascensão da burguesia, teriam inaugurado uma percepção de mundo que negava o absolutismo por meio de uma perspectiva utópica (direcionamento para o futuro de forma abstrata, idealista e moralizante) que obscureceu a crise que a própria crítica iluminista havia aberto.
Koselleck submeteu a sua tese à avaliação em outubro de 1953. Sem muitas expectativas em torno de uma carreira na Alemanha naquele momento, foi para a Inglaterra, onde trabalhou em uma cadeira de leitor na Universidade de Bristol. No ano seguinte, Crítica e crise foi defendida. Por razões financeiras, a primeira publicação apareceu apenas em 1959, e por uma pequena editora. O trabalho, contudo, está entre os livros mais importantes da segunda metade do século XX, tendo sido traduzido para diversos idiomas.
Destaca-se, entre as contribuições mais significativas da tese, a identificação de uma racionalidade política específica como reação à emergência de uma nova temporalidade. O primeiro capítulo – “A estrutura política do absolutismo como pressuposto do Iluminismo” – descreveu, junto à leitura de Hobbes, o processo de nascimento do Estado absolutista e a consolidação da doutrina da “Razão de Estado” como respostas às guerras civis religiosas que se desdobraram da Reforma e da Contrarreforma.
Nesse processo, ocorreu a “exclusão” da moral das repercussões políticas, tendo em vista que os vassalos transferiram a atividade e a responsabilidade política para o soberano, que necessitava do acúmulo de poder para controlar as guerras civis e garantir a existência do Estado e a segurança dos súditos. Trata-se do início do processo de secularização, no qual o Estado passou a assumir o poder central de organização da vida social, colocando “em segundo plano” o papel da religião.
Os indivíduos, isentos da responsabilidade política, foram reduzidos ao espaço privado, onde surgiu uma moralidade particular que operava em um sistema de segredo, já que o Estado não poderia ser publicamente criticado. Ela permitiu que cada um se tornasse “juiz” autorizado a processar e avaliar moralmente o que seria bom ou mau. Nascia o “reino da crítica” sob o qual se estruturava o mundo iluminista. O tema foi explorado a partir de John Locke no segundo capítulo – “A compreensão que os iluministas tinham de si mesmos e a resposta à sua situação dentro do Estado absolutista”.
Na medida em que o Estado alcançou o controle das guerras civis, o motivo de sua origem e de sua centralidade enquanto força básica à organização da vida político-social começou a perder o seu valor. O “reino da crítica”, outrora ocultado no plano privado, potencializou-se em busca da quebra da hierarquia entre os súditos e o soberano. O poder real passou a ser considerado abusivo – não deveria haver mais súditos ou reis, mas cidadãos.
A separação entre moral e política, realizada antes pelo próprio Estado, se voltou contra ele e a crítica questionou os elementos estruturantes de sua “razão” como a corrupção, a violência, o poder e os estamentos. Após a emergência do “reino da crítica”, o Estado já não poderia existir como havia se constituído até então, a despeito e livre de críticas.
Contudo, do mesmo modo que o Estado absolutista submeteu tudo à sua razão, o “reino da crítica” teria percorrido um caminho similar, isto é, autoritário. O terceiro capítulo – “Crise e filosofia da história” – tematizou como a burguesia, por meio das filosofias da história, adquiriu uma consciência de si original: se via como educadora e representante de uma nova sociedade que negava o Estado e a política construída até então. Ela prometia o fim da violência e da dominação em nome da liberdade e da igualização.
A burguesia, ao negar as instâncias sob a qual a vida era organizada, deixava a história em aberto. Surgiam outros caminhos possíveis para a humanidade a serem disputados: a construção de um Estado liberal, a construção de um Estado socialista, a construção de um mundo sem Estado… Várias possibilidades apareciam e pleiteavam espaço através das filosofias da história – o mundo perdia um sentido geral básico capaz de organizar a vida social, o Estado absolutista.
A abertura para novas possibilidades distantes do absolutismo não era em si o problema. A burguesia assegurada pelas filosofias da história produziu um mundo voltado para a esfera pública, mas os desafios que surgiam eram encobertos por expectativas utópicas no sentido que explicitamos anteriormente. Projetava-se um futuro sem hierarquias. O “reino da crítica”, contudo, adiava para o futuro essa conquista, postergando as responsabilidades políticas dos indivíduos. A crítica burguesa, após a negação da ordem estamental, constituiu uma sociedade que cogitava um modo de vida a partir do qual a violência e o poder eram em si um mal. Quando o absolutismo fosse erradicado, acreditava-se que os reis, o poder e a violência desapareceriam instantaneamente.
Entretanto, a construção dessa sociedade em termos práticos deu-se a partir de mecanismos de regulação da ordem previamente existentes que eram em sua natureza autoritários: a queima de livros, a criminalização dos inimigos, a censura… O caráter violento do absolutismo permaneceu presentificado nas filosofias da história e na sociedade burguesa obscurecido por elas em nome de uma expectativa utópica no que diz respeito ao fim da brutalidade. Nesse aspecto, a análise de Koselleck buscava evidenciar os limites próprios à noção de “espaço público”. Esse espaço performático e agnóstico no qual parte das diferenças seriam expressas e disputadas não se realizou senão nas expectativas dos iluministas.
Koselleck atribuía a patogênese do mundo burguês às utopias modernas que em nome da razão, de um juízo moral universal a ser alcançado pela posteridade, abrigou o germe dos autoritarismos do século XX.
A história na modernidade: em si e para si
Crítica e crise abrigou uma preocupação perseguida por Koselleck durante sua vida intelectual: a transformação sofrida na experiência e na compreensão da h(H)istória a partir de meados do século XVIII. Anteriormente, a história dizia respeito às vivências acumuladas (e mesmo regionais) e que iam sendo narradas à medida que podiam ser utilizadas na vida prática como um âmbito seguro por meio do qual determinados homens poderiam se orientar. Sintetizada no topos ciceroniano – Historia Magistra Vitae – a História (Historie) era um espaço destinado a ensinar a prudência por meio de um repertório de exemplos que se acreditava possível repetir.
Essa dimensão majoritariamente prática da História, entretanto, enfraqueceu-se com o aparecimento de eventos inéditos como a Revolução Francesa. A História enquanto fonte de exemplaridade cedia espaço à história enquanto um percurso autônomo e necessário. Em alemão, a mudança pode ser mais claramente identificada na substituição do termo Historie por Geschichte(a história como acontecimento e autonarração). Trata-se de um fenômeno no qual o antigo espaço da ação e do sofrimento humano capaz de orientar os homens é reorganizado por metanarrativas e pelas expectativas de novos destinos atrelados à história.
Koselleck, retornando criticamente a Hegel, denominou esse fenômeno como a emergência da “história em si e para si”. Há duas consequências complementares que se desdobram desse fenômeno. A primeira é que a história moderna passou a operar como um “singular coletivo”. A crença de que ela atuaria em função de sentidos previamente dados submeteu as experiências particulares ao seguinte ultimato: todo e qualquer acontecimento integraria um télos que cooptava e neutralizava a diferença em nome de uma expectativa universal. A segunda consequência é que a “história em si e para si” teria absorvido também a história enquanto narrativa e fonte de informação para a vida prática (Historie). Isto resultou em uma fusão da experiência e da interpretação na qual os acontecimentos tornavam-se dependentes da elaboração de um sentido dado historicamente.
A experiência moderna da história edificava-se, desse modo, com base em uma ambivalência: ela era compreendida como um sujeito autônomo que poderia atuar livremente sobre os homens determinando os seus destinos e, ao mesmo tempo, um objeto cuja atividade de interpretação, a descoberta desse destino, caberia ao homem por meio das filosofias da história e, posteriormente, dos historicismos. Os exercícios de narrativização e historicização próprios à elaboração crítica da história compuseram a base do que veio a se sistematizar como a disciplina História e do que se convencionou chamar de “ciências humanas” em geral.
O conhecimento, especialmente o histórico e o filosófico, dedicava-se, então, a uma sistematização de interpretações teleológicas que tornavam os eventos uma necessidade, obscurecendo sua pluralidade e contingência. Essa composição legou às humanidades paradigmas epistemológicos vulneráveis a estruturas metafísicas, que atribuíam a responsabilidade pelos desarranjos sociais à providência. Esses paradigmas e suas heranças constituem aquilo que o trabalho de Koselleck procurou combater.
Koselleck aluno de Löwith
As críticas de Koselleck às filosofias da história sofreram influência decisiva do trabalho de Karl Löwith, tendo sido este o segundo avaliador de Crítica e crise. Löwith foi aluno de Husserl em Freiburg, onde também conheceu Heidegger e, posteriormente, tornou-se seu aluno na Universidade de Marburg. Em 1934, no começo de sua carreira acadêmica, foi forçado a abandonar a Alemanha em razão das políticas antissemitas. Nesse período, viveu e lecionou na Itália, no Japão e nos Estados Unidos até retornar à Alemanha em 1952, contando com a ajuda de Gadamer, quando assumiu uma cadeira de Filosofia em Heidelberg.
O sentido da história, um dos principais livros de Löwith, teve grande impacto na formação de Koselleck e é fácil identificá-lo no que tange, especialmente, à preocupação de ambos com o nascimento das filosofias da história modernas como resultado da secularização da escatologia judaico-cristã. Koselleck relatou que o tempo em que trabalhou na tradução dos últimos três capítulos do livro para o alemão foi um dos mais intensos aprendizados de sua vida, levando-o a investigar a secularização junto à emergência de uma configuração temporal inédita. O aluno de Löwith insistiu que a secularização era apenas um dos aspectos de um processo de temporalização.
Löwith argumentou que as filosofias da história remetiam à interpretação sistemática da história como um fenômeno universal. Um princípio – o progresso – reuniria os acontecimentos e os conduziria à realização da perfeição e da salvação humanas. Essa crença adiava o enfrentamento das frustrações mediante a expectativa da perfeição como destino. Trata-se do mundo moderno apresentado como resultado da secularização dos princípios teológicos (herança judaico-cristã) aplicados aos acontecimentos históricos (herança grega).
A presença da herança judaico-cristã na concepção da história moderna vetou a experimentação da frustração em função do permanente adiamento da escatologia (tema em relação ao qual Koselleck deu continuidade em Crítica e crise). Em um contexto intelectual que buscava explicações para a emergência dos totalitarismos e a negação das interpretações progressistas, Löwith apresentou uma noção de história como uma estrutura marcada pela ausência de solução do sofrimento e da dor: a história como “experiência de invariável fracasso”. Há nessa compreensão uma nostalgia pela ideia do cosmos mais próxima ao mundo antigo.
Os gregos seriam mais moderados em suas especulações sobre o destino humano, não ambicionaram identificar um ultimato da história e teriam se relacionado melhor com os ritmos e oscilações temporais. Koselleck, sem repercutir a nostalgia de seu professor, continuava seu gesto crítico em relação ao entusiasmo utópico moderno. Mas insistia em uma diferenciação: o processo de secularização, embora central à modernidade, desdobrava-se de um fenômeno mais radical – a crise de certa temporalidade que tomou forma por meio de uma “aceleração temporal”.
*Thamara de Oliveira Rodrigues é professora de história na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
Referência
Reinhart Koselleck: Uma latente filosofia do tempo. Organização: Hans Ulrich Gumbrecht e Thamara de Oliveira Rodrigues. Tradução: Luiz Costa Lima. São Paulo, Unesp, 2021, 164 págs.