Por FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*
No campo eleitoral, vencemos o fascismo
Em dezembro de 1989, os brasileiros foram às urnas, em segundo turno, para escolher o presidente da República, após duas décadas de regime militar. De um lado, estava Fernando Collor de Melo (PRN), representando os interesses das elites econômicas. De outro lado, a candidatura popular de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na época, apesar de ter apenas nove anos, eu já me interessava por política. Como todo indivíduo que almeja por uma sociedade justa, sem a manutenção de determinados privilégios, fui a favor de Lula. Lembro que aquele pleito dividiu a sociedade brasileira, naquilo que costumam chamar de “polarização”. Fernando Collor liderava as pesquisas de intenção de votos (já havia vencido o primeiro turno), mas, à medida que ia chegando o dia da eleição, Lula se aproximava de seu rival. A virada não era somente possível, como também se mostrava, matematicamente, uma tendência. No entanto, às vésperas da eleição, dois fatores surgiram como “baldes de água fria” para nós da esquerda.
No programa de Fernando Collor do horário eleitoral gratuito, uma ex-namorada de Lula acusou o petista de pedir a ela para abortar uma gravidez. Já no Jornal Nacional foi exibido um (manipulado) compacto sobre o último debate entre presidenciáveis, em que foram enfatizados os piores momentos do petista e as melhores falas do candidato do PRN.
Jamais saberemos se esses dois acontecimentos foram determinantes para a vitória de Fernando Collor, ou mesmo em que medida influenciaram na perda de votos da chapa petista. O fato é que aquele pleito polarizado deixou um sentimento de decepção que acreditávamos nunca mais ser reparado. As outras quatro eleições que Lula disputou foram bastante previsíveis, os brasileiros foram às urnas praticamente já sabendo o resultado (tanto nas duas derrotas para Fernando Henrique Cardoso; quanto nas duas vitórias sobre Serra e Alckmin). Muitos na esquerda, até hoje, pensam em como o Brasil teria avançado no tocando à justiça social se Lula tivesse tomado posse em 1990.
Após os dois mandatos de Lula, vieram seis anos de Dilma Rousseff, um golpe de Estado, governo Temer e prisão de Lula (com sua consequente perda de direitos políticos). O PT até tentou lançar o ex-presidente como candidato ao Planalto, em 2018, mas acabou o substituindo por Fernando Haddad, que perdeu a eleição para Jair Bolsonaro.
Com todas as reviravoltas do cenário político, eis que, em 2022, o quase improvável aconteceu. Lula teria a oportunidade de disputar um segundo turno tão polarizado quanto aquele do longínquo 1989. Só que, neste ano, o adversário da vez, Jair Bolsonaro, possuía mais “armas” e jogava muito mais sujo do que Fernando Collor.
Se, na primeira eleição após o regime militar, Lula enfrentava as elites e a grande mídia; em 2022, o petista, além de seus opositores históricos, também teve que derrotar o fanatismo religioso, as milícias, uma Polícia Rodoviária Federal partidária, as fake news, a máquina pública e, principalmente, o fascismo.
Entretanto, no segundo turno entre Lula e Jair Bolsonaro, os eleitores poderiam comparar os mandatos presidenciais de ambos os candidatos (o que não era possível em 1989). Enquanto o governo Lula foi marcado por inclusão social, construção de universidades, valorização das artes, protagonismo do Brasil no cenário internacional e incentivo à ciência; o mandato bolsonarista foi caracterizado pelo alto custo de vida, milhões de famintos, ataques aos direitos trabalhistas, delírios ideológicos, desmatamento da Amazônia, descaso com a Educação, ódio à ciência e uma desastrosa gestão pública em relação à pandemia da Covid-19. Nunca foi tão fácil escolher um presidente.
Estes e outros fatores nos indicavam que mais quatro anos de Jair Bolsonaro seria um mergulho num tipo de obscurantismo que nos remeteria aos piores momentos da história brasileira (ou mesmo da humanidade). Não por acaso, muitos afirmavam que 2022 era a “eleição presidencial mais importante das nossas vidas”. O próprio Lula declarou: “Foi a campanha mais difícil da minha vida. Não foi uma campanha de um homem contra outro, foi uma campanha de quem ama a democracia contra quem é a favor do autoritarismo”.
Portanto, não havia outra opção: era vencer ou vencer. Felizmente, ao contrário de 1989, o resultado das urnas foi favorável. Assim que foi anunciado Lula como presidente eleito, me veio à mente aquela acirrada disputa com Collor (até mesmo o clássico jingle “Lula lá”” foi regravado este ano, dado a similaridade entre as campanhas). Pelo menos no campo eleitoral, vencemos o fascismo. Aquela emblemática derrota em 1989 teve, enfim, sua devida reparação histórica.
*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).
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