Retornos do regicídio

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Por LUIZ RENATO MARTINS*

Considerações sobre uma série de obras de Édouard Manet intituladas “A execução de Maximiliano”

 Édouard Manet, A Execução de Maximiliano, 1868-9, tela final, Mannheim, óleo sobre tela, 252 x 302 cm, Städtstiche Kunsthalle.

Arqueologia crítica

Ao observador da obra de Édouard Manet (1832-1883) e da história da arte moderna, o tema da execução de Maximiliano de Habsburgo, tratado pelo pintor em várias versões, aparece como um labirinto que muitos evitam enfrentar. Com frequência, sustenta-se que teria ocorrido como mero exercício circunstancial, não representativo da obra. Porém, a insistência do pintor, que voltou ao tema pelo menos cinco vezes entre julho de 1867 e 1869, demonstra o contrário.[i]

Com efeito, séries de disparates acumularam-se ao longo das gerações em torno de tais telas, praticamente soterrando-as para o olhar desavisado. Para enxergá-las, pois, é necessário remover antes tais obstáculos – verdadeiros extratos de chavões ideológicos e clichês historiográficos – distribuídos em camadas, que constituem diferentes condensações histórico-geológicas. Iniciemos esta operação de arqueologia crítica, examinando alguns dos equívocos que marcaram época.

Em primeiro lugar, contrariamente à suposição correntemente aceita de que o tema seria acidental, nenhum outro terá recebido de Manet atenção tão cuidadosa e insistente. Por cerca de dois anos, o pintor se demorou na questão. As distintas e sucessivas versões caracterizam não um conjunto de telas supostamente equivalentes, tal como as vistas seriais da catedral de Rouen (1894) por Monet (1840-1926), mas uma obra em progresso. Em síntese, a tela final, hoje em Mannheim, é a resultante ou o corolário de uma progressão. Manet nunca exibiu as telas precedentes.

Não pretendo com isso diminuir o interesse dos trabalhos preliminares, mas ressaltar o empenho sistemático com que foi conduzido o processo de construção pictórica até sua conclusão. O pintor atribuía a tal quadro um valor emblemático dentro da sua obra.[ii] A tela se constituiu, portanto, como suma poética, da qual é preciso extrair as premissas e o desenvolvimento estético.

Contrariamente à ideia difundida de que a pintura de Manet era indiferente ao tema e, portanto, apolítica, tal quadro foi objeto de censura prévia e, a julgar pelas datas, provavelmente até antes de ter concluída sua última versão. Em janeiro de 1869, o pintor foi notificado pelas autoridades de que não poderia exibir a tela nem as litografias correlatas. Émile Zola (1840-1902) denunciou o fato em artigo (La Tribune, 4.02.1869).[iii]

Aos contemporâneos era evidente a oposição da obra ao II Império. Por que então tal sentido, inerente ao tema, teria virado algo inadmissível ou incômodo para a maioria dos que estudaram a pintura de Manet após a sua morte? Fato é que se deixou de reconhecer a matéria política do motivo, como se esta fosse acidental e não o fulcro de um desenvolvimento sistemático.

A dificuldade dos intérpretes – em sua maioria historiadores formalistas e historicistas – é compreensível… Pudera! O que tais historiadores poderiam fazer diante de uma série de pinturas de alto teor político, após terem sustentado e difundido a ideia de que a obra de Manet, segundo a perspectiva formalista, seria não narrativa, indiferente aos temas, em suma, protoabstrata?

Aliás, igual dificuldade envolve outro conjunto de trabalhos de Manet, também com alta voltagem política: as litografias de 1871, que tratam da Paris sitiada pelos prussianos, de suas barricadas e do subsequente massacre da Comuna. Desta feita, a censura coube não ao regime do II Império, tragado pelos prussianos na batalha de Sedan (1870), mas ao seu sucedâneo republicano oligárquico.

Tem-se, por conseguinte, um ponto cego persistente para a maioria dos historiadores da arte moderna. Em suma, há, por um lado, um conjunto de pinturas com temas históricos – trabalhos elaborados por Manet com empenho evidente e sistemático e, até, em situação de risco durante a Semana Sangrenta, a do extermínio da Comuna, no caso das “litos” de 1871.[iv] E há, por outro, a recusa cega dos especialistas em aceitar sua importância para o pintor.[v]

O paradoxo perdura a despeito da crescente atenção que tais trabalhos de Manet vêm ganhando desde a exibição completa da série, paralelamente a outros trabalhos dele com materiais políticos, na National Gallery, de Londres (julho-setembro, 1992).[vi] O fenômeno persiste porque há outro extrato de resistências ou modo de negar essas obras, que é necessário analisar também.

 

Novas repulsas

Logo, o regime de negações do quadro é o terceiro ponto a exigir exame. Assim, podemos distinguir dois regimes de recusas, historicamente posteriores aos casos de censura política já referidos. A primeira forma de negação surge postumamente, ligada ao prestígio, à época, do opticalismo ou da “école des yeux [escola dos olhos]”, como se dizia então. Segundo tal perspectiva, a obra de Manet foi dada como vinculada ao impressionismo, paradigma da “escola dos olhos”. Desse modo, espalhou-se a noção de que os temas da pintura de Manet seriam anódinos ou ligeiros, na linha dos temas impressionistas, o que faria da atenção do pintor às cenas históricas uma exceção ou acidente quanto ao todo de sua obra.

Tal negação é obra do aparelho ideológico constituído pela história da arte oficial (formalista e historicista), pela crítica correlata e pelos dirigentes congêneres dos museus. Sua influência obscurantista tem sido, quanto à constituição da fortuna crítica, mais eficaz, persuasiva e duradoura do que os atos de censura governamental francesa. Se esta última tinha alcance nacional – e assim o pintor, em 1879, enviou a tela em questão, ainda inédita (dez anos depois!), aos Estados Unidos, para ser exibida em Nova York e Boston –, já em contrapartida, o domínio da negação formalista de A Execução de Maximiliano conquistou, vale notar, alcance internacional e resistência a toda prova.[vii]

 

O dogma da arte atemática

O predomínio da doutrina opticalista-formalista na interpretação da obra do pintor e de toda a arte moderna levou a obra de Manet a ser convertida, segundo tal chave, no marco zero da arte atemática e antinarrativa. Dessa maneira, o complexo de significações realistas da obra de Manet – na verdade, proveniente do fecundo núcleo romântico-realista da arte francesa, incluindo Géricault (1791-1824), Delacroix (1798-1863), Daumier (1808-79), Courbet (1819-77)… – foi, juntamente com A Execução de Maximiliano, velado sob o diktat formalista-positivista de corte neokantiano.

Para este, a pintura de Manet apareceu como radicalmente inovadora por se apresentar esvaziada de toda significação temática ou em termos supostamente “anti-ilusionistas”, como diziam. Também de acordo com tal visão, André Malraux (1901-76), literato amante das artes e ministro da cultura gaullista, ao referir-se ao quadro acerca do episódio mexicano, sentenciou: “É o Três de Maio, de Goya, menos o que esse quadro significa”. E o escritor herético e dissidente do surrealismo Georges Bataille (1897-1962), porém, neste ponto, dentro da ordem, retomou e citou tal juízo – não obstante diferenças políticas e estéticas radicais ante as posições de Malraux –, ratificando-o em seu livro Manet (1955).[viii]

Topamos agora com o quarto patamar de contrassensos acumulados e que resiste apesar de mudanças recentes. O formalismo modernista tradicional caiu de moda, substituído pelo multiculturalismo ou ecletismos variados, trazidos pela voga dita “pós-moderna”. De modo consecutivo, o dossiê Manet foi reaberto a partir das grandes mostras, motivadas pela efeméride, em 1983, do centenário da morte do pintor, ocorrido quando o paradigma formalista e o prestígio do modernismo, associados à chamada arte abstrata, despencavam diante da nova voga “pós-moderna”. Apareceram então muitas leituras tendo como denominador comum a “contextualização”, ou seja, a remissão da obra de Manet às suas relações de origem.

 

Aversões contemporâneas

Porém, o problema ainda persiste – salvo em caso de estudo que ignoro – e destaca-se, inclusive, tal o sintoma de um recalque na mostra do MoMA (2006-7), cujo catálogo buscou contextualizar A Execução de Maximiliano, multiplicando de modo errático as remissões em múltiplas direções, sem supor, porém, o seu teor político republicano.[ix]

A Execução… segue rechaçada, negada ou tida como exceção ou acidente, nunca como momento de um sistema, o da construção da perspectiva histórica e realista do pintor. Atualmente, já se aceita que a obra de Manet comporte interesse semântico. Para isto, contribuíram os catálogos das mostras de 1983 e, em especial, os estudos de Clark, dos quais o primeiro é de 1980.[x]

Não obstante, o mal-estar dos historiadores metamorfoseou-se e converteu-se agora na dificuldade de explicar a frieza e o distanciamento com que Manet pintou o motivo do fuzilamento como ato de Estado, que à época despertou reações intensas na imprensa e nas monarquias europeias.[xi]

Manet executou o seu Maximiliano em várias tentativas e, pode-se notar, progressivamente… Iniciou a primeira versão nas semanas seguintes ao fuzilamento. As fontes então utilizadas eram indiretas, à diferença de quase toda a sua obra, que foi fruto da observação direta (caso, inclusive, das litografias de 1871 sobre a Comuna).

A primeira Execução de Maximiliano nutriu-se de materiais da imprensa, a saber, dos artigos melodramáticos e sensacionalistas de correspondentes jornalísticos, da reconstituição gráfica dos fatos, das fotos que chegavam pouco a pouco do México etc. Entretanto, o trabalho de Manet deu-se a contrapelo, elaborando um juízo e um discurso diverso de tais materiais. Evoluiu sistematicamente para um tratamento frio e distanciado do tema, como se pode verificar na comparação das versões sucessivas. O processo, apesar de sistemático, fez-se enigmático à maioria dos historiadores (formalistas)… Por quê?

A tendência do aparelho ideológico burguês de interpretação da arte – ou seja, da crítica e da historiografia oficiais, praticadas nas nações centrais e também em suas formas derivadas dependentes na periferia – aglutina-se em duas linhas de resistência ante a tela, que constituem autênticas “defesas”, na acepção psicanalítica do termo. Assim, barram ou interditam toda interpretação efetiva.

O primeiro de tais bloqueios – arraigado entre os historiadores franceses e ingleses, mas também disseminado alhures, pois implica dois temas tabus, a “morte do pai” ancestral pela horda primitiva e a legitimação da violência revolucionária contra a tirania – cristaliza-se na resistência muda, mas generalizada e ativa, ao regicídio.

Manet pintou a cena de regicídio com a frieza de uma operação de rotina. Como não recordar aqui a ironia de Marx na abertura do 18 Brumário… (1852) ao caracterizar como farsa os episódios do golpe de 2 de dezembro de 1851, que entronizou Napoleão III (1808-73)?[xii] Assim, na tela de Manet, a figura de um suboficial que carrega mecanicamente a arma para o último disparo, sem sequer olhar para o ato em curso, sublinha o teor previsível do ato, equiparando-o à aplicação de uma lei que encerra um caso notório de estelionato e usurpação.

 

Sequestro e vala anônima

Em resumo, se o pintor elaborou a execução do tirano de modo a esvaziar o seu páthos e a caracterizá-la como ato repetível, já a recepção amoldou-se em sentido contrário. Desse modo, traumatizada, no fundo, buscou na aparência se acomodar mediante a denegação ou a recusa em reconhecer sentido ao motivo da tela.

Trocando em miúdos, tanto historiadores como parte do público, dispostos na contramão do pintor, notaram o regicídio e censuraram (no sentido psicanalítico) na pintura a legitimação pictórica da situação real. Ato contínuo, para preservar o valor da tela, passaram a dar o quadro por dissociado do fato histórico. Denegada e fetichizada, a tela caiu na vala aberta entre o juízo histórico do pintor e o ideário burguês antirregicida de historiadores e colecionadores de arte.

Logo, a recepção da tela não foi fundamentalmente alterada pelas reelaborações historiográficas e críticas posteriores acerca do tema do quadro que negaram à tela o seu significado, mesmo que lhe atribuindo um sentido formal em função do reconhecimento do valor capital da obra de Manet para a história da arte moderna. Assim, no fim das contas, o resultado consistiu em mero compromisso de interesses. A nova interpretação que se consolidou, embora aceitando aparentemente o quadro, manteve, em síntese, a denegação do regicídio e confinou a tela no círculo estrito das linguagens antinarrativas ou “anti-ilusionistas”.

Em última análise, a estratégia institucional e internacional do meio de arte tem certo paralelo com o procedimento corrente em algumas ditaduras, de efetuar o rapto de bebês – que eram sequestrados dos pais esquerdistas, encarcerados ou assassinados como prisioneiros políticos –, para serem a seguir educados por famílias com valores políticos opostos (burgueses e cristãos). A ditadura militar argentina (1976-83) empregou o recurso serialmente, iniciado, ao que se diz, pela Falange espanhola na Guerra Civil (1936-9). Na história da arte moderna, dominada por uma ditadura historiográfica de classe, o sequestro simbólico da tela em questão de Manet não terá sido caso de exceção. É preciso “abrir as fossas” da historiografia oficial.

 

Vaticínio indesejável

Sabemos, com efeito, que os acontecimentos entre agosto de 1792 e o Termidor em julho de 1794, que incluem os regicídios de Luís XVI (1754-93) e Maria Antonieta (1755-93), respectivamente em janeiro e outubro de 1793, foram condenados severamente, salvo exceções – a da corrente historiográfica marxista de Albert Mathiez (1874-1932), Georges Lefebvre (1874-1959), Albert Soboul (1914-82), Michel Vovelle (1933) e outros próximos. Predominou entre a intelectualidade burguesa, inclusive a social-democrata, a máxima girondina de “terminar a Revolução” ao invés de continuá-la por meio da expropriação da propriedade privada como pretenderam o Manifesto dos Plebeus (1795) e a Conspiração dos Iguais (1796), de Gracchus Babeuf (1760-97) e companheiros.

Exemplo disso é a proscrição de certa parcela da pintura de Jacques-Louis David (1748-1825) pela história da arte oficial. Deste modo, seus trabalhos dos anos da I República revolucionária, de 1792 a 1794, foram classificados pelos historiadores oficialistas franceses, como “inacabados”, ou ainda como esboços circunstanciais e, com tais argumentos, foram marginalizados numa espécie de menoridade poética.[xiii]

A tela de Manet sofreu e sofre uma interdição prolongada porque reabriu a caixa de Pandora dos piores pesadelos vividos não só pela aristocracia, mas também pela burguesia, que, qual um Macbeth, acabou por se identificar aos valores da classe que destronara.

Pior que vaticínio indesejável, constitui ironia corrosiva e perigosa tratar, como o fez Manet, a queda dos impérios como um processo rotineiro. A tela proscrita de Manet expropria a feição épica à burguesia neobonapartista e suas sucedâneas, rebaixando-as à mera situação de beneficiárias do êxito passageiro nos negócios e da acumulação primitiva ou da pirataria colonial.

Aflora aqui a segunda razão do bloqueio à interpretação histórica do quadro. Ela consiste em recusar a legitimidade da violência revolucionária no processo de descolonização. Tal recusa é generalizada entre os historiadores da arte dos países centrais e ecoa a política externa dos seus Estados.

É necessário insistir neste ponto, que a empatia do pintor com a república revolucionária mexicana e sua concordância com a pena de morte – imposta ao tiranete entronizado no México pelas armas dos credores imperialistas (França, Inglaterra e Espanha), aliados aos latifundiários inimigos do movimento da Reforma, liderado pelo presidente republicano Juárez (1806-72) – nunca foram devidamente consideradas pelos historiadores, não obstante a miséria argumentativa e a carência de explicações razoáveis para a frieza e o distanciamento suscitados pela tela (exceto o referido argumento-censura e ex-machina do suposto teor antinarrativo da pintura de Manet).

Maximiliano encarnava a restauração colonial, atualizada na sujeição financeira do México ao sistema financeiro europeu: concretamente, a negação do direito soberano à moratória de um Estado mexicano independente e descolonizado.

Noutras palavras, o Habsburgo, sem trono na Europa, não era senão um imperador de aluguel, títere dos contratos predatórios tramados por banqueiros e especuladores neocoloniais. É muito curioso – ou, antes, é sintomático – que tal fenômeno não entre nas cogitações dos historiadores oficiais da arte! Mostra bem a que e a quem servem!

 

Manet e Baudelaire

Mas abandonemos a genealogia dos equívocos! Verdades e rigor histórico não interessam à história oficial da arte, acumpliciada aos atos de acumulação primitiva, na raiz dos acervos dos grandes museus mundiais, como tampouco à “pax romana” da rotina curatorial, que sacraliza a propriedade e festeja as coleções privadas.

Enfoquemos a questão do processo produtivo de Manet. Que perspectiva tinha o pintor naquele momento? A primeira versão do quadro data, segundo estimativas, do período entre julho e setembro de 1867.[xiv] Na esteira do fato, o início do quadro deu-se paralelamente ao agravamento do mal de Baudelaire (1821-67), interlocutor decisivo senão até praticamente o mentor de Manet;[xv] agonia que se prolongou do colapso de Baudelaire, em 15 de março (aproximadamente) de 1866 até 31 de agosto do ano seguinte.

Não pretendo, absolutamente, estabelecer um paralelo entre as duas mortes, cujas significações não poderiam ser mais antitéticas para Manet. Por sinal, o quadro contemporâneo de Manet sobre o funeral de Baudelaire (L’Enterrement, 1867, 72,7 x 90,5 cm, Nova York, Metropolitan Museum), em contraste com a frieza da tela sobre Maximiliano, é uma das obras mais agudas e pungentes da arte moderna no seu modo tão direto e momentâneo quanto pleno de evocar a perda do amigo, segundo o esquema de um cortejo fúnebre delineado de modo fragmentário.

Entretanto, vale notar que a eleição de um tema histórico emblemático e o seu desenvolvimento afloraram no curso da dor e do luto pelo amigo maior. Dificilmente ficariam alheios a tal processo. E, para se avaliar o poder e o efeito de tais circunstâncias, basta evocar, em situação análoga, os ensaios decisivos escritos por Baudelaire logo após a morte de Delacroix.[xvi]

No caso de Manet, que nexos o luto e a eleição do tema histórico teriam estabelecido entre si? Não seria razoável cogitar que, ante a perda, se pusesse, para o jovem pintor de trinta e cinco anos, a urgência de um passo, o do prosseguimento e consecução plena do projeto do amigo desaparecido? Tal passo implicaria – por que não? – a elaboração do tema histórico em consonância com o programa crítico de Baudelaire: construir uma épica cosmopolita – ou internacionalista, como se diria depois –, urbana e antiburguesa, política e eticamente empenhada; e a ser desenvolvida não por artistas ou virtuoses, que o poeta e crítico menosprezava, conforme adiante, mas por “homens do mundo”.[xvii]

 

Épica moderna

O que entendia Baudelaire por tal contraposição? Em O Pintor da Vida Moderna, ensaio tardio publicado em 1863,[xviii] mesmo ano em que o jovem Manet apresentou Le Déjeuner sur l´Herbe (Almoço sobre a Relva, 1863, óleo sobre tela, 208 x 264 cm, Paris, Musée d’Orsay) no Salão, Baudelaire estabeleceu o que entendia por arte moderna, ao menos em parte.[xix] Entretanto, ele intuíra desde o início de sua atividade crítica a necessidade histórica de reformular a ideia e a prática da arte.[xx]

Assim, a consciência da origem da arte moderna já aflorava nitidamente em um dos primeiros textos críticos de Baudelaire, “Le Musée classique du Bazar Bonne Nouvelle” (1846), anterior, todavia, à sua poesia. A arte moderna, para o crítico, deveria ser épica e fundar-se nas “sévères leçons de la peinture révolutionnaire [severas lições da pintura revolucionária]”. Desse modo, o dito Marat Assassinado (Marat Assassiné [Marat à son dernier soupir], 1793, óleo sobre tela, 165 x 128 cm, Bruxelas, Musées royaux des beaux-arts de Belgique) ou Marat em seu Último Suspiro, como queria de início David, constituiria a origem da arte moderna ou, noutra formulação também do jovem Baudelaire, l’austère filiation [a austera filiação] do “romantisme, cette expression de la société moderne (romantismo, esta expressão da sociedade moderna)”.[xxi]

O texto de Baudelaire é vibrante e esclarecedor, e ímpar como anúncio das tensões que desaguariam em 1848. Mas não é esta a ocasião para estendermo-nos para além do papel fundador atribuído por Baudelaire ao Marat…, de David, apresentado nas circunstâncias, com veemência jovem e sincera, como “a obra-prima de David”, “poema inabitual”, “dom à pátria desolada” e marco da arte moderna.[xxii]

 

Pintura e crise

O que dizer de A Execução de Maximiliano, à luz do Marat…, de David? E ainda da Sagração de Napoleão (Le Sacre de Napoleón, 1806-7, óleo sobre tela, 621 x 979 cm, Paris, Musée du Louvre), também de David?[xxiii] Decerto, nos catorze anos compreendidos entre as duas telas de David, a história francesa mudou vários parâmetros do mundo. Mas ora o que interessa notar é o parentesco da tela de Manet com elementos dos dois quadros: com o olhar direto, rente aos fatos, do Marat…; e com a ambivalência e a ironia glacial da Sagração…[xxiv]

Com efeito, os cenários e motivos destes três quadros não poderiam ser mais diversos; de fato, compreendem atos políticos de significados históricos em tudo antitéticos… O que teriam a ver as pinturas do assassinato de um líder revolucionário republicano, a sagração farsesca, porém de facto, de um César moderno, e o fuzilamento de um imperador fictício – um ocioso e farsante, títere de nome majestático, poderio duvidoso e fortuna decadente?

Não obstante, a despeito de todas as diferenças, pode-se reconhecer que a tela de Manet compartilha com os dois quadros em questão um novo modo pictórico, aberto pelos trabalhos de David durante a Revolução, mas potenciado também pelas experiências desenvolvidas por Géricault, Daumier e outros. Em síntese, essas três telas (o Marat… e a Sagração…, por David; e a Execução…, por Manet) implicam a noção de história como saber e práxis, como um novo campo tanto para a ação humana quanto para a pintura.

As três telas escapam por completo aos moldes da pintura acadêmica de gênero histórico, hipocritamente edificante e baseada em clichês neoclássicos ou referências à história da Antiguidade. Tampouco se aproximam dos casos de centenas de epígonos das academias restauradas, por exemplo, de pompiers como Meissonier (1815-91), que pululavam ao longo do século XIX, pintando cenas militares com o infinito ao fundo – como fará também o padrão “heroico” stalinista, do século seguinte.

Ao contrário, David, Goya (1746-1828), Géricault, Daumier e Manet pintam diretamente e de perto a história em curso, como coisa próxima e aberta ao sujeito. Referem-se a crises ou episódios candentes para a opinião pública, combinados a pontos de vista e fatura pictórica desenvolvidos pelos artistas, supostamente autônomos e responsáveis, mesmo quando trabalhando sob encomenda do rei, no caso de Goya. Desse modo, as pinturas enfocam personagens contemporâneos, mediante novos procedimentos discursivos, como a análise crítica da atualidade e a síntese reflexiva totalizadora.[xxv]

A partir da Revolução Francesa, os pintores trabalham nesse campo recém-desteologizado, ao lado de escritores, historiadores e pensadores; assim, por exemplo, é conhecida a relação entre Manet e Michelet (1798-1874).[xxvi] Todos participam do processo de construção de uma nova esfera discursiva e cognitiva: a da história como série de crises e objeto de saberes laicos, abertos, racionais e críticos, permeados por ideologias e projetos de classe, em choque.

 

As Execuções… em progresso

Em síntese, o processo evolutivo experimentado nas diferentes versões de Manet sobre A Execução… tem o sentido de uma reflexão em progresso, mediante o trabalho pictórico combinado a um juízo crítico totalizador.

A primeira tela, hoje em Boston, parece evocar uma visão repentina e a vivência imaginária e sentimental de um ato caótico ou de desordem. Apresenta fatura nervosa e incerta, figuras que surgem feito vultos indistintos, com trajes tipicamente mexicanos. Talvez influenciado pelos jornais que lera, Manet parece supor que o fuzilamento de Maximiliano havia resultado de um motim ou ato sumário, obra de guerrilheiros ou de milícia camponesa, nunca obra do exército regular da República mexicana, presidida por Juárez.

A razão do Estado mexicano – independente e republicano – de julgar e fuzilar o invasor e seus acólitos locais – e que constituíra objeto de censura da grande imprensa europeia – já aparece na segunda tela, hoje em Londres e da qual só conhecemos alguns fragmentos, reunidos postumamente. Nestes termos, já traz certos elementos da versão definitiva: a composição é ordenada, os soldados pertencem a um exército estatal, com uniformes símiles aos de equivalentes europeus.

Em resumo, a pintura trata agora de um ato de Estado e de justiça marcial e não de caótica rebelião popular. As cores e seus limites definem claramente os corpos, as coisas e as partes. A composição delimita a posição do pelotão, por meio de pinceladas semelhantes às da versão definitiva, inclusive na figura do suboficial situado na tela à direita, já esboçado na primeira versão, mas agora flagrado de modo nítido na tarefa de engatilhar o fuzil, para concluir o ato com o disparo final.

As maiores diferenças dessa versão, pertencente à National Gallery, de Londres, ante a versão final residem no ambiente natural que envolve as figuras. O relevo do solo, a linha elevada do horizonte, realçada em cores claras, e o azul intenso do céu difundem uma luz radiante na cena. Resulta daí certa sublimidade, ainda que irônica, pois tudo vem saturado, ao modo das estampas populares católicas de vidas de santos. Desse modo, o efeito de conjunto da composição sugere implicar a força vital da natureza, que atua como testemunha principal do drama, sem ser contrastada por nenhuma edificação ou obra humana.

Ao fingir emprestar voz à natureza, Manet se aproxima de um elemento constitutivo do …Três de Maio… (El 3 de Mayo de 1808 o Los Fusilamientos en la Montaña del Príncipe Pío, 1813-14, óleo sobre tela, 268 x 347 cm, Madrid, Museo del Prado), de Goya,[xxvii] no qual uma elevação do terreno ao fundo parece envolver os patriotas com um manto consolador, enquanto o céu sombrio e lúgubre flutua sobre a cena. Nesses termos, a execução pintada por Goya comporta um juízo e um páthos, atribuídos ao teatro da natureza.

Entretanto, no esboço de Manet ora em Londres – que constitui possivelmente a segunda versão do motivo –, o sentido do elemento natural pintado é ambíguo e incerto, ou melhor, encontra-se suspenso pela ironia do falso sublime.

Já a tela final, hoje em Mannheim, apresenta a organicidade de uma reflexão sistematizadora; de um resultado no qual o trabalho de tratar de modo unificado os diferentes componentes da obra se dá por concluído. Tudo se une e se determina reciprocamente e, a despeito do teor abrangente e complexo dos elementos implicados, resulta num todo compacto de significações. O campo visual e o ponto de vista, já esboçados na primeira versão, definem um olhar mais próximo dos fatos que o da pintura de Goya.

 

Ver de perto: princípio republicano

O olhar rente e direto, que sugere uma proximidade viva e intensa – à distância de um corpo ou até de um braço, digamos, entre primeiro plano e observador –, já fora utilizado anteriormente por Manet em Olympia (1863, óleo sobre tela, 130,5 x 190 cm, Paris, Musée d’Orsay). Como dispositivo pictórico, tal modo de ver remonta ao Marat… de David, ao programa crítico de Diderot (1713-83) e, mais remotamente, a Caravaggio (1571-1610). Propõe a ideia de participação direta do observador na cena.

No caso de pinturas com alta voltagem política, como o Marat… e A Execução de Maximiliano, tal dispositivo pictórico assume conteúdo republicano, construindo visualmente o sentimento da ação histórica na primeira pessoa. Mais adiante, Eisenstein (1898-1948), narrador exímio da história maior – assim como na primeira pessoa tomada à guisa do coletivo –, recorrerá com frequência a tal esquema.

De acordo com o sentimento republicano, a tônica geral da pintura é fortemente racional. O quadro implica o fuzilamento como exigência histórica ou necessidade lógica, sem dar lugar ao páthos das partes nem ao melodrama montado à época pela imprensa europeia, antirrepublicana e adepta do colonialismo e do imperialismo.

A fim de ressaltar a racionalidade política do ato, A Execução de Maximiliano acentua os contrastes, dissocia as cores, determina seus limites, especificando cada coisa. Salta à vista o muro cinza e geométrico, ao fundo, imagem sólida e objetiva da lei como construção intransponível. Limitada pelo sólido, vislumbra-se ao fundo uma nesga de céu, algumas árvores e, ao longe, uma faixa de terreno.

No 3 de Mayo…, de Goya, recorde-se, céu e terra enquadram o gesto humano. Diferentemente, em A Execução de Maximiliano, o entorno construído condiciona e determina a apreensão reflexiva do ato. Destacam-se o solo limpo, a solidez do muro, a ordem social das coisas postas pelo homem. Aqui, nem a natureza e nem a esfera transcendental da sublimidade, mas uma ordem política e espacial é que produz o âmbito de significação.

Há também um Coro, porém, despido do teor dramático daquele que Goya incluíra em seu quadro em empatia com os patriotas fuzilados. No trabalho de Manet aparecem alguns populares, encarapitados no muro, entre curiosos e indiferentes – mas apenas um denota alguma emoção. A composição sublinha a ausência de dramaticidade; ausência ressaltada na figura atarefada do suboficial no primeiro plano, à direita.

 

Pintura republicana e antiburguesa

Entretanto, os historiadores formalistas – os historicistas da arte – desconsideraram sub-repticiamente e escamotearam do observador do quadro o significado político da ironia glacial de Manet ao tratar de um novo caso de regicídio (magno), para o público francês, como rotina. Fato que atingia, num só golpe, a casa imperial austríaca dos Habsburgo (emblemática do Antigo Regime na escala da Europa) e ainda Napoleão III, o artífice da farsa do Império mexicano, mediante o acasalamento entre um Habsburgo e o latifúndio local. Assim, os historiadores formalistas sentenciaram que a pintura de Manet congelara a cena representada, porque pretenderia autonomizar-se ante a função narrativa (sic)!

De tal maneira, A Execução…, segundo a interpretação formalista, não implicaria juízo ou qualquer interpretação de um acontecimento histórico, mas traria uma premissa válida ante qualquer tema, ou seja, constante para o entendimento de Manet como artista antinarrativo, supostamente interessado só em “fazer pinturas” e nada mais.

Em seu afã em fugir à história, os formalistas também desconsideraram a relação de Manet com Baudelaire… Ora, deve-se recordar que este julgava pejorativamente os artistes spécialistes [artistas especialistas], dedicados unicamente à pintura, como “homme attaché à sa palette comme le serf à sa glèbe… [homem encadeado às paletas, servos da gleba…]”. Para Baudelaire, semelhantes pintores, desligados do mundo político, não passariam de meros cervelles de hameau [cérebros provincianos] etc.[xxviii]

O que não perceberam os formalistas, nem os historiadores europeus,[xxix] é que as modificações ou diferenças presentes na obra de Manet, comparadas aos elementos da tela de Goya, constituem medidas precisas e determinadas, correspondendo a significações distintas, senão inversas, formuladas pelos pintores frente ao motivo.

Em síntese, se Goya pretendia suscitar repulsa ao fuzilamento, Manet, ao contrário, elabora a cena com frieza irônica, coerente com o desenlace. Tal frieza é deliberadamente reflexiva. Tem como antecedente aquela de David, quando este fixou num desenho (Marie-Antoinette Allant à l’Échafaud, 1793, dessin, 15 x 10 cm, Paris, Musée du Louvre), feito em flagrante e que expressava a sua posição política de regicida, a figura de Maria Antonieta, inimiga da Nação, sendo conduzida pelas ruas de Paris à guilhotina em 25 Vendemiário do Ano 2.

Em suma, as falácias e o conservadorismo cego dos formalistas impediram que Manet fosse considerado, conjuntamente com Daumier e Courbet, como herdeiro do sentimento regicida e revolucionário da Primeira República.

A comprovação de que Manet não abdica da significação, mas, ao contrário, orienta-a de acordo com o seu entendimento do tema, salienta-se com vigor nas suas imagens de 1871 sobre o massacre dos membros da Comuna, perpetrado pelas tropas de Versalhes. A chamada Semana Sangrenta, em maio de 1871, viria a ocorrer menos de quatro anos após o fuzilamento de Maximiliano.

Para representar os fuzilamentos sumários dos communards, Manet se apropria da mesma estrutura compositiva do quadro sobre o triunfo republicano no México, mas inverte o significado, o valor dramático das coisas. Aqui, na chave da defesa das vítimas, Manet se aproxima da intensidade dramática de Goya e Daumier, na fatura e na luminosidade. Em consonância, retrata o communard que enfrenta o pelotão, de braço em riste a desafiar os verdugos de Versalhes.

O trabalho, em suas diferentes versões, em aquarela e guache, e também nas litografias,[xxx] realça o sacrifício e a bravura plebeia, como também a condenação do morticínio. Nestas obras, são as janelas de Paris as testemunhas da cena. Mas aqui, à diferença do muro mexicano, severo ante o destino funesto do tirano e seus comparsas mexicanos – que urdiram a farsa do Império contra a Reforma, de Juárez –, o quadriculado das janelas ao fundo não aparece friamente geometrizado, mas sim tal uma fisionomia expressiva e solidária à resistência dos communards. As janelas, testemunhas da Comuna, memória tingida pelo sentido das coisas, ganham vida na visão dos observadores destas imagens.

Parecem nos fitar vivamente.

*Luiz Renato Martins é professor-orientador dos PPG em História Econômica (FFLCH-USP) e Artes Visuais (ECA-USP). Autor, entre outros livros, de The Conspiracy of Modern Art (Haymarket/ HMBS).

Versão em português do cap. 6, “Retornos do Regicídio”, do livro La Conspiration de l’Art Moderne et Autres Essais, édition et introduction par François Albera, traduction Baptiste Grasset, Lausanne, Infolio (2022/ lançamento previsto para o segundo semestre).

 

Notas


[i] Conhecem-se ao todo quatro telas e uma litografia: (1) ca. jul. – set. 1867, óleo sobre tela, 196 x 259,8 cm, Boston, Museum of Fine Arts; (2) ca. set. 1867- mar. 1868, óleo sobre tela, 193 x 284 cm, Londres, National Gallery; (3) 1868, litografia, 33,3 x 43,3 cm, Amsterdam, Rijksmuseum; (4) 1868-9, esboço preparatório para o quadro final, óleo sobre tela, 50 x 60 cm, Copenhagen, Ny Carlsberg Glyptotek; (5) 1868-9, tela final, Mannheim, óleo sobre tela, 252 x 302 cm, Städtstiche Kunsthalle.

[ii] De acordo com Juliet Wilson-Bareau: “Manet considerava-a (a versão final de A Execução de Maximiliano, 1968-9) uma de suas duas ou três pinturas mais importantes, e, numa lista de trabalhos feita em 1872, ele avaliou-a em 25.000 francos, ao lado de Le Déjeuner sur l´Herbe”. Cf. idem, “Manet and The Execution of Maximilian”, in idem, Manet: the Execution of Maximilian/ Paintings, Politics and Censorship, London, National Gallery Publications, 1992, p. 69.

[iii] Em 7 de fevereiro de 1869, a Gazette des Beaux-Arts também noticiou a censura. Ver idem, ib..

[iv] Segundo carta de Mme. Morisot, que censura ferozmente o envolvimento do pintor com a Comuna, Manet teria sido resgatado no momento de ser fuzilado ao lado de outros communards e junto com o amigo Degas (1834-1917), graças à intervenção do cunhado Tiburce Morisot, que asseverou à tropa repressora, enviada por Versalhes, a origem burguesa dos dois pintores. Ver Françoise CACHIN, Manet, transl. Emily Read, New York, Konecky & Konecky, 1991, p. 100.

[v] Cabe ressalvar o estudo de Nils Gösta Sandblad (Manet, Three Studies in Artistic Conception, Lund, 1954), ao qual não tive acesso e que terá sido, segundo parece, o primeiro a destoar do consenso formalista.

[vi] Ver J. Wilson-Bareau, Manet (…) Censorship, op. cit..

[vii] Após a exibição nos EUA, em 1879-80, e a morte de Manet em 1883, a tela foi, por assim dizer, esquecida, até ser reapresentada em Londres – quase vinte anos depois –, em 1898. Na França, a primeira exibição de A Execução de Maximiliano só viria a ocorrer em 1905, no Salon d´Automne, em Paris. Ver John Leighton and J. Wilson-Bareau, “The Maximilian Paintings: Provenance and Exhibition History”, in J. Wilson-Bareau, Manet (…) Censorship, op. cit., p. 113; ver também pp. 69-70.

[viii] Ver Georges Bataille, Manet, introd. Françoise Cachin, Genève, Skira, 1983, pp. 45-53.

[ix] Ver John ELDERFIELD, Manet and the Execution of Maximilian, cat. Manet and the Execution of Maximilian (New York, The Museum of Modern Art, Nov. 5, 2006 – Jan. 29, 2007, org. by J. Elderfield), New York, MoMA, 2006.

[x] Ver Timothy J. Clark, “Preliminaries to a possible treatment of ‘Olympia’ in 1865” (1980), in Francis FRASCINA and Charles HARRISON, Modern Art and Modernism: a Critical Anthology, New York, Icon Editions/ Harper and Row, 1987, pp. 259-73; e também idem, The Painting of Modern Life/ Paris in the Art of Manet and his Followers (1984), New Jersey, Princeton, University Press, 1989; A Pintura da Vida Moderna/ Paris na Arte de Manet e de seus Seguidores (1984), trad. José Geraldo Couto, São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

[xi] O caso afetou também os círculos monárquicos no Brasil, mas o público brasileiro da época teve, por outro lado, a possibilidade de acompanhar, em perspectiva muito distinta, o processo mexicano contra o invasor Habsburgo, por meio das várias crônicas críticas de Machado de Assis (1839-1908) desde a coroação de Maximiliano, publicadas no Diário do Rio de Janeiro em: 20.06.1864 [ver M. de Assis, “20 de Junho de 1864” (Diário do Rio de Janeiro), in idem, Crônicas, vol. II (1864-1867), Rio de Janeiro/ São Paulo, Livro do Mês S.A., pp. 17-27]; 10.07.1864 [ver idem, “10 de Julho de 1864” (Diário do Rio de Janeiro), in idem, pp. 37-46]; 24.01.1865 [ver idem, “24 de Janeiro de 1865” (Diário do Rio de Janeiro), in idem, pp. 276-86], 07.02.1865 [ver idem, “7 de Fevereiro de 1865” (Diário do Rio de Janeiro), in idem, pp. 303-12]; 21.02.1865 [neste artigo, o autor foi obrigado a atenuar suas opiniões, ver idem, “21 de Fevereiro de 1865” (Diário do Rio de Janeiro), in idem, pp. 293-303]; 21.03.1865 [neste artigo e no seguinte, de 11.04.65, Machado foi forçado a inserir, ao lado de seus artigos contra Maximiliano, duas cartas, firmadas por um suposto “Amigo da verdade”, contestando seus argumentos e fazendo a apologia do regime imperial no México sob protetorado francês, ver idem, “21 de Março de 1865” (Diário do Rio de Janeiro), in idem, pp. 331-47]; 11.04.1865 [ver idem, “11 de Abril de 1865” (Diário do Rio de Janeiro), in idem, pp. 361-70]. Encontram-se ainda referências nas poesias “Epitáfio do México”, incluída em Crisálidas, e em “La Marchesa de Miramar”, sobre Carlota, mulher de Maximiliano, incluída em Falenas. Ver idem, “Epitáfio…” in Obra Completa, org. Afrânio Coutinho, vol. 3, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 11ª reimpressão, 2006, p. 22; “La Marchesa…”, idem, pp. 43-5. O primeiro comentário, de passagem, encontra-se no final do artigo sobre a morte do ator e homem de teatro João Caetano (1808-63), publicado em 01.09.1863. Ver idem, Machado de Assis/ Crítica Teatral, vol. 30, W. M. Jackson edit., Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, 1961, pp. 169-78.  Agradeço a Iná Camargo Costa a indicação acerca das crônicas de Machado e também sou grato a José Antonio Pasta Jr. pelas diligências bibliográficas acerca das poesias.

[xii] “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Cf. Karl MARX, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, in idem, O 18 Brumário e Cartas a Kugelman, trad. de Leandro Konder e Renato Guimarães, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 5ª ed., 1986, p.17.

[xiii] Para um exemplo de tal posição, ver Antoine Schnapper, Arlette Sérullaz, cat. Jacques-Louis David 1748-1825 (Paris/ Versailles, Musée du Louvre/ Musée National du Château de Versailles, 26 oct. 1989 – 12 fév. 1990), Paris, RMN, 1989. Por certo, ainda, é parte da política de vigilância e confinamento da obra de David pela museologia francesa o fato desta permanecer no Louvre – onde os inacabados parecem desvios ou acidentes – e não no museu do Orsay, no qual a companhia de outras obras modernas conferiria aos ditos inacabados de David teor precursor e efetivo, e não de anomalias, como quer fazer crer a historiografia oficial. Que o ex-maldito L’Origine du Monde (1866, óleo sobre tela, 46 x 55 cm, Paris, Musée d’Orsay), de Courbet, já tenha encontrado lugar de honra no Orsay – enquanto as obras republicanas de David, ao contrário, não – diz bem, por um lado, do novo lugar do sexo, abrangido no laissez-faire capitalista, e, por outro, do interdito que pesa, todavia, na V República francesa à origem regicida da I República revolucionária.

[xiv]  Ver J. Wilson-Bareau, “Manet and The Execution…”, op. cit., pp. 51-5. O fuzilamento ocorreu em 19 de junho, mas a notícia só chegou a Viena por cabo no dia 29. Napoleão III recebeu a notícia de Viena também por cabo em 1 de julho, dia em que ocorreria a entrega solene dos prêmios da Exposição Universal pelas mãos do imperador. Porém, só no dia 5 de julho divulgou-se oficialmente em Paris, mediante anúncio do presidente da Assembleia, a morte de Maximiliano – um desastre político pessoal do II Bonaparte, artífice-mor da aventura.

[xv] Para um exemplo tanto da ascendência quanto da proximidade entre Baudelaire e Manet, basta consultar a carta do primeiro ao segundo, datada de 11.05.1865, desde Bruxelas. Ver Charles BAUDELAIRE, “165. À Édouard Manet/ [Bruxelles] Jeudi 11 mai 1865”, in idem, Correspondance, choix et présentation de Claude Pichois et Jérôme Thélot, Paris, Gallimard, 2009, pp. 339-41.

[xvi] Ver a propósito L. R. MARTINS, “A conspiração da arte moderna”, in idem, Revoluções: Poesia do Inacabado, 1789 – 1848, vol. 1, prefácio François Albera, São Paulo, Ideias Baratas/ Sundermann, 2014, pp. 31-33.

[xvii] Para a contraposição entre “homme du monde [homem do mundo]” e “artista”, ver a seguir e também a discussão adiante.

[xviii] Le Peintre de la Vie Moderne foi publicado em três partes no Le Figaro (26, 29.11 e 3.12.1863). Sobre a contraposição em tal ensaio entre os tipos do “homme du monde [homem do mundo]” e do “artista”, ver o capítulo III, “L’artiste, homme du monde, homme des foules et enfant”, imediatamente anterior aos decisivos “La modernité” (IV) e “L’art mnémonique” (V) in C. Baudelaire, Le Peintre…, op. cit., in idem, Oeuvres Complètes, texte établi, présenté et annoté par C. Pichois, vol. II, Paris, Gallimard/ Pléiade, 2002, p. 689. Para extrato do trecho e discussão da tipologia, ver adiante.

[xix] Ver a propósito L. R. MARTINS, “A conspiração…”, op. cit., pp. 29-31; 35-44.

[xx] “… l’héroïsme de la vie moderne nous entoure et nous presse…Celui-là sera le peintre, le vrai peintre, qui saura arracher à la vie actuelle son côté épique…   [… o heroísmo da vida moderna nos cerca e nos apressa… Haverá de ser o pintor, o verdadeiro pintor, aquele que souber extrair da vida atual o seu lado épico…]”. Cf. C. Baudelaire, “Salon de 1845”, in idem, Oeuvres…, op. cit., p. 407.

[xxi] Cf. idem, “Le Musée classique du bazar Bonne-Nouvelle”, in idem, pp. 409-10.

[xxii] Idem, ib.. Para detalhes, ver “Marat, por David: fotojornalismo”, in L. R. MARTINS, Revoluções…, op. cit., pp. 65-82.

[xxiii] No mínimo, dois quadros de Manet, a meu ver, revelam a atenção direta deste a telas de David: Olympia (1863, 130,5 x 190 cm, Paris, Musée d’Orsay), que tributa à Mme. Recamier (1800, 174 x 224 cm, Paris, Louvre), de David, e Déjeuner dans l’Atelier (1868, 118 x 154 cm, Munich, Neue Pinakothek), que incorpora elementos da cena de La Douleur d’Andromaque (1783, 275 x 203 cm, Paris, Louvre), de David. A propósito do segundo caso, ver Michael FRIED, Manet’s Modernism or, The Face of Painting in the 1860s, Chicago and London, The University of Chicago Press, 1996, p. 105; ver também, para aproximações congêneres, reportando Manet a David, pp. 95, 160, 351-2, 497 n. 170. Para a relação entre Olympia e Mme. Récamier, ver L. R. MARTINS, Manet: Uma Mulher de Negócios, um Almoço no Parque e um Bar, Rio de Janeiro, Zahar, 2007, pp. 67-9.

[xxiv] Para a dimensão irônica e a satírica da Sagração…, com as suas figuras “endimanchées [endomingadas ]” et “des parvenus [arrivistas ]”, situadas “un peu (dans) l’univers de Goya [um pouco no universo de Goya]” e “déjà le monde de Balzac [e já no mundo de Balzac]”, ver Régis Michel e Marie-Catherine Sahut, David/ L’Art et le Politique, Paris, Gallimard-RMN 1988, pp. 105-7.

[xxv]  Para este novo campo de pesquisas que Foucault denominou de “ontologia da atualidade” ou ainda “ontologia de nós mesmos”, ver Michel Foucault, “Qu’est-ce que les Lumières? [O que são as Luzes?] in Magazine Littéraire, n. 207, mai 1984, pp. 35-9 (extrato da aula de 5 de janeiro de 1983, no Collège de France), in idem, Dits et Écrits/ 1954 – 1988 [Ditos e Escritos…], éd. établie sous la direction de Daniel Defert et François Ewald avec la collaboration de Jacques Lagrange, vol. IV/ 1980-1988, Paris, Gallimard, 1994, pp. 562-78, 679-88.

[xxvi] Para os laços entre Manet e Jules Michelet (1789-1874), o historiador romântico que iniciou, em sua História da Revolução Francesa (1846-53), o resgate da Revolução e nela valorizou o heroísmo anônimo do povo, ver Michael FRIED, op. cit., pp. 130-1, 404.

[xxvii] O livro de visitantes do Museu do Prado traz o registro da presença de Manet, firmado em 1 de setembro de1865. As obras de Goya exaltando o levante estavam expostas discretamente nos corredores. Ver J. Wilson-Bareau, “Manet and the Execution…” op. cit., p. 45-7.

[xxviii] “Lorsque enfin je le  trouvai (Constantin Guys), je vis  tout d’abord que je n’avais pas affaire précisement à un artiste, mais plutôt à un homme du monde. Entendez-ici, je vous prie, le mot artiste dans un sens très restreint, et le mot homme du monde dans un sens très etendu. Homme du monde, c’est à dire homme du monde entier, homme qui comprend le monde et les raisons mystérieuses et légitimes de tous ses usages; artiste, c’est à dire spécialiste, homme attaché à sa palette comme le serf à sa glèbe. M. G. n’aime pas être appelé artiste. N’a-t-il pas un peu raison? (…) L’artiste vit très peu, ou même pas du tout, dans le monde moral et politique. (…) Sauf deux ou trois exceptions qu’il est inutile de nommer, la plupart des artistes sont, il faut bien le dire, des brutes très adroites, de purs manoeuvres, des intelligences de village, des cervelles de hameau  [Quando enfim eu o encontrei (Constantin Guys), vi logo que não estava diante de um artista, mas antes de um homem do mundo. Entendei aqui, eu vos peço, a palavra artista num sentido muito restrito, e a palavra homem do mundo num sentido bem largo. Homem do mundo, quer dizer homem do mundo inteiro, homem que compreende o mundo e as razões misteriosas e legítimas de todos os usos; artista, quer dizer especialista, homem preso à sua paleta como o servo à gleba. O Sr. G. não gosta de ser chamado de artista. Não tem ele um pouco de razão? (…) O artista vive muito pouco, ou mesmo nada, no mundo moral e político. (…) Salvo duas ou três exceções que é inútil nomear, a maior parte dos artistas, é preciso se dizer, são broncos muito hábeis, puros trabalhadores manuais, inteligências vilarejas, cérebros de aldeia ]”. (grifos do autor) Cf. C. Baudelaire, Le Peintre de…, op. cit., p. 689.

[xxix] John House refere-se, não sem certa perplexidade, ao que denomina ambiguidade do quadro, e chega a considerar as razões mexicanas para o fuzilamento, sem todavia avançar efetivamente na interpretação do quadro de um ponto de vista republicano. No entanto, escapa da tendência geral às interpretações apolíticas, inclusive aquela de Juliet Wilson-Bareau, organizadora do livro. Para outra posição, possivelmente distinta, ver nota 5, sobre a interpretação de Sandblad. Ver J. HOUSE, “Manet´s Maximilian: history painting, censorship and ambiguity” in J. Wilson-Bareau, Manet and the Execution of Maximilian/ Paintings, Politics and Censorship, op. cit., pp. 87-111.

[xxx] Ver, por exemplo, Édouard MANET, The Barricade (1871, 46.2 x 32.5 cm, ponta de prata, nanquim, aquarela, guache, Budapest, Szépmüvészeti Múzeum); idem, The Barricade (1871, 46.8 x 33.2 cm, litogravura, London, The British Museum); idem, The Barricade (1871, papel da china: 48.5 x 33.2 cm, pedra: 53.2 x 41 cm, papel: 70 x 54.8 cm, lápis litográfico sobre papel, rara prova de estado, Boston, Museum of Fine Arts).

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