Uma frente única de cidadãos

Clara Figueiredo, série_ registros da quarentena, av. prestes maia, São Paulo, 2020.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CHICO WHITAKER*

Além de “Fora Bolsonaro!”, é preciso gritar: “Fora já!

Há dilemas, como o do “Punir ou afastar?”, que exigem uma pronta resposta: punir é necessário, afastar é urgentíssimo!

Uma parcela crescente de brasileiros e brasileiras se pergunta: como pudemos eleger para Presidente da República uma pessoa tão despreparada para essa função, emocionalmente desequilibrada e intelectualmente primitiva, que vem desmantelando de maneira sistemática e programada todos os avanços civilizatórios de responsabilização e controle social que construímos desde a redemocratização, e ainda agravando tragicamente os efeitos mortais da pandemia que se abateu sobre nós?

Agora, diante da terra quase arrasada – inclusive da reserva natural amazônica, que em sua maior parte é brasileira mas tem importância decisiva para a vida em todo o planeta – passamos à pergunta seguinte: o que fazer para afastá-lo de um poder que, embora tenha conquistado por meio de eleições (ainda que mediante graves manipulações eleitorais) está usando para destruir – uma missão declarada em Washington pouco depois de empossado?

A primeira proposta com esse objetivo foi a do impeachment – remédio já usado mais de uma vez no Brasil. Mas parece intransponível a barreira erguida por uma maioria de Deputados, eleitos na mesma onda e cuja posição é negociada nos balcões da corrupção. Centena e meia de pedidos de impeachment dormem nas gavetas da Presidência da Câmara, aliado do Presidente.

Há tempos outros indignados vêm propondo que, tendo em vista os inúmeros crimes comuns cometidos pelo Presidente, seja instaurado um processo criminal, o qual teria o condão de levar ao seu afastamento de maneira possivelmente mais rápida e direta do que pela via do impeachment. Desde março deste ano, quatro representações nesse sentido – uma delas vinda do órgão máximo dos advogados do Brasil – já foram encaminhadas ao Procurador Geral da República, de quem depende o início desse processo. A elas agregou-se agora o relatório devastador da CPI do Senado. Mas o Procurador Geral está preferindo manter sua aliança com o Presidente que o levou ao posto, ainda que isto torne sua biografia constrangedora, por cumplicidade com o criminoso: nada fez quanto às quatro representações e parece pretender analisar bem devagar o relatório da CPI.

Uma luz se acendeu no fim do túnel quando o Tribunal Superior Eleitoral decidiu analisar as denúncias de irregularidades da campanha da chapa eleita em 2018, para uma eventual cassação. Mas esse mesmo Tribunal logo a apagou, quando considerou que não dispunha das provas necessárias para uma decisão a respeito – já difícil por estar chegando ao fim o terceiro dos quatro anos dos mandatos. Para mitigar a decepção causada, o Tribunal cassou pelas mesmas razões o mandato de um deputado, e comprometeu-se a não permitir que voltem a acontecer tais irregularidades – que agora conhece melhor.

Frente a essas dificuldades, há os que se empenham em que pelo menos a Justiça puna exemplarmente o atual Presidente e os aproveitadoresque o apoiam – políticos oportunistas e empresários gananciosos – pelos muitos crimes que a CPI do Senado escancarou para todo o país. Pensa-se até em levar a tribunais internacionais seus crimes contra a humanidade. Outros optam por um cada vez maior degaste do Presidente, para que seja simplesmente derrotado nas urnas em 2022.

Mas há um problema – um problema grave: nesse quadro, com suas ações e omissões o atual Presidente continuará ajudando o vírus da covid 19 a ser o mais mortífero possível, fazendo-nos viver uma enorme e dolorosa tragédia humana; ao mesmo tempo, ele continuará aumentando, a cada dia, o descalabro social, político, econômico e administrativo que vem provocando, com seus asseclas. Por isso se ouvem, país afora, “lançadores de alertas”, tão necessários em tempos sombrios: eles dizem “sim” às necessárias punições que virão no ritmo das estruturas jurídicas e eleitorais, mas clamam também, sem desistir: “afastamento já” do Presidente da República, no mais curto prazo possível.

É fato: a cada dia que passe com ele no poder, teremos mais dor e mais destruição. E se isto continuar até o fim de 2022, corremos também o risco de vê-lo realizar os planos que já vem há tempos anunciando, de negar os resultados eleitorais, ou mesmo o de tentar impedir a realização das eleições, estimulando a violência dos milicianos e dos seus seguidores, que incitou a se armarem, para criar o caos. Os militares derreterão então o que tiver restado de nossa frágil democracia, a pretexto de assegurar a ordem no país.

Dentro dessas perspectivas urge – mais do que continuarmos tentando construir uma difícil Frente Ampla de estruturas político-partidárias – nos unirmos numa Frente Única Fora Já, de cidadãos, cidadãs, organizações sociais, movimentos e partidos políticos, em torno de objetivos sucessivos concretos: primeiro, levar o Procurador Geral da República a denunciar ao Supremo Tribunal Federal o criminoso que nos ameaça a todos; em seguida, convencer uma parte maior do que a que já existe na Câmara dos Deputados para que autorize o Supremo Tribunal Federal a processar o Presidente e, com essa autorização, ele seja imediatamente afastado. Além de “Fora Bolsonaro!”, é preciso gritar: “Fora já! Antes que fique ainda pior do que está!”

Só assim poderemos sonhar com o Brasil justo e solidário que todos desejamos.

*Chico Whitaker é arquiteto e ativista social. Foi vereador em São Paulo. Atualmente é consultor da Comissão Brasileira Justiça e Paz.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Bruno Fabricio Alcebino da Silva Marcus Ianoni Denilson Cordeiro Jean Pierre Chauvin Paulo Sérgio Pinheiro André Singer Ladislau Dowbor José Costa Júnior Tadeu Valadares Benicio Viero Schmidt Francisco de Oliveira Barros Júnior Luiz Bernardo Pericás Marjorie C. Marona Jorge Luiz Souto Maior Leonardo Sacramento Sergio Amadeu da Silveira Luciano Nascimento Marcos Aurélio da Silva Dênis de Moraes Daniel Afonso da Silva Paulo Martins Antonino Infranca João Paulo Ayub Fonseca Jean Marc Von Der Weid João Lanari Bo Carla Teixeira Samuel Kilsztajn Paulo Nogueira Batista Jr Rafael R. Ioris Salem Nasser João Carlos Salles Otaviano Helene Marcelo Módolo Antonio Martins José Luís Fiori Bento Prado Jr. Gilberto Lopes Chico Alencar Fernão Pessoa Ramos Ronald Rocha Luiz Marques João Sette Whitaker Ferreira Daniel Brazil Marilena Chauí Eugênio Trivinho Flávio R. Kothe Celso Favaretto José Geraldo Couto Michael Roberts Eugênio Bucci Claudio Katz Francisco Fernandes Ladeira Thomas Piketty Manuel Domingos Neto Daniel Costa João Feres Júnior Ronaldo Tadeu de Souza Luiz Renato Martins Michael Löwy Marcos Silva Vladimir Safatle Priscila Figueiredo Fábio Konder Comparato Dennis Oliveira Julian Rodrigues Everaldo de Oliveira Andrade Milton Pinheiro Gilberto Maringoni Anselm Jappe Luis Felipe Miguel Igor Felippe Santos Airton Paschoa Bruno Machado Slavoj Žižek Andrés del Río Rubens Pinto Lyra Ari Marcelo Solon Armando Boito Manchetômetro Leonardo Boff Henri Acselrad João Carlos Loebens Andrew Korybko Walnice Nogueira Galvão Afrânio Catani Rodrigo de Faria Marcelo Guimarães Lima Gerson Almeida Eleutério F. S. Prado João Adolfo Hansen Berenice Bento Tarso Genro Alexandre de Freitas Barbosa Sandra Bitencourt Eduardo Borges Alexandre de Lima Castro Tranjan Carlos Tautz Ronald León Núñez Anderson Alves Esteves Vinício Carrilho Martinez Flávio Aguiar Elias Jabbour Boaventura de Sousa Santos Ricardo Musse Luiz Roberto Alves Leda Maria Paulani Michel Goulart da Silva José Raimundo Trindade Renato Dagnino Érico Andrade Antônio Sales Rios Neto Alysson Leandro Mascaro Annateresa Fabris Remy José Fontana José Machado Moita Neto Chico Whitaker José Dirceu Yuri Martins-Fontes Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ricardo Fabbrini Luiz Werneck Vianna Lincoln Secco Eleonora Albano Kátia Gerab Baggio Atilio A. Boron Ricardo Abramovay Luiz Eduardo Soares André Márcio Neves Soares Francisco Pereira de Farias Valerio Arcary Henry Burnett Eliziário Andrade Fernando Nogueira da Costa Matheus Silveira de Souza Luís Fernando Vitagliano Celso Frederico Mário Maestri Paulo Fernandes Silveira Paulo Capel Narvai Bernardo Ricupero Liszt Vieira Alexandre Aragão de Albuquerque Leonardo Avritzer Gabriel Cohn Valerio Arcary Lucas Fiaschetti Estevez Juarez Guimarães Jorge Branco Caio Bugiato Maria Rita Kehl Mariarosaria Fabris Vanderlei Tenório José Micaelson Lacerda Morais Heraldo Campos Tales Ab'Sáber Marilia Pacheco Fiorillo Lorenzo Vitral Luiz Carlos Bresser-Pereira Ricardo Antunes Osvaldo Coggiola

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada