Cúpula para o internacionalismo da vacina

Imagem: Min An
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JEREMY CORBYN & NIKI ASHTON*

Os líderes do G7 são culpados pelo nacionalismo da vacina – esta postura vergonhosa  prolongará a pandemia.

Na semana passada, os presidentes e primeiros-ministros do Grupo dos Sete (G7) – com a apresentação do britânico Boris Johnson e do canadense Justin Trudeau – reuniram-se em Cornualha com a incumbência de desenvolver um plano para acabar com a pandemia de Covid-19, que já custou pelo menos 4 milhões de vidas, com a contagem prosseguindo.

Falharam. Em termos simples, o plano anunciado de doar 1 bilhão de doses da vacina contra a Covid-19 é muito lento e irrisório para deter a propagação viciosa do vírus. Ele destina menos de 10% das doses necessárias para vacinar o mundo, e as distribui durante um ano e meio. Como disse o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres: “Precisamos de mais do que isso”.

As vítimas deste fracasso não são apenas comunidades vulneráveis em regiões como a África Subsaariana ou o Sudeste Asiático, que, nas taxas atuais, segundo pesquisas da Aliança, levariam 57 anos para atingir a vacinação em massa. Ao permitir o surgimento e a propagação de cepas mutantes, o plano do G7 ameaça trazer a pandemia de volta a países como o Canadá e o Reino Unido, apagando o progresso que já fizemos para proteger nossas comunidades do vírus.

Precisamos urgentemente de uma alternativa ao plano do G7 – uma alternativa que seja global, viável e seriamente focada no fim da pandemia em vez de proteger corporações farmacêuticas ou vender um enredo de boa vontade caridosa dos nossos países.

É por isso que estamos unindo forças com governos, oficiais de saúde e fabricantes de vacinas de todo o mundo numa Cúpula para o Internacionalismo da Vacina. Organizada pela Internacional Progressista, a cúpula visa desenvolver um plano comum para vacinar o mundo através do compartilhamento de tecnologia, investimento na produção e entrega de vacinas a todas as partes do planeta. Longe de um pódio para declarações políticas, a cúpula apela a todos os participantes para que assumam compromissos concretos no sentido de uma verdadeira alternativa ao plano fracassado do G7.

Sabemos que estes compromissos começam em casa – no Canadá e no Reino Unido. Nossos governos têm desempenhado um papel vergonhoso no prolongamento desta pandemia. Eles são culpados precisamente pelo nacionalismo da vacina que a cúpula pretende suplantar.

No Reino Unido, o governo de Boris Johnson tem sido um ardente opositor da dispensa da propriedade intelectual das vacinas que foi apresentada à Organização Mundial do Comércio (OMC) por mais de 100 nações por todo o mundo. Mesmo quando países como os Estados Unidos, França e Espanha abrandaram sua posição sobre patentes de vacinas, o Reino Unido continua ignorando os apelos de cientistas, médicos e cidadãos para acelerar a produção de vacinas, liberando a tecnologia de corporações farmacêuticas como a AstraZeneca – apesar da vacina da AstraZeneca ter sido alegadamente financiada com 97% de recursos públicos do Reino Unido.

No Canadá, o governo de Justin Trudeau não tem se comportado melhor. Trudeau pode afirmar que o Canadá “não está interferindo ou bloqueando” o esforço global para retirar as patentes das vacinas, mas os registos mostram o contrário. Ainda no mês passado, por exemplo, o governo da Bolívia chegou a um acordo com a fabricante de medicamentos canadense Biolyse para adquirir desesperadamente as vacinas necessárias para o país sul-americano, que só conseguiu vacinar 5% de seus cidadãos. Mas o governo de Trudeau recusou-se a conceder a licença obrigatória que permitiria à Biolyse produzir as vacinas.

Em dezembro, o governo de Trudeau pediu aos proponentes da retirada na OMC evidências “concretas” de que as patentes restringiram seu acesso às vacinas contra a Covid-19. Agora, o governo boliviano providenciou-a – mas o governo canadense continua apoiando o sistema farmacêutico desmantelado, com um efeito mortal.

Além disso, o fracasso do Canadá em recuperar um laboratório de propriedade pública, Connaught Laboratories, que foi privatizado nos anos 80, custou aos canadenses e ao mundo nesta pandemia. Connaught estava na vanguarda da inovação em vacinas em nível nacional e internacional. Sem ele, o Canadá não seria capaz de produzir publicamente vacinas para seus próprios cidadãos durante esta pandemia, nem produzir vacinas para compartilhar com o mundo.

A Cúpula para o Internacionalismo da Vacina é uma oportunidade para ouvirmos de participantes como Rogelio Mayta, o ministro das relações exteriores da Bolívia, sobre os desafios que seu país enfrenta, as oportunidades de cooperação do Sul Global para pôr fim à pandemia, e a obrigação histórica que temos de ajudá-los.

Ficamos indignados, mas não surpresos com o fracasso dos líderes do G7 em cumprir esta obrigação. Agora, temos uma oportunidade de nos reunirmos numa reunião global para levar a sério a produção, distribuição e entrega de vacinas ao mundo. Esperamos que se juntem a nós.

*Jeremy Corbyn é membro do parlamento inglês. Foi líder do Partido Trabalhista e líder da Oposição na Câmara dos Comuns do Reino Unido de 2015 a 2020.

*Niki Ashton é membro da Câmara dos Comuns canadense.

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Publicado originalmente no jornal The Independent.

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • O triste fim de Silvio Almeidasilvio almeida 08/09/2024 Por DANIEL AFONSO DA SILVA: O ocaso de Silvio Almeida é muito mais grave que parece. Ele ultrapassa em muito os eventuais deslizes deontológicos e morais de Silvio Almeida e se espraia por parcelas inteiras da sociedade brasileira
  • A condenação perpétua de Silvio AlmeidaLUIZ EDUARDO SOARES II 08/09/2024 Por LUIZ EDUARDO SOARES: Em nome do respeito que o ex-ministro merece, em nome do respeito que merecem mulheres vítimas, eu me pergunto se não está na hora de virar a chave da judicialização, da policialização e da penalização
  • As joias da arquitetura brasileirarecaman 07/09/2024 Por LUIZ RECAMÁN: Artigo postado em homenagem ao arquiteto e professor da USP, recém-falecido
  • O caso Silvio Almeida — mais perguntas que respostasme too 10/09/2024 Por LEONARDO SACRAMENTO: Retirar o ministro a menos de 24 horas das denúncias anônimas da Ong Me Too, da forma como foi envolvida em licitação barrada pelo próprio ministro, é o puro suco do racismo
  • Silvio de Almeida e Anielle Francoescada espiral 06/09/2024 Por MICHEL MONTEZUMA: Na política não há dilema, há custo
  • Silvio Almeida — entre o espetáculo e o vividoSilvio Almeida 5 09/09/2024 Por ANTÔNIO DAVID: Elementos para um diagnóstico de época a partir da acusação de assédio sexual contra Silvio Almeida
  • Ken Loach – a trilogia do desamparocultura útero magnético 09/09/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: O cineasta que conseguiu capturar a essência da classe trabalhadora com autenticidade e compaixão
  • A bofetada do Banco CentralBanco Central prédio sede 10/09/2024 Por JOSÉ RICARDO FIGUEIREDO: O Banco Central pretende aumentar a taxa Selic, alegando expectativas de inflação futura
  • Silvio Almeida: falta explicarproibido estacionar 10/09/2024 Por CARLOS TAUTZ: Silvio Almeida acusou a Mee Too de ter agido para influenciar uma licitação do MDH por ter interesse no resultado do certame
  • A chegada do identitarismo ao Brasilcores vivas 07/09/2024 Por BRUNA FRASCOLLA: Quando a onda identitária varreu o Brasil na década passada, os seus oponentes tinham, por assim dizer, uma massa crítica já formada na década anterior

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES