O Trabalhismo venceu, mas não é um partido de esquerda

Imagem: Mizzu Cho
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por KEN LOACH*

O líder trabalhista Keir Starmer não é um moderado, não é um centrista, mas sim um político de direita, intransigente e orientado para o livre mercado

A vitória dos trabalhistas não é motivo para comemorar. Bem, é uma boa notícia que os conservadores de direita tenham perdido, mas é uma má notícia que a direita e o Partido Trabalhista tenham vencido. Um partido neoliberal.

Acho que já faz algum tempo que está claro que eles venceriam, mas o que não está claro para quem não mora na Inglaterra é que hoje o Partido Trabalhista não é o partido dos trabalhadores, mas o das grandes empresas. É o partido dos grandes negócios.

O seu líder, Keir Starmer, é um oportunista. Ganhou a liderança do partido prometendo água, ferrovias e correios públicos, mas uma vez obtida, desconsiderou essas promessas: mais de 200 mil membros se desfiliaram depois de algumas semanas, foi uma espécie de expurgo. A tarefa de Keir Starmer era convencer os meios de comunicação de direita e a BBC de que o país estava seguro, que nada mudaria: aproximou-se cada vez mais dos conservadores, no final das eleições quase não havia diferença entre eles.

Que os ricos continuarão ricos. Não haverá propriedade pública, nem políticas radicais. O Reino Unido continuará a fornecer armas. Para Israel, por exemplo. Keir Starmer deveria ser um advogado dos direitos humanos, mas ignora os direitos dos palestinos e orgulhosamente se autodenomina um sionista. Ele é um homem de direita.

A esperança continua de esquerda, mas precisamos nos organizar. Um caminho existe, a classe operária tem a mesma força de sempre, porque faz tudo: produz serviços, transportes, tudo. Mas se não agir para proteger os seus interesses, cai na propaganda de extrema-direita, e isso destrói a esperança.

 Porque a extrema direita sempre apoiará o status quo, as grandes empresas. É dali que vem o dinheiro deles, mas os políticos de direita dirão o que a classe operária gosta de ouvir. No entanto, basta olhar para suas ações: eles são favoráveis a mais privatizações, eles destruiriam completamente o sistema de saúde pública.

O ex-líder trabalhista Jeremy Corbin foi eleito como independente. Eu o apoiei e também apoiei a sua candidatura publicamente. Veja, há uma coisa interessante: a votação trabalhista aumentou ligeiramente em termos proporcionais. Esta eleição não foi uma vitória dos Trabalhistas, mas uma rejeição dos Conservadores: as pessoas votaram em quem pudesse expulsá-los. Os Trabalhistas obtiveram um terço abundante, o que lhes dá uma grande maioria: é o sistema eleitoral.

Para ganhar as eleições hoje é não basta ser moderado, é preciso ser mentiroso. Keir Starmer não é um moderado, não é um centrista, mas sim um político de direita, intransigente e orientado para o livre mercado. Ele simplesmente se veste de maneira diferente. O Labour é um partido de negócios e reiteraram isso: não tributarão os lucros dos banqueiros, não aumentarão os impostos das grandes empresas. Farão crescer a economia à custa da Grã-Bretanha, lucrando com a força de trabalho, explorando os baixos salários e os sindicatos fracos. Keir Starmer não tem nada a ver com sindicatos, ele os ignora.

Não creio que Rishi Sunak, o primeiro-ministro que deixa o cargo, merecesse toda a hostilidade pessoal a que foi submetido, pois foram Boris Johnson e Liz Truss que destruíram os Conservadores.

Nigel Farage é um populista, uma espécie de Donald Trump. Um homem de direita que afirma falar em nome da classe operária, com quem você beberia alguma coisa. Obviamente, é uma fraude. O seu objetivo é dividir os trabalhadores, culpar os imigrantes e, ao mesmo tempo, cortar os impostos e acabar com os serviços públicos.

Le Pen e Bardella na França estão aí para negócios, estão com o capital, mas usam uma máscara e fazem-no muito bem. Mas ouvimos falar pouco de como a esquerda está se unindo na França: ela obteve mais votos do que Emmanuel Macron, mas fala-se apenas dele. Chamam Macron de centro, eu o chamaria de direita, como Starmer na Grã-Bretanha. Ao contrário da esquerda, a extrema direita não mudará o equilíbrio de poder e, embora desagradável, no final prefere-se a direita à esquerda, pois essa lhes tiraria o poder e a riqueza: foi isso que causou o fascismo e o nazismo.

Donald Trump é o desastre final, uma tragédia global. Mas os Democratas são mais uma vez muito de direita. Joe Biden claramente não consegue lidar com as coisas, é apenas um exemplo grosseiro de vaidade pessoal – os Democratas deveriam ter dito isso desde o início, mas os mecanismos financeiros e políticos são tão corruptos que não conseguem remover alguém que é claramente incompetente.

*Ken Loach é cineasta britânico. Dirigiu, entre outros filmes, Você não estava aqui.

Texto estabelecido a partir de entrevista concedida a Federico Pontiggia.

Tradução: Anselmo Pessoa Neto.

Publicado originalmente no portal Il fatto quotidiano.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

A redução sociológica
Por BRUNO GALVÃO: Comentário sobre o livro de Alberto Guerreiro Ramos
O prêmio Machado de Assis 2025
Por DANIEL AFONSO DA SILVA: Diplomata, professor, historiador, intérprete e construtor do Brasil, polímata, homem de Letras, escritor. Como não se sabe quem vem à frente. Rubens, Ricupero ou Rubens Ricupero
Distopia como instrumento de contenção
Por GUSTAVO GABRIEL GARCIA: A indústria cultural utiliza narrativas distópicas para promover o medo e a paralisia crítica, sugerindo que é melhor manter o status quo do que arriscar mudanças. Assim, apesar da opressão global, ainda não emergiu um movimento de contestação ao modelo de gestão da vida baseado do capital
Aura e estética da guerra em Walter Benjamin
Por FERNÃO PESSOA RAMOS: A "estética da guerra" em Benjamin não é apenas um diagnóstico sombrio do fascismo, mas um espelho inquietante de nossa própria era, onde a reprodutibilidade técnica da violência se normaliza em fluxos digitais. Se a aura outrora emanava a distância do sagrado, hoje ela se esvai na instantaneidade do espetáculo bélico, onde a contemplação da destruição se confunde com o consumo
Tecnofeudalismo
Por EMILIO CAFASSI: Considerações sobre o livro recém-traduzido de Yanis Varoufakis
As origens da língua portuguesa
Por HENRIQUE SANTOS BRAGA & MARCELO MÓDOLO: Em tempos de fronteiras tão rígidas e identidades tão disputadas, lembrar que o português nasceu no vaivém entre margens – geográficas, históricas e linguísticas – é, no mínimo, um belo exercício de humildade intelectual
Na próxima vez em que encontrar um poeta
Por URARIANO MOTA: Na próxima vez em que encontrar um poeta, lembre-se: ele não é um monumento, mas um incêndio. Suas chamas não iluminam salões — consomem-se no ar, deixando apenas o cheiro de enxofre e mel. E quando ele se for, você sentirá falta até de suas cinzas
Conferência sobre James Joyce
Por JORGE LUIS BORGES: A genialidade irlandesa na cultura ocidental não deriva de pureza racial celta, mas de uma condição paradoxal: lidar esplendidamente com uma tradição à qual não devem fidelidade especial. Joyce encarna essa revolução literária ao transformar um dia comum de Leopold Bloom numa odisseia infinita
Economia da felicidade versus economia do bom viver
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Diante do fetichismo das métricas globais, o “buen vivir” propõe um pluriverso de saberes. Se a felicidade ocidental cabe em planilhas, a vida em plenitude exige ruptura epistêmica — e a natureza como sujeito, não como recurso
Não existe alternativa?
Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
Mulheres matemáticas no Brasil
Por CHRISTINA BRECH & MANUELA DA SILVA SOUZA: Revisitar as lutas, contribuições e avanços promovidos por mulheres na Matemática no Brasil ao longo dos últimos 10 anos nos dá uma compreensão do quão longa e desafiadora é a nossa jornada na direção de uma comunidade matemática verdadeiramente justa
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES