Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*
Um arquiteto que prioriza a responsabilidade social da arquitetura
Por estes dias Shigeru Ban recebeu nova distinção: o Prêmio da Concórdia, conferido pela Fundação Princesa das Asturias, da Espanha É uma honraria que, afora arquitetura, contempla várias categorias, como literatura, música, esportes etc. O nome do prêmio mostrou-se especialmente apto neste caso. Em seu arrazoado, a Fundação enfatiza o trabalho solidário em casos de urgência, bem como a revalorização advinda do aproveitamento dos materiais mais humildes, restos e sobras da sociedade de consumo, cujo corolário é o desperdício.
Shigero Ban desmentiu a tendência dos arquitetos de dedicar-se a construir monumentos grandiosos pagos pelo governo ou mansões para milionários. Ele se devota a prestar ajuda humanitária quando ocorrem cataclismos e catástrofes.
Premiadíssimo, já tinha recebido o galardão máximo da arquitetura mundial, o Pritzker, em 2014. Só para dar uma ideia: entre os brasileiros, apenas Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha fizeram jus à láurea. Desta vez, mais do que uma pessoa ou uma única obra, como é seu costume, o Pritzker divergiu do habitual, distinguindo uma nova concepção do que deve ser a arquitetura, postulando a responsabilidade social do arquiteto.
À medida que Shigeru Ban foi ficando conhecido, passou a receber encomendas importantes, que tornaram seu estilo visível no mundo inteiro. Sobretudo muitos museus, sempre com os mesmos materiais: entre outros, o Museu Oita no Japão, o Museu de Arte de Aspen nos Estados Unidos, o Centre Pompidou Metz na França, cuja cobertura evoca as ondulações de uma arraia gigante. Ou então o Museu Monte Fuji, em forma de cone invertido, que, apoiado sobre o vértice, espelha a própria montanha – já que a instituição é concebida como uma homenagem e um posto de vigia para a contemplação desse ícone do Japão.
Alguém diria, mas como vai erguer obras monumentais, se só faz tendas e alojamentos provisórios? Mas é aí que você se engana, ao ver nesses edifícios os vãos livres de altíssimo pé direito, bem como as paredes curvas que não acabam mais. E os famosos tubos de papelão não são escondidos, ao contrário são utilizados para sustentar o teto, mas também para esboçar no ar lindos desenhos entrelaçados.
Este grande aproveitador de lixo, refugo e sucata inventou uma casa com paredes de tubos de papelão, desses que vêm dentro de rolos de toalha de papel, tendo por fundações engradados de cerveja, ancorados com areia e pedras. São moradias improvisadas, tendas e cabanas para quem mais necessita. O arquiteto movimenta-se pelo planeta ao léu desse propósito, que é o salvamento e abrigo das vítimas.
Ao promover esses materiais, Shigeru Ban tornou-se um paladino da sustentabilidade e da ecologia, amigo do reuso e da reciclagem. Fundou uma ONG de arquitetos solidários para socorrer populações flageladas em zonas de desastre. Para essas missões convoca seus alunos na Universidade de Tóquio, de Harvard e de Cornell: mas não só alunos, também colegas e qualquer pessoa de boa-vontade.
Entre suas façanhas estão a recuperação de Ruanda, depois que os hutus trucidaram 800.000 tutsis, provocando o êxodo dos que se embrenhavam por montanhas e matas, procurando escapar à hecatombe. Acudiu as vítimas da radiação em Fukushima, bem como dos terremotos em Setsuan na China, em Kobe no Japão, em Áquila na Itália, no Gujarat indiano e na Turquia. Ele não tem preconceito político ou ideológico, o povo precisou ele se apresenta para ajudar. Assim o vimos quando o furacão Katrina devastou Nova Orleans e o caos desassistido se impôs: já tinha tomado a mesma iniciativa no tsunami do Oceano Índico. E em outras obras de primeiros-socorros em calamidades no Haiti, nas Filipinas e no Sri Lanka.
Quando esteve no Brasil na RIO + (Rio de Janeiro, 2013), propôs em palestra que se utilizasse a madeira apreendida, ilegalmente desmatada na Amazônia, para a construção de casas populares que beneficiassem os pobres. Será que foi ouvido?
*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Sesc\Ouro sobre Azul).
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