Por NAUM KLEIMAN*
Não é de um cinema-olho que precisamos, mas de um cinema-punho
Tenho certeza de que todos os admiradores de Eisenstein poderiam contribuir para o assunto que trato aqui. Se esta introdução tem um caráter “pontilhista” é porque meu objetivo é provocar reflexão. Há um novo impulso nos estudos sobre Eisenstein e não é apenas devido ao seu “centésimo aniversário”. Tem havido muitas mudanças no mundo, muitas mudanças no cinema, bem como na relação entre o cinema e outros veículos da mídia.
Paradoxalmente, nossa imagem de Eisenstein também está mudando o tempo todo. O aspecto positivo de todo este processo é o de que ele ainda não foi canonizado. Ainda podemos discuti-lo. Na verdade, ele não se permite canonizar. Chamo atenção para o final de um dos capítulos de seu livro inacabado de ensaios, Lyundi odnogo filma / Pessoas de um filme, escrito entre 1946 e 1947 e até agora traduzido apenas parcialmente em pouquíssimas línguas. Em francês, por exemplo, temos um fragmento desse livro incluído no volume Mémoires com tradução de Michèle Bokanovski.
No livro, ele descreve o grupo que trabalha em Ivan Grosznii / Ivan, o terrível. O trecho traduzido são anotações sobre o maquiador Goriounov, os contra-regras Lomov e sua mulher Lydia Lomova, os cenógrafos Iakov Raizman e Leonida Lomonova, o técnico de som Boris Volski e também um trecho da passagem sobre Esfir Tobak, que o está ajudando na montagem, o capitulo intitulado Strekoza i muravei / A formiga e o gafanhoto. Bem no final do capítulo, Eisenstein faz uma observação curiosa. Lembra-se de suas teorias, das afirmações que ressoam há anos, e por fim diz que nunca ocorreu a ninguém verificar se o autor destas afirmativas realmente as seguiu.
Infelizmente, às vezes tentamos ilustrar suas teorias a partir de exemplos de seus filmes, ou entender seus filmes como suas teorias postas em prática. Contudo, como agora começo a compreender, seu trabalho realizado é, por um lado, muito mais rico que sua teoria, enquanto, por outro lado, sua teoria é muito mais rica do que o corpo de seu trabalho. Eles não têm uma simples e direta correspondência; às vezes chegam a ser conflitantes. Algumas das ideias que expressa como hipóteses são demonstradas em seus trabalhos, outras não.
Não devemos perder de vista o fato de que ele trabalhou durante vinte e cinco anos e várias mudanças ocorreram ao longo desse tempo – não tivemos mudanças políticas e sociais apenas na União Soviética. A primeira coisa que devemos fazer é lançar mão da noção de que Eisenstein seguia essas mudanças políticas e sociais de perto, e de que reagia às pressões sobre seu trabalho. Claro que o tempo em que viveu e as pressões que sofreu foram significativos. Temos, inclusive, que fazer um esforço para entender o contexto no qual seu trabalho se desenvolveu, porque ainda não conhecemos o suficiente sobre esse período.
Entretanto, ao mesmo tempo, há vários processos imanentes, tanto em seu desenvolvimento como artista quanto como teórico, que devem ser compreendidos. Eisenstein freqüentemente se referiu à enorme influência que seu professor do Instituto de Engenharia Civil, de Petrogrado, Professor Sukhotsky, exerceu sobre ele. Mas sabemos muito pouco sobre Sukhotsky, embora seja uma das figuras mais interessantes da cultura russa do começo do século XX. Sukhotsky foi um dos primeiros a perceber a importância das teorias de Eisenstein e um dos primeiros a entender o novo estudo do infinitesimal na física, e a explicar seu significado poético.
Eisenstein lembra que foi Sukhotsky que lhe ensinou a teoria dos limites a que os objetos aspiram. Se considerarmos isso, então podemos ver que várias dessas afirmativas teóricas representam limites a que seu trabalho aspira. Mas lembre-se que em suas Memórias ele está sempre se referindo ao King Gillette e à ideia de que você deve fazer uma meia volta para trás com a chave de fenda dos limites a que aspira quando se tratar da prática. É esta meia volta para trás que fornece toda a capacidade estilística e as variantes individuais. Deixe-me dar alguns exemplos.
Uma das coisas mais assustadoras que Eisenstein disse no texto K voprosu o materialisticheskom podkhode k forme / Sobre a questão de uma visão materialista da forma, publicado no Kinozhurnal ARK, de abril/maio de 1925, em suas discussões com Dziga Vertov foi: “Não é de um cinema-olho que precisamos, mas de um cinema-punho”. Essa declaração provocou uma série de especulações. Enquanto celebramos Eisenstein, o filósofo Yuri Davydov fez um discurso profundamente crítico ao cineasta, alegando de que foi um tipo de stalinista que queria pegar seu “cinema-punho” e enfiá-lo na cabeça das pessoas de qualquer jeito, diferentemente de Brecht que, ao contrário, estimulava o pensamento independente.
Esta imagem do “cinema-punho” Eisenstein certamente apanhou das Reminiscências de Lênin, de Gorky, do trecho em que ele relembra uma observação de Lênin sobre Beethoven: com Beethoven sentimos como se estivéssemos fazendo carinho na cabeça das pessoas quando na verdade estamos batendo com nossos punhos nela. Eisenstein conclui Sobre a questão de uma visão materialista da forma defendendo a ideia de um cinema punho para bater firme na cabeça e “plantar sobre a psique dos espectadores”.
Claro que podemos interpretar isso como uma tentativa de invadir o pensamento das pessoas, mas, se o examinarmos dentro do contexto do que ele estava escrevendo na época, compreenderemos melhor o que Eisenstein estava dizendo. Por exemplo, em suas anotações sobre o psicólogo russo Vladimir Bekhterev, infelizmente não publicadas ainda, ele observa que a arte tem que mudar o reflexo condicionado provocado pelo contexto social e, particularmente, o espectador tem que ser desviado do reflexo condicionado de servidão e terror.
A ideia de que as pessoas não têm apenas um instinto, mas um condicionamento psicológico ao medo e à servidão, e de que temos que livrá-los de ambos é muito importante, principalmente no contexto da União Soviética da metade da década de 1920. Se examinarmos o trabalho de Eisenstein, quer dizer, o rumo que toma, vemos as pessoas se livrando da reação automática de medo quando se deparam com a violência e o terror.
De Statchka / A greve até Ivan, o terrível, tanto o assunto quanto a estrutura dos filmes podem ser vistos como uma espécie de vacina contra a reação condicionada ao medo e ao pânico. Claro que isso levanta a questão do tão propalado sadismo de Eisenstein: seria ele realmente um sádico? Muito pelo contrário, talvez estivesse querendo nos dar uma espécie de vacina contra o sadismo. Falarei da personalidade dele mais tarde, contudo, já ficou bem claro que o tipo de brutalidade que aparece em seu trabalho não tem nada a ver com qualquer espécie de sadismo per se. Isso é exemplo de um ponto que temos que reavaliar em nossa visão pré-estabelecida. Deixe-me dar outro: as ideias de Eisenstein quanto à representação no cinema.
Eisenstein fez várias declarações criticando a escola de atores “acadêmica”, e sabe-se o quanto ele realizou usando “tipos” em lugar de “atores” no cinema, tanto em seus filmes quanto em seus ensinamentos teóricos. É sabido que todos os integrantes do Prolektult em A greve. Em Bronienosets Potemkin / O encouraçado Potemkim, uniram-se atores do sindicato de Odessa a alguns atores de Prolektult. Quase todos os personagens da seqüência da escadaria de Odessa eram atores. Em Oktiabr / Outubro, muitos atores vieram do sindicato de Leningrado. Até a procissão com a cruz em Staroie i Novoie ou Gueenralnaia Linnia / O velho e o novo ou A linha geral, foi realizada com atores de Outubro, porque os filmes foram feitos ao mesmo tempo. Há muito mais “atores” do que “tipos”. Temos que entender, portanto, que ele trabalhou com atores como “tipos” assim como trabalhou com “tipos” como atores.
Deixe-me dar outro exemplo para ilustrar esta relação entre teoria e prática. O primeiro artigo que Eisenstein escreveu “Vosmoe iskusstvo. Ob ekspressionizme, Amerike i, konechno, o Chapline / A oitava arte. Sobre o expressionismo, América e, é claro, Chaplin, assinado por ele e por Sergei Yutkevich e publicado em novembro de 1922 na revista Ekho, é uma crítica ao expressionismo alemão. Ele voltará a criticar o expressionismo alemão mais tarde, embora o contexto desta nova crítica seja mais complexo. Mas vejamos o impacto do expressionismo em Ivan, o terrível já foi pesquisado, por exemplo, no trabalho de Mira Meilakh Izobrazitel’naya stilistika pozdnikh fil’mov Einzenshteina / Imagem e estilo nos últimos filmes de Eisenstein, publicado em 1971. A palavra vyrazitel’nost’ / expressividade foi uma das favoritas de Eisenstein. Descobrimos uma anotação, mais uma vez infelizmente ainda não publicada, mas que, com certeza, vale a pena resumir aqui. É a única nota que Eisenstein escreveu enquanto montava O encouraçado Potemkin.
O título providencial é Representando com objetos e representando através dos objetos; é um texto incompleto, mas ele faz uma observação muito interessante: enquanto no teatro você tem a representação com um objeto, no cinema você tem a representação através do objeto. Em Potemkin, ele dá o nome de bytovoi ekspressioniszm / expressionismo cotidiano ao método em que o aspecto externo do objeto fica inalterado, mas vários esquemas expressivos são levantados com a finalidade de colocar o objeto em contextos diferentes. Esse “expressionismo cotidiano” é, em parte, um contraste e, em parte, uma continuação do objeto. Não é comum em Eisenstein, mas faz com que compreendamos suas afirmativas com mais clareza.
A outra questão que pretendo levantar é o contexto em torno de Eisenstein, muito mais complexo do que jamais suspeitamos. Tomemos a teoria da influência: quem influenciou quem? Quando procuramos influências, buscamos semelhanças e traços. Entretanto, quero propor um modelo um pouco diferente. Há uma série de fotografias conhecidas de La Sarraz com Eisenstein como Don Quixote, sentado em um cavalo, segurando uma câmera e uma lança na mão. Ele se compara a Don Quixote. Acredito que podemos fazer uma analogia com Pushkin, que sempre se imaginou como um cavaleiro, vestido como uma armadura brilhante, participando de um torneio. Isso é importante: um cavaleiro preparado para aceitar um desafio e lutar em um torneio. Portanto, quando falamos na influência de Byron em Pushkin, devemos imaginar a questão como Pushkin se preparando para aceitar o desafio de Byron; Pushkin se preparando para “enfrentar-se” com Byron, e não simplesmente para aceitar passivamente a influência deste. O mesmo se pode dizer da relação de Pushkin com seu professor Zhukovsky ou com seu amigo Vyazemsky.
Eisenstein sentia como se estivesse eternamente engajado em um torneio; é claro, no ideal medieval em que um torneio não é uma guerra, mas uma disputa amistosa. Isso começou com seu “torneio” com Meyerhold, que o levou a batalhas como a que assolou a produção Gato de botas – espetáculo, que seria dirigido por Eisenstein, em 1922, para o teatro de Meyerhold, mas não chegou a ser encenado.
Uma das expressões favoritas de Eisenstein era me too, assim, em inglês, “eu também”. Um dos capítulos de suas Memórias tem como título Mi tu. Mi tu era o nome do cachorro de Maxim Litvinov, que foi Ministro de Relações Exteriores da União Soviética entre 1930 e 1939. Sua mulher, Ivy Walterovna, dava aulas em inglês aos alunos do curso do cinema de Eisenstein. Neste breve capítulo de suas memórias, Eisenstein diz que o intrigava o estranho nome do cachorro, que desconhecia a origem de tal nome e sua significação exata, e que se fixava na sonoridade de seu nome. E escreve: “Seria um Mitou francês, um Mitu chinês? A mim sempre me pareceu inglês. Me too”.
Eisenstein faz então um jogo de palavras, porque My em russo quer dizer nós, e observa que Me too, então poderia ser compreendido como “eu também” e como “nós também”, Nós too, para concluir: “A fórmula Me too é uma das fórmulas básicas de minha atividade. Mais precisamente, é um dos impulsos dinâmicos de meu trabalho, um dos impulsos mais profundos que me levaram, e me levam ainda, a realizar tantas e tantas coisas. Portanto, Me too – Nós também”. Essa não era a única expressão predileta de Eisenstein; that’s wrong, “isso está errado”, era outra de suas expressões favoritas. Isso é dialética no sentido clássico da palavra, a possibilidade de lutar ao mesmo tempo em que vê o outro lado da questão.
Deste modo, quando vemos o contexto a que pertenciam seus professores e seus amigos, podemos perceber como essa questão de quem influenciou quem é mais ampla do que se pensa. É conhecido o fascínio de Eisenstein pelo Construtivismo e pelo Cubismo, é sabido como esses movimentos foram importantes para ele, o que podemos comprovar em seus desenhos. Mas ao mesmo tempo, devemos nos lembrar de que ele é também filho do Simbolismo, do simbolismo russo de Blok, Bely e Ivanov; os ecos desses simbolistas o seguiram por toda a vida. Por exemplo, deveria haver um epílogo para Alexander Nevsky / Cavaleiros de ferro. Infelizmente, a censura de Stalin eliminou a morte de Alexander Nevsky do filme; mas no final, a vitória dos tártaros em Kulikovo Polye, é tirado diretamente de um poema de Blok.
Ao longo da vida de Eisenstein, podemos encontrar os elementos conscientes e inconscientes da época que o formou e da qual surgiu. Isso também se aplica a Nikolai Evreinov, escritor, diretor e teórico de teatro, que em 1920 fez um filme sobre a Revolução de Outubro em Petrogrado. Devemos lembrar da influência de Evreinov quando falamos de Joyce e o “monólogo interior”, e da influência que isso teve em Eisenstein.
Mas ainda há contextos inusitados para Eisenstein: como, por exemplo, o cinema internacional. Até agora subestimamos a influências de sucessos como The Exploits of Elaine, filme norte americano feito em 1915 por Louis Gasnier e Douglas Mackenzie, com Pearl White. E a influência dos cinco filmes da série Fantômas de Louis Feuillade, feitos em 1913, e exibidos como sucesso por toda Europa, inclusive na Rússia; mas eles foram muito importantes. Em 1987 Alan Upchurch estava buscando uma capa para a primeira edição de seu Psychology of Composition, coletânea de ensaios que traduziu e organizou entre eles um texto de Eisenstein sobre o ensino de cinema na GIK, A Detective Work / Um trabalho de detetive quando se deparou com uma foto do segundo filme da série Fantômas, Juve contre Fantômas, na qual o mundo do crime espia por um buraco do barril e, imediatamente, lembrou-se da cena de A greve, em que os grevistas espiam através de um barril! Esses “torneios”, ou túneis que ligam as culturas de países diferentes, são importantíssimos para compreendermos Eisenstein.
Se lembrarmos da cena do Vale da Morte no final de Greed, de Enrich von Stroheim, 1925, vemos que o cenário de Sutter’s Gold / O ouro de Sutter, que Eisenstein escreveu em colaboração com Ivor Montagu e Grigori Alexandrov em 1930, começa a mesma maneira. Isso não é coincidência: é apenas a continuação e a releitura de um mesmo fenômeno partindo de outro país, de outro contexto. Ou, tomemos um caso famoso como o de Tchapayev, filme de Sergei e Georgy Vasiliev feito em 1934. Nos anos 30, toda a gente de cinema na União Soviética dizia que a cena do “ataque psicológico” de Tchapayev era superior à seqüência da escadaria de Odessa. Então, Eisenstein escreveu a cena da batalha em Alexander Nevsky para demonstrar como um ataque psicológico poderia mesmo ser feito. Ele foi ainda mais longe para combater os estudantes que estavam se afastando dele. Há uma cena em Tchapayev em que são usadas batatas para mostrar onde um comandante devia estar e uma cena em Ivan o terrível em que, em resposta ao trágico Vladimir Staritsky, Ivan diz: “O czar sempre deve estar na frente!” Isso é uma resposta, não somente a Tchapayev, mas também aos seus próprios alunos sobre onde um líder deve estar. É um momento profundamente autobiográfico.
Tenho que deixar de lado muitas coisas, porém sinto que devo falar sobre o que podemos chamar de seus “antepassados”, ao invés de seus predecessores ou conselheiros diretos. Temos visões estereotipadas sobre as influências de Zola ou Leonardo da Vinci. Mas por que não damos atenção a Bem Jonson, a quem Eisenstein apontava como um de seus professores? As teorias do humor e a composição linear da dramaturgia de Jonson foram muito importantes para Eisenstein. Também ignoramos completamente a influência das peças medievais de mistério.
Em Moscou, conseguimos reconstituir o artigo de Eisenstein sobre Gogol e a linguagem cinematográfica, que é uma espécie de complemento de seus artigos sobre Pushkin. Eisenstein diz que Gogol é tão seu pai quanto Pushkin. O que ele não menciona no artigo, mas que está mais do que claro, é que uma das imagens de Bejin Lovii / O prado de Benjin, parece ser uma referência direta a uma cena de Taras Bulba de Gogol. Quando Stepok, que já está mortalmente ferido cai lá do alto ꟷ são três estágios, três tomadas separadas ꟷ temos uma referência direta a Gogol, porque há uma passagem em que Eisenstein discute o momento em que o pai atira no filho e este cai como um feixe de trigo cortado. Se pensarmos no conjunto de imagens bíblicas em O prado de Bejin, podemos perceber o quanto é importante a imagem do trigo caindo ao chão.
Outro fator relevante é a própria personalidade de Eisenstein, que precisamos discernir melhor. Existiam até a pouco apenas as muitas lendas dos anos 1930 sobre ele, mas agora novas lendas estão surgindo. É normal surgirem lendas sobre grandes artistas. Por exemplo, uma das imagens surgidas recentemente é a de um Eisenstein conformista, estudante aplicado, que somente ultrapassou o limite da ordem imposta a ele porque era um gênio. A evidência citada é a de sua decisão de encenar As Valquírias / Die Walküre em 1939 pouco depois do pacto Nazi-soviético.
No entanto, ele não concordou em produzir Die Walküre porque estava com medo. Para falar a verdade, sabemos agora muito mais sobre a produção devido às novas pesquisas sobre ela. Eu percebi como somos cuidadosos ao abordarmos um assunto que nos parece eticamente ambíguo! Mas quando botamos a mão na massa e abrimos os arquivos de Die Walküre, concluímos que ele dava um tratamento antifascista a um assunto que os fascistas acreditavam ser fascista em si. Foram compaixão e humanidade que brotaram da interpretação do cineasta. Sabemos que o tema da compaixão não era exatamente prioridade máxima no final dos anos 30.
Há muito preconceito que temos que partilhar ao abordarmos seu trabalho e há áreas que nem começamos a estudar. Sabemos muito pouco sobre o trabalho em teatro de Eisenstein e agradeço a contribuição de Robert Leach nesse campo, o ensaio Eisenstein’s Theatre Work no livro Eisenstein Rediscovered organizado por Ian Christie e Richard Taylor. Subitamente, a questão da ética de Eisenstein surgiu. O fato de que ética é uma palavra profundamente ambígua é importante para nosso trabalho. Temos que incluí-la ao lado das pesquisas puramente cinematográficas. Seu trabalho como professor também tem importância nessas pesquisas.
É fácil perceber que muito ainda está por se publicar sobre Eisenstein. E de Eisenstein. E isso é de nossa responsabilidade. É nossa responsabilidade e nosso erro que tão pouco do trabalho de Eisenstein tenha sido publicado até agora, e que isso seja feito tão vagarosamente. Talvez o mais importante a ser selecionado para publicação são seus diários e o texto final de A natureza não-indiferente e Métodos, este último um projeto apenas esboçado por Eisenstein e que está começando a tomar forma a partir da organização de seus escritos.
Eisenstein é sem dúvida, para todos nós que lidamos com cinema, mais do que uma influência, mais do que um estilo ou um modo de pensar cinema que um ou outro jovem realizador procura seguir. Ele é uma fonte de inspiração constante, tão viva que, como observou David Robinson em nosso encontro, chega a parecer absurdo estarmos comemorando seu centenário de nascimento e os cinqüenta anos de sua morte. Ele está mais presente que nunca no melhor que o cinema faz hoje. Chegou a hora de trabalharmos juntos. Talvez também tenha chegado a hora de um sonho se tornar realidade, de não termos apenas a Casa de Eisenstein em Moscou mas de todos juntos organizarmos uma Sociedade Internacional de Eisenstein.
Gostaria de concluir mencionando a pessoa que fez mais do que ninguém para promover uma compreensão de Eisenstein, Jay Leyda. Ele sonhou com esta Sociedade e foi o primeiro a contribuir com ela. Gostaria que se lembrassem dele.
*Naum Kleiman é historiador e crítico de cinema. Curador da Casa de Eisenstein, foi diretor do Museu de Cinema de Moscou.
Comunicação apresentada no seminário Eisenstein Heute / Eisenstein hoje organizado pela Akademie der Künste de Berlin, durante o Festival Internacional de Cinema de Berlin em 1996.
Tradução: Taís Leal para a revista Cinemais 12 (jul-ago 1987).