Um perfil do eleitor paulistano

Imagem: Felipe Ribeiro
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JEAN PIERRE CHAUVIN*

O eleitor prefere manter o combo inépcia + corrupção + fala mansa a reconhecer o escândalo que é manter milhares de famílias inteiras sob viadutos

Que São Paulo é a capital do conservadorismo e das variadas formas de exclusão, pouca gente contestará.

Pelo menos desde a década de 1980, quando o país foi autorizado pelos States a restabelecer alguma democracia de mercado e a nova ordem neoliberal esposou a falácia representativa nos estados e municípios, o eleitor paulistano acumula pseudoargumentos que justificariam seu voto, fosse ele emedebista, fosse malufista, fosse tucano: “ele rouba, mas faz”; “ao menos, ele não é radical”…

Nada disso deveria nos espantar, afinal houve quem acreditasse que “o sol nasceu pra todos e também para você: vote Quércia, vote Quérica, PMDB”.

Patriotismo bairrista? Luta anticomunista? Apologia da moral e dos bons costumes? Defesa intransigente da propriedade privada? Enxugamento da máquina pública? Manutenção da ordem? Combate à corrupção? Redução dos custos para contratar um trabalhador com carteira assinada?

O cardápio é o de sempre, mas o eleitor não se furta a apontar os mesmos pratos, indiferente que está às mazelas sociais. E nisso, o votador, que não ultrapassa a condição de sádico, está perfeitamente à vontade: escolhe qualquer um desses clichês para chamar de seu e senta o pé no pedal da empáfia e da hipocrisia, enquanto destila autoritarismo ao se relacionar com qualquer um que considere “inferior” ou “gente diferenciada”.

Quem não se recorda dos protestos dos moradores dos Jardins, avessos ao corredor de ônibus? Dos protestos contra a estação de metrô Higienópolis? Ou do abaixo-assinado formalizado pelos moradores deste mesmo bairro, ao recomendar a “remoção” dos miseráveis que ocupavam o caminho dourado que vai da sua casa ao shopping center preferido?

Afinal, até quando nossos conterrâneos continuarão a ignorar os oitenta mil desabrigados em situação de rua, na megalópole mais rica do hemisfério sul? Até quando fingirão não ver as dezenas de escândalos de corrupção da atual gestão, que, inclusive, afetaram a qualidade de aprendizagem das crianças?

Até quando os “cidadãos de bem”, na “cidade do trabalho”, estarão cegos para as obras superfaturadas? Até quando pedestres puxados por cães, ou inflados em SUVs, contornarão o asfalto que não gruda? Até quando o eleitor paulistano desprezará as denúncias sobre contratos públicos que beneficiam parentes ou amigos da atual (indi)gestão?

Algum dia reconhecerão que, em parte, foi a sua sanha privatista que provocou apagões, enxugou os empregos, aumentou o exército de reserva e quintuplicou os “moradores” de rua?

Quando admitirão que foi seu voto excludente, cínico e egóico que impossibilitou conceber uma cidade mais inclusiva, que não seja toscamente recapeada (podada às pressas) a cada quatro anos?

Para São Paulo, vale a receita que afeta diretamente as pautas progressistas: o eleitor paulistano confunde assertividade com radicalismo; mistura a própria ignorância da lei com egoísmo de classe. Ele gosta, mesmo, é de gente que não exprima revolta sequer no tom de voz, mascarados de poker face.

O eleitor prefere manter o combo inépcia + corrupção + fala mansa a reconhecer o escândalo que é manter milhares de famílias inteiras sob viadutos.

A primeira providência do paulistano seria consultar a Constituição Federal de 1988 e ler o que diz a lei sobre a ocupação legal e legítima de territórios. Mas, como sabemos, informar-se (que digo eu?); levar o outro em conta é pedir demais.

*Jean Pierre Chauvin é professor de Cultura e literatura brasileira na Escola de Comunicação e Artes da USP. Autor, entre outros livros de Sete Falas: ensaios sobre tipologias discursivas. [https://amzn.to/4bMj39i]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Visitando Cubahavana cuba 07/12/2024 Por JOSÉ ALBERTO ROZA: Como transformar a ilha comunista em um lugar turístico, em um mundo capitalista onde o desejo de consumir está imenso, mas nela a escassez se presentifica?
  • O ofício da poesiacultura seis graus de separação 07/12/2024 Por SERAPHIM PIETROFORTE: Porquanto a literatura se faz mediante a língua, revela-se indispensável conhecer gramática, linguística, semiótica, enfim, a metalinguagem
  • O Irã pode fabricar armas nuclearesatômica 06/12/2024 Por SCOTT RITTER: Palestra na 71ª reunião semanal da Coalizão Internacional para a Paz
  • O pobre de direitapexels-photospublic-33041 05/12/2024 Por EVERALDO FERNANDEZ: Comentário sobre o livro recém lançado de Jessé Souza.
  • O mito do desenvolvimento econômico – 50 anos depoisledapaulani 03/12/2024 Por LEDA PAULANI: Introdução à nova edição do livro “O mito do desenvolvimento econômico”, de Celso Furtado
  • Abner Landimspala 03/12/2024 Por RUBENS RUSSOMANNO RICCIARDI: Desagravo a um spalla digno, injustamente demitido da Orquestra Filarmônica de Goiás
  • A retórica da intransigênciaescada luz e sombra 2 08/12/2024 Por CARLOS VAINER: A escala 6x1 desnuda o estado democrático de direita (ou deveríamos dizer da direita?), tolerante com as ilegalidades contra o trabalhador, intolerante frente a qualquer tentativa de submeter os capitalistas a regras e normas
  • A dialética revolucionáriaNildo Viana 07/12/2024 Por NILDO VIANA: Trechos, selecionado pelo autor, do primeiro capítulo do livro recém-lançado
  • Anos de chumbosalete-almeida-cara 08/12/2024 Por SALETE DE ALMEIDA CARA: Considerações sobre o livro de contos de Chico Buarque
  • Ainda estou aqui – humanismo eficiente e despolitizadocultura digital arte 04/12/2024 Por RODRIGO DE ABREU PINTO: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles.

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES