Por DANIEL BRAZIL*
Comentário sobre livro recém-lançado de Mario Baggio
1.
Pense em poças d’água refletindo o céu. Você pisa nelas, e no máximo sente alguns respingos na barra da calça. Mas uma delas esconde um poço, e você ao pisar mergulha fundo, surpreendido. Muitas vezes abrimos um livro de contos contemporâneos, desses que parecem feitos para serem divulgados nas redes sociais, e cruzamos uma longa calçada cheia de poças rasas. Às vezes um ou outro molha as canelas.
Vozes para tímpanos mortos, de Mario Baggio, é o oposto disso. São contos curtos, alguns com meia página, pouquíssimos chegando à terceira página. Porém, mal acabamos de cair num poço e entramos em outro. E precisamos respirar fundo por alguns minutos para recuperar o fôlego.
Mestre da história curta, Mario Baggio se diferencia da grande maioria dos cultores das formas breves por evitar a facilidade da piada e a ligeireza da crônica. Quanto mais sintético, mais contundente. Quanto menor a poça, mais fundo o poço. Deixa a impressão de que se esticar um pouco mais o enredo a coisa se esgarçará, perderá a tensão.
Sabemos que escrever um romance, um conto ou um poema exigem talentos e ferramentas diferentes. Não é apenas técnica, domínio da forma, do artesanato específico que envolve cada texto. É também certeza do conteúdo, da mensagem, do que quer transmitir. Poucos mestres exercitaram o conto e o romance com a mesma qualidade. E raríssimos conseguem trabalhar as formas curtas como quem fabrica, a partir de um bom fermentado, um destilado superior.
O último – e mais sintético – conto do volume, “Verdade”, tem apenas quatro linhas.
“Enquanto lia um livro, o menino chorava. Sua mãe perguntou: – Querido, por que está chorando? Tudo o que está escrito aí é mentira. O menino respondeu: – Mas o que estou sentindo é verdade”.
2.
Isoladas do conjunto talvez estas poucas linhas não deem ideia da ficção do autor. Mas simbolizam, de forma precisa, a concentração de sentidos que o autor busca no conjunto da obra.
Mario Baggio usa com sabedoria o fecho de ouro, tão caro à literatura dos séculos anteriores – e tão esquecido neste –, conjugando-o com uma escritura fluente, sem floreios, que incorpora termos internéticos modernosos acompanhados de boa dose de ironia. Não há descrição de cenários, e muitas vezes os personagens nem tem nome.
Ora em chave realista, ora em clima de sonho – ou pesadelo –, Mario Baggio reafirma em Vozes para tímpanos mortos a capacidade de surpreender o leitor com enredos insólitos envoltos em escrita engenhosa e original.
*Daniel Brazil é escritor, autor do romance Terno de Reis (Penalux), roteirista e diretor de TV, crítico musical e literário.
Referência

Mario Baggio. Vozes para tímpanos mortos. São Paulo, Editora Litteralux, 2025, 160 págs. [https://amzn.to/4oBsuQ3]
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