Eleições no Equador

Imagem: Lara Mantoanelli
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Por GILBERTO LOPES*

O travestismo político da nova direita

“Lasso é um típico político pro-business”, diz Will Freeman, num artigo publicado na Foreign Policy. “Pro-business”, a favor dos negócios, uma receita com a qual o banqueiro Guillermo Lasso vai se tornar presidente do Equador, após vencer o segundo turno das eleições no domingo passado, 11 de abril, contra o candidato do “correísmo”, o economista Andrés Arauz, por uma diferença menor que 5%: 52,3% contra 47,6% de seu oponente.

Ele promete criar dois milhões de empregos, elevar o salário-mínimo para 500 dólares mensais, tirar um milhão de equatorianos da pobreza extrema (num país de 18 milhões de habitantes). Com quase cinco mil casos diários de Covid-19 e 18 mil mortes, a economia equatoriana desabou no ano passado, caindo 7,8%. E embora as estimativas otimistas apontem para um crescimento de 3,5% este ano, nada assegura essa recuperação.

Em novembro passado, o governo de saída anunciou que não haveria aumento do salário-mínimo unificado: 400 dólares (numa economia dolarizada). Além disso, outros 60 dólares seriam dados no primeiro trimestre do ano para os que ganham esse salário mínimo e 100 dólares para aqueles que perderam seus empregos durante a pandemia, e seguem desempregados. No Equador, 48% da mão de obra está na informalidade, de acordo com dados do Ministério do Trabalho, e apenas um terço dos postos de trabalho cumprem o salário mínimo legal. Durante a pandemia, 3,2 milhões de equatorianos foram acrescentados aos que vivem em condições de pobreza.

Um país complicado

O banqueiro Lasso afirma saber como criar empregos. Ele exibe seu sucesso nos negócios, que oferece como modelo para o país, atraindo investimentos estrangeiros e promovendo a exploração de petróleo. “Receberemos um país complicado, o governo nacional não tem liquidez, apenas um saldo de 400 milhões de dólares de reservas, o que representa apenas 20% dos gastos mensais do governo”, disse ele em artigo publicado pela BBC Mundo durante a campanha eleitoral. “Além do mais, é um governo com uma dívida que chega a 63% do Produto Interno Bruto, à qual devem ser adicionados os pagamentos em atraso aos municípios, governadores, sistemas de previdência social e ao Banco Central. Tudo somado, posso dizer, num palpite, que a dívida chega a 80 bilhões”, acrescentou ele.

A receita para enfrentar a situação será a austeridade. “Nós não vamos ignorar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o governo de Lenin Moreno negociou, num montante de 7,4 bilhões de dólares”, disse Lasso. “Mas vamos aumentar o IVA, para lidar com o déficit e a dívida”. Uma política à qual se opôs Arauz, devido às condições que o FMI impõe ao país e que ele considera onerosas.

Já em agosto do ano passado, Arauz tinha denunciado as condições deste acordo, em declarações dadas ao jornal argentino Página 12: “O conteúdo do acordo com o FMI é perverso. Inclui a desregulamentação do sistema financeiro; a liberação da taxa de juros; o incentivo à saída de capital. Eles também querem mudar a lei para que o Banco Central tenha funcionários nomeados por este presidente e não possam ser trocados pelo próximo. Eles estão dinamitando os instrumentos que um governo progressista poderia utilizar”, disse Arauz na ocasião.

Uma vez conhecido o resultado eleitoral e a vitória de Lasso, o portal colombiano Cronicón dizia: “O programa de governo do banqueiro Guillermo Lasso é muito semelhante ao do catastrófico mandato de Mauricio Macri na Argentina, que deixou esta nação em ruínas após sua nefasta passagem pela Casa Rosada”. Com a reforma legal pretendida por Lasso, o Banco Central do Equador “passará ao controle do setor bancário especulativo do país”, “enquanto outras reformas são propostas para flexibilizar as condições de trabalho e privatizar a saúde, a educação e vender hidrelétricas e refinarias”, acrescenta a nota. Na política internacional, Lasso se alinhará com a Casa Branca, em particular com o cerco econômico e financeiro imposto ao governo de Nicolás Maduro e com as iniciativas que, a partir da Colômbia, buscam sua derrubada.

Modelos em crise

O triunfo eleitoral de tal projeto “pro-business”, cujos resultados são bem conhecidos após 40 anos de implementação, só pode ser alcançado se seus objetivos forem ocultados, se o debate eleitoral enfatizar outros aspectos.

Num artigo notável sobre o recente passado político inglês, o colunista do The Guardian John Harris pede a seus compatriotas que não revivam as falsas ilusões dos anos da primeira-ministra Margaret Thatcher, que governou o país durante a década de 80. Eram os anos dourados do neoliberalismo quando, com Reagan no governo dos Estados Unidos, vendiam ao mundo a ideia de que não havia alternativas a essas políticas. O fim da Guerra Fria e do socialismo na Europa Oriental e o desmembramento da União Soviética aproximavam-se. O cenário parecia dar credibilidade à afirmação dos líderes conservadores.

Hoje Harris adverte: o Reino Unido de 2021 enfrenta muitas das mesmas questões essenciais de 40 anos atrás. Após dez anos de austeridade, o ambiente em que vivem milhões de pessoas tornou-se cada vez mais precário e vazio. E acrescenta: “há 40 anos tratava-se do fim de um modelo de planificação estatal, forte poder sindical e intervencionismo econômico em larga escala. “Agora é possível que tenhamos chegado ao fim daquilo que o substituiu: o de um Estado pequeno, com uma visão de livre mercado, embora enfraquecido pela crise de 2008 e provavelmente tornado obsoleto pelo nível de intervenção estatal que o coronavírus tornou evidente”.

A verdade é que o que então despertava esperanças, hoje em dia é impossível. E assim o debate tem que derivar para outras causas, nas quais se possa ocultar a oferta neoliberal.

Um terceiro polo

Apenas três dias antes da eleição, outro colunista do The Guardian, Dan Colliyns – num artigo financiado por um projeto da Fundação de Bill e Melinda Gates, como se observa no jornal – opinou que “mulheres e jovens poderiam ser decisivos no resultado eleitoral do Equador”. Dois candidatos homens, dizia a nota, “estão fazendo o que podem para atrair setores do eleitorado que muitas vezes são marginalizados”.

Com os eleitores cansados de um debate polarizado sobre a década de governo do correísmo e seu legado controverso, os candidatos estão procurando ampliar sua base de apoio, olhando para a agenda LGBTI, e para questões de raça e gênero. Lasso, por exemplo, membro da organização católica conservadora Opus Dei, reuniu-se com ativistas de direitos LGBTI e ofereceu políticas destinadas a combater a violência de gênero mediante a criação de uma defensoria dos direitos da mulher.

O resultado das eleições, como dizia Freeman em seu artigo, mostrou que um amplo setor da população ainda não acredita no que define como ‘populismo autoritário’, que, para ele, caracteriza o governo de Correa. Entre os dois polos – diz ele – surgiu um terceiro, mais recentemente, formado pelos jovens, uma centro-esquerda “socialmente progressista” e a comunidade indígena que rejeita o modelo “iliberal” de desenvolvimento extrativista, por um lado, mas também as propostas neoliberais de Lasso, por outro. Os representantes desse polo seriam o candidato dos setores indígenas agrupados no Pachakutik, liderados por Yaku Pérez, e o partido Esquerda Democrática, de antiga origem social-democrata, cujo candidato foi o empresário Xavier Hervas.

Tanto Pérez como Hervas deixaram seus partidários livres para votar no segundo turno, mas enfatizaram sua distância do correísmo. Num vídeo difundido após o primeiro turno, Pérez reivindicou uma “terceira via”, definida como uma esquerda comunitária, ecológica, anti-extrativista e feminista.

Rashell Erazo, uma mulher trans que dirige a organização Alfil – cujos objetivos são definidos pela defesa dos direitos da comunidade LGBTI – disse que a maioria de sua comunidade inclinava-se para Pérez, devido às suas propostas inclusivas, mas também para Hervas. Como Jaime Vargas, presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), da qual Pachakutik é um braço político, tinha anunciado seu apoio à candidatura de Arauz, o Conselho de Governo da organização saiu para defender o voto nulo no segundo turno.

Tratava-se de um “voto nulo ideológico” que, segundo a organização, significava “ser coerente com a luta histórica do movimento indígena do Equador”, ressaltando que suas demandas e projeto político transcendiam o cenário eleitoral”. Hervas, por sua vez, não defendeu a anulação do voto, mas utilizou argumentos que convidavam ao voto em Lasso. “Com base no debate e em conversas com os voluntários, estou convencido de que, de forma alguma, votarei nulo ou em branco. Também estou convencido de que nosso país deve sair do modelo de autoritarismo que nos governou”, disse em entrevista ao canal Ecuavisa no último dia 23 de março.

Em sua conta no Twitter, Hervas destacou que, para seu partido, Esquerda Democrática, as questões prioritárias incluem a redução do índice de desnutrição infantil crônica, da violência contra a mulher e da gravidez na adolescência devido a estupros, a proteção dos direitos da natureza, o fim da má administração dos fundos do sistema de saúde e da falta de conectividade que deixa as crianças sem educação. Plataformas com as quais Pérez e Hervas pretendem formar uma coalizão de “centro-esquerda” que se oporia à privatização de empresas estatais, à reforma do Banco Central e a novos projetos extrativistas.

O “maior ganhador”

Mas a visão dessa nova “centro-esquerda”, que Pérez e Hervas procurariam organizar, não é compartilhada por todos os analistas. No mesmo artigo já citado, do portal colombiano Cronicón, observa-se que Yaku Pérez era um candidato “apoiado pela embaixada dos EUA e pela social-democracia europeia” e Xavier Hervas, um empresário conservador “que se travestia de esquerdista”.

Ambos foram fundamentais para que Lasso pudesse reverter o resultado eleitoral do primeiro turno. O apelo do movimento indígena por um “voto nulo ideológico” teve – na opinião do autor do artigo – “uma influência notável, pois o número de cidadãos que optaram pelo voto nulo atingiu 1.739.870 votos de um total de 10.675.362 eleitores. “A ascensão de Pérez é parte de uma mudança geracional mais ampla nos movimentos de esquerda da América Latina”, previram José María León Cabrera (escrevendo de Tarqui, Equador) e Anatoly Kurmanaev (escrevendo de Moscou) num artigo publicado pelo The New York Times no dia das eleições equatorianas.

Para ambos, o maior vencedor da eleição no Equador – Yaku Pérez – ficou de fora do segundo turno. “Impulsionados em parte pelas redes sociais e pelos protestos políticos nos Estados Unidos, onde a maioria dos países latino-americanos contam com grandes diásporas, os políticos mais jovens da esquerda estão priorizando as questões ambientais, de gênero e de minorias, em detrimento da doutrina marxista de seus mentores”, diz o artigo.

A prisão como instrumento político

Nas eleições equatorianas, como nas eleições de 2018 no Brasil, a candidatura da Arauz foi o produto da instrumentalização da justiça para retirar da cena política setores progressistas. Algo que os meios de comunicação muitas vezes preferem esconder. Ishaan Tharoor refere-se ao ex-presidente Rafael Correa, em artigo publicado em 13 de abril no The Washington Post, como um populista que polariza a política equatoriana e que se exilou na Bélgica devido a acusações de corrupção no Equador.

A verdade é que, como no Brasil, a judicialização da política serviu para excluir o partido de Correa das eleições, para impedi-lo de ser candidato ou de nem mesmo participar da campanha, enquanto seu ex-vice-presidente, Jorge Glas (que também foi vice-presidente de Lenín Moreno), permanece preso, condenado em julgamentos por corrupção, cujo interesse político é inegável neste momento. É claro que a corrupção deve ser combatida, disse o ex-ministro das relações exteriores brasileiro Celso Amorim na semana passada, em declarações a um canal brasileiro. Mas em alguns casos isso é parte do que tem sido chamado de “guerra híbrida”, uma forma de “remover regimes incômodos e favorecer práticas que melhorem as condições de competitividade das empresas norte-americanas”. Os Estados Unidos, acrescentou ele, fizeram da guerra contra a corrupção uma espécie de substituto da “guerra contra o terror”, que o presidente Bush declarou logo após os ataques às torres gêmeas em Nova York, em setembro de 2001.

*Gilberto Lopes é jornalista, doutor em Estudos da Sociedade e da Cultura pela Universidad de Costa Rica (UCR). Autor de Crisis política del mundo moderno (Uruk).

Tradução: Fernando Lima das Neves.

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