O sionismo realmente existente

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Por BRUNO HUBERMAN*

Reconhecer a centralidade do colonialismo contra os palestinos na formação da identidade judaica contemporânea é um passo importante para a descolonização da Palestina e do judaísmo

Desde junho de 2013, quando um movimento de massas tomou as ruas do Brasil, o país passou por uma significativa polarização política. Esse movimento teve um impacto na forma como a sociedade brasileira e a comunidade judaica se relacionaram com a questão Palestina/Israel. À esquerda, um número crescente de movimentos sociais e partidos políticos, como o PSol, comprometeu-se com uma postura de solidariedade radical aos palestinos, adotando o movimento BDS (Boicote Desinvestimento e Sanções) como parte de sua plataforma. À direita, Israel passou a desempenhar um papel central nas agendas políticas de grupos evangélicos e neofascistas que compunham a base do governo de Jair Bolsonaro, eleito em 2018.

Em 2017, um grupo de judeus sionistas de extrema direita convidou Jair Bolsonaro para realizar uma palestra em um clube de lazer judaico no Rio de Janeiro. Em meio a risos e aplausos de uma plateia de mais de trezentos judeus, Jair Bolsonaro atacou abertamente as comunidades indígenas e quilombolas do Brasil. “Nem um centímetro será demarcado para uma reserva indígena ou quilombola. Onde tem terra indígena, tem riqueza [a ser explorada] embaixo’.

Do lado de fora do clube, uma multidão de mais de cem manifestantes, formada principalmente por jovens judeus de movimentos de juventude sionistas de esquerda, condenou a presença de Jair Bolsonaro, agitou bandeiras israelenses e cantou em hebraico. Os manifestantes expressaram sua desaprovação não apenas em relação à abordagem de Jair Bolsonaro à política brasileira, mas também à política israelense. “Judeus sionistas não votam em fascistas”, gritaram. Os intelectuais sionistas de esquerda consideraram o evento um marco importante que significou uma ruptura sem precedentes na hegemonia da agenda progressista-liberal da comunidade judaica brasileira.

De fato, a manifestação levaria a um reposicionamento público dos judeus sionistas que apoiam as agendas progressistas para se juntarem ao restante da esquerda brasileira em defesa dos povos oprimidos e na luta contra o fascismo. Do ponto de vista dos sionistas de esquerda, o antissemitismo na esquerda radical pró-BDS é a razão pela qual eles são excluídos tanto da luta pela justiça no Oriente Médio quanto da batalha contra a extrema direita brasileira. De acordo com eles, a extrema direita e a extrema esquerda brasileiras defendem um “Israel imaginário” que rejeita a pluralidade do sionismo e de Israel.

De acordo com essa lógica, o sionismo de esquerda representaria a única alternativa viável contra o “extremismo”. Os sionistas de esquerda argumentam que somente o diálogo seria capaz de resolver a questão Palestina/Israel e as divergências dentro da comunidade judaica e da esquerda brasileira. Esse discurso neoliberal que afirma que “não há alternativa” conseguiu atrair um apoio crescente entre os judeus brasileiros e setores relevantes da esquerda brasileira que estão em negação sobre a realidade na Palestina/Israel.

É possível observar uma crise global do sionismo de esquerda, de Israel ao Brasil, aos Estados Unidos e ao Reino Unido. As comunidades judaicas em todo o mundo passaram por transformações nas relações raciais e de classe após a Segunda Guerra Mundial. Isso explica, em parte, por que os judeus brasileiros não completaram a polarização notada na sociedade brasileira para integrar a esquerda antissionista, em vez disso, uniram-se à direita neofascista.

Com base em uma análise das reflexões intelectuais e das ações desse grupo, argumentamos que, com a ajuda das elites sionistas e a coerção do Estado brasileiro, os sionistas de esquerda atuam como guardiões para impedir que os judeus de esquerda e os setores da esquerda moderada componham movimentos radicais para a emancipação dos povos oprimidos e explorados no Brasil e na Palestina. Dessa forma, eles conseguem sustentar tanto as reivindicações coloniais israelenses de soberania sobre o território palestino quanto à legitimidade do sionismo dentro da esquerda brasileira.

Fundamentamos nossa crítica em reflexões de judeus antissionistas, perspectivas anti coloniais e coloniais para demonstrar como o sionismo de esquerda funciona como uma versão suave e paternalista do velho chauvinismo colonial. Para isso, testamos a hipótese apresentada pelo marxista judeu americano Alexander Bittelman, em 1947, de que os sionistas se alinham com as forças reacionárias do Estado-nação em que vivem.

Entendemos a práxis da esquerda sionista como uma estratégia contrarrevolucionária para manter a hegemonia do sionismo liberal com base na exclusão de alternativas antissionistas, dentro e fora da comunidade judaica. A análise histórica da política do movimento judaico antissionista rompe com a ideia de uma coexistência harmoniosa dentro da comunidade judaica reivindicada pela esquerda sionista brasileira.

O apagamento da esquerda judaica antissionista da história da comunidade judaica brasileira é um resultado direto de sua derrota histórica contra o sionismo. A academia tem sido uma ferramenta importante que tem ajudado o sionismo liberal a manter sua hegemonia no país. Os poucos autores brasileiros que abordam a particularidade da questão judaica de um ponto de vista marxista são invariavelmente acusados de cair no essencialismo ao tratar da relação entre judeus e movimentos comunistas antissionistas.

Propomos uma reflexão alternativa que examina a esquerda judaica antissionista, o racismo e o colonialismo como elementos-chave para entender as contradições entre o sionismo realmente existente na Palestina e a hegemonia progressista-liberal que prevalece na comunidade judaica no Brasil. Nosso objetivo é fornecer uma crítica contra-hegemônica para uma práxis emancipatória que rejeite o colonialismo e compreenda a particularidade da questão judaica sem submetê-la a análises de classe.

Primeiro, apresentamos o entendimento da literatura dominante sobre o papel desempenhado pela esquerda sionista na comunidade judaica e na sociedade brasileira em geral. Em seguida, apresentamos uma crítica ao conceito de “Israel imaginário” e o localizamos dentro da práxis contrarrevolucionária da esquerda sionista. Por fim, apontamos as maneiras pelas quais o movimento sionista tem agido para desmantelar as alternativas judaicas antissionistas no Brasil. 

A crise da hegemonia progressista-liberal da comunidade judaico-sionista brasileira

O alinhamento com a WZO está na base do movimento sionista no Brasil na década de 1910. Ele acaba por se dinamizar quando, em 1927, o imigrante russo Aron Bergman fundou a sede brasileira do Poalei Tzion no Rio de Janeiro. Os sionistas socialistas constituíam a maioria da comunidade judaica no final da década de 1930 e foram responsáveis pela construção de escolas, bibliotecas e movimentos juvenis, que formavam sua principal base social.

Essas entidades tiveram um papel fundamental na expansão do sionismo, no estabelecimento do hebraico como língua nacional judaica, no apoio do Estado brasileiro a Israel e na mobilização de recursos financeiros e humanos para a colonização sionista da Palestina, como o treinamento militar em acampamentos de jovens para a formação de novos colonos.

De acordo com Mônica Grin, o período pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado pela ascensão da agenda progressista-liberal na comunidade judaica. A democratização do país após 1945, após o fim do Estado Novo, resultou em um novo modelo de instituições que representavam a comunidade judaica de forma territorial. Essas entidades eram dirigidas por elites sionistas para representar todos os judeus na sociedade brasileira, especialmente perante o governo nacional. No entanto, elas estavam abertas a grupos antissionistas, que ainda eram numerosos na época, mas permaneceram independentes.

As posições da comunidade judaica em favor dos direitos humanos, da justiça social, da luta contra o antissemitismo e da defesa de Israel como uma nação democrática entre os países autoritários do Oriente Médio formaria uma base de uma nova coesão social.

A defesa dos direitos universais e da democracia, em particular, e a expansão dos direitos das minorias étnicas e religiosas levariam os judeus a terem seus direitos respeitados como indivíduos e como grupo. Essa agenda criou vínculos com outros grupos sociais em apoio ao multiculturalismo nacional, à liberdade religiosa e à luta contra o racismo. Ela transformou vários grupos progressistas da sociedade, como setores da Igreja Católica e o Movimento Negro, em aliados na luta contra o antissemitismo.

Outro exemplo inclui as alianças de grupos sionistas de esquerda com a esquerda brasileira. De acordo com Michel Gherman, a relação entre os sionistas e a esquerda brasileira passou de uma empatia na década de 1930 para uma hostilidade no início do século XXI. Segundo ele, mesmo antes do reconhecimento de Israel pela URSS, havia proximidade entre os sionistas de esquerda e o PCB, o principal representante da esquerda revolucionária brasileira na época. Havia até mesmo simpatia entre setores do PCB pelos aspectos coletivistas do Estado judeu.

Mesmo no auge da “sionização” da comunidade judaica após a guerra de 1967, houve uma relativa proximidade entre o sionismo de esquerda e a esquerda brasileira. Essa proximidade persistiu durante a redemocratização do país na década de 1980, quando grupos sionistas se aproximaram do PT, o principal partido da esquerda brasileira, que adotou o consenso liberal internacional de paz, coexistência e dois Estados. Assim, tanto os judeus quanto a esquerda acolheram a posição “criticamente sionista”.

Entretanto, essa hegemonia sionista liberal passaria por uma crise após a Segunda Intifada (2000-2006), quando, de acordo com Michel Gherman, interpretações binárias resultariam em posições extremistas na esquerda brasileira em relação a Israel e ao sionismo. Esse tipo de crítica da esquerda confundiu as identidades judaica, sionista e israelense.

Michel Gherman propositalmente confunde as críticas anti-sionistas do sionismo de esquerda com declarações antissemitas isoladas de indivíduos da esquerda brasileira. Ele afirma que o mesmo raciocínio sustenta os textos que acusam “grupos minoritários de origem judaica” de possuir um “poder oculto” que os ajudaria a dominar o mundo e aqueles que apontam as características estruturais do sionismo colonial dos colonos na Palestina, inclusive na esquerda sionista.

Portanto, qualquer crítica ao sionismo de esquerda e suas características coloniais poderia ser facilmente enquadrada como uma negação de sua possibilidade de existir. O antissionismo de esquerda seria um novo tipo de antissemitismo. “Nesse sentido, os judeus não podem ser de direita ou de esquerda; eles são exclusivamente judeus. O sionismo, aqui, toma o lugar de um ‘judaísmo original’, substituindo as acusações típicas encontradas nas formas tradicionais de antissemitismo político… Os judeus brasileiros são vistos como ‘representantes’ de um suposto ‘sionismo’ que está determinado a defender os interesses de Israel. Não exatamente o verdadeiro Estado de Israel, mas um Estado imaginário, que possui superpoderes e é capaz de explorar e dominar outros países e sistemas econômicos”.

Além disso, de acordo com Michel Gherman, o movimento BDS incentiva a confusão “perigosa e generalizante” entre sionistas, judeus e Israel, permitindo que a esquerda antissemita reafirme sua posição de apoio às campanhas de boicote. Assim, o BDS Brasil se beneficiaria do antissemitismo da esquerda: “Os ativistas do BDS parecem explorar a confusão entre as identidades nacionais judaicas e religiosas judaicas, entre judeus e Israel, entre Israel e as atitudes de governos israelenses específicos, a fim de reforçar sua influência e agenda política entre grupos políticos brasileiros específicos”.

Por outro lado, Gherman, Grin e Caraciki entendem o crescimento político dos grupos evangélicos conservadores em 2010, defensores históricos de Israel, como um fator que pressionou Jair Bolsonaro a abraçar Israel como um aliado na defesa dos valores judaico-cristãos ocidentais contra as ameaças vindas do Oriente, do Islã e da esquerda. Em 2014, Jair Bolsonaro foi batizado por um líder evangélico para ganhar o apoio dos evangélicos. Desde sua posse, Jair Bolsonaro se tornou um dos principais parceiros de Israel e as bandeiras israelenses se tornaram onipresentes nas manifestações da extrema direita brasileira.

Como resultado, isso desencadeou uma agenda neossionista e ultraconservadora liderada por grupos de extrema direita anteriormente marginalizados dentro da comunidade judaica. Esses grupos buscavam romper com o consenso progressista-liberal e excluir os judeus “criticamente sionistas”. Grupos apologistas de Israel de extrema direita substituíram os movimentos de esquerda como os principais aliados das elites sionistas.

Portanto, estaríamos testemunhando uma “desconversão” dos sionistas de esquerda, juntamente com uma conversão simbólica dos evangélicos e dos apoiadores de Israel de Jair Bolsonaro. Os grupos sionistas de extrema direita, que se consideram os “verdadeiros” representantes dos interesses judaicos no Brasil, estariam promovendo uma “limpeza” nas entidades judaico-sionistas. Isso estaria causando uma ruptura da solidariedade dentro da comunidade judaica e uma crise de representação supostamente nunca vista antes.

Uma novidade que sustenta o alinhamento entre o extremismo evangélico, o fascismo bolsonarista e os judeus ultranacionalistas é sua visão essencialmente positiva dos judeus, dos sionistas e de Israel como defensores de seus valores morais e políticos. Na verdade, para os intelectuais sionistas liberais, essa representação essencialmente positiva não seria uma forma de antissemitismo, embora muitos, inclusive o próprio Jair Bolsonaro, defendam posições abertamente antissemitas. Ou seja, suas posições ultrassionistas e antissemitas não se sobrepõem, mas existem como fenômenos complementares. Na esquerda, entretanto, haveria uma sobreposição entre o antissionismo e o antissemitismo.

A estrutura despolitizante do “Israel imaginário”

Como forma de explicar a crise de hegemonia do sionismo liberal, Michel Gherman desenvolveu o conceito de um “Israel imaginário”, que se transmuta com o do “judeu imaginário”, elaborado por Alain Finkielkraut para a França do final do século XX. Para Michel Gherman, assim como para Finkielkraut, existiriam, tanto na esquerda quanto na direita, construções sociais responsáveis por tornar os judeus e, por extensão, Israel, excepcionais e guiados por uma suposta natureza essencialista.

A esquerda veria o elo judeu-sionista-Israel como racista, colonizador, imperialista, capitalista e de direita. A direita interpretaria esse elo como religiosidade, messianismo, conservadorismo e a defesa da sociedade judaico-cristã ocidental. Nenhuma dessas perspectivas imaginárias teria espaço para a pluralidade e a diversidade do “verdadeiro judeu” ou para os vários tipos de sionismo e vertentes opostas na sociedade israelense.

“A nova direita brasileira parece atrair grupos da nova esquerda. E, em um abraço de urso, isso acaba matando ambos, já que o mais importante é sufocar aqueles que contradizem as versões de ambos os lados, nesse caso, judeus progressistas, liberais, sionistas de esquerda”.

A elaboração teórica do ‘Israel Imaginário’ tem orientado, em especial, as ações do IBI, organização fundada em 2017 que advoga por um sionismo liberal que agrega liberais de esquerda e de direita em defesa de uma hegemonia progressista-liberal. Suas ações são dirigidas a entidades representativas da comunidade judaico-sionista e a importantes círculos da sociedade brasileira, como festivais literários, feiras de cinema, partidos políticos, mídia e universidades públicas.

O slogan do IBI, “O sionismo é plural”, funciona como um véu de tolerância multicultural por trás do qual se esconde a ambição de antagonizar as críticas dos palestinos e dos movimentos radicais de esquerda que apontam para a característica colonial do sionismo realmente existente na Palestina. Para Michel Gherman, diretor do IBI, e Thomaz, apontar as maneiras pelas quais o colonialismo estrutura a realidade na Palestina/Israel constitui uma deturpação que apaga a complexidade do “conflito palestino-israelense”, em uma argumentação semelhante àquela que deseja apagar a complexidade dos judeus.

De acordo com o presidente do IBI, David Diesendruck, a organização foi financiada como uma reação à “dor” causada pela polarização na sociedade brasileira.[38] Em uma pesquisa etnográfica realizada entre 2015 e 2017 com judeus brasileiros que se identificam como sionistas de esquerda, Bianca Marcossi notou uma dor compartilhada entre aqueles que reivindicam essa identidade. Esse sofrimento seria decorrente do isolamento e da marginalização na sociedade brasileira como resultado da polarização em torno da questão Palestina/Israel.

A base comum dos sionistas brasileiros de esquerda inclui o apoio ao Estado Palestino e o fim da ocupação dos territórios palestinos, além de um sionismo baseado em valores humanistas e éticos judaicos. Marcossi observa um esforço comum dos sionistas de esquerda para autodefinir sua identidade sionista de uma forma idealista que não tem correlação com o sionismo realmente existente.

Marcossi destaca como esse desejo de acabar com a ocupação é considerado uma prioridade necessária para salvar Israel e o sionismo que eles entendem ser verdadeiro: aquele que teria existido até 1967, antes do “desvio” causado pela direita sionista. Esse discurso de “desvio” também é observado na crítica às ações da extrema direita sionista contra o consenso liberal na comunidade judaica brasileira.

Os intelectuais do sionismo de esquerda desejam redefinir esse sofrimento individual como uma identidade com uma perspectiva privilegiada que permita uma melhor compreensão da realidade, posicionando-se em dois lados: a esquerda e o sionismo. Eles pretendem fazer com que sua proposta política de “dois Estados para dois povos” seja a mais racional, pois se baseia em uma experiência privilegiada de sofrimento que busca a moderação. Enquanto a extrema direita defende um estado de apartheid, resultante de suas ambições de anexar a Cisjordânia, o projeto de um estado binacional democrático está ganhando terreno na esquerda.

Nas palavras do coordenador executivo do IBI, Rafael Kruchin: “à esquerda e à direita no Brasil, há uma clara dicotomia que opõe os que lutam contra a ‘barbárie’ e os que lutam contra o ‘colonialismo’ … Cada lado dessa realidade binária vê e se auto proclama como o locus da excelência e da clareza, e não parece, no momento atual, disposto a repensar suas categorias de classificação … É preciso começar a falar de alternativas concretas à atual conjuntura e, quem sabe, da possível solução de dois Estados.

Portanto, o “Israel Imaginário” serve como uma teoria do sionismo liberal para retomar o projeto de dois Estados e restabelecer uma hegemonia liberal-progressista na comunidade judaica brasileira por meio da estratégia do diálogo. Essa estrutura parece crítica, mas é baseada em uma falsa polarização que iguala esquerda e direita em uma “teoria da ferradura”.

Nesse paradigma, o espectro político teria a forma de uma ferradura, o que faria com que a extrema esquerda estivesse mais próxima da extrema direita do que do centro-esquerda. Portanto, esquerda e direita não teriam diferenças qualitativas ou teleológicas.

De acordo com Sabrina Fernandes, a “teoria da ferradura” só pode ser observada em um ambiente de grande despolitização como o do Brasil desde junho de 2013. A ideia de uma pluralidade contra “binarismos” defendida pelo paradigma do “Israel imaginário” da esquerda sionista impõe uma despolitização que desmobiliza os antagonismos estruturais resultantes da realidade colonial dos colonos na raiz das desigualdades de poder e das condições de opressão e exploração entre judeus e palestinos. Consequentemente, ela constrói uma representação na qual o conflito deixa de ser colonial e passa a ser entre liberais e extremistas. O “Israel imaginário” é uma ideologia que justifica o papel dos sionistas de esquerda como guardiões da comunidade judaica e da esquerda moderada contra as posições cada vez mais “extremistas” da esquerda radical. Nessa falsa representação da realidade, os sionistas de esquerda são iguais aos palestinos em termos de vitimização.

Por exemplo, em um artigo sobre o fundamentalismo judaico, Gherman e Grin afirmam que os extremistas formam “gangues violentas que lutam contra palestinos e judeus progressistas com igual violência”, como se insinuassem que os judeus progressistas passam pelo mesmo sofrimento, após massacres como o de Hebron em 1994, que os palestinos, que são submetidos ao roubo sistemático de casas e terras, entre outros atos de violência cometidos por colonos extremistas que acabam beneficiando a população de colonos como um todo.

Essa distorção da realidade se baseia em falácias que beneficiam um projeto liberal de direita ao limitar a possibilidade de conciliação exclusivamente aos liberais inscritos em uma ordem neoliberal no Brasil, o que pode ser visto na afirmação de que o colonialismo sionista dos colonos é fruto da imaginação fundamentalista da esquerda e que o movimento BDS se beneficia do antissemitismo da esquerda radical. Outra forma de despolitização ocorre por meio da estratégia de discurso, que é apresentada como a solução racional e tecnocrática de acordo com os procedimentos neoliberais de resolução de conflitos e supostamente se eleva acima da ideologia da esquerda “pró-palestina” e da direita “pró-Israel”.

Dessa forma, a teoria do “Israel imaginário” reproduz a antiga estratégia de “complexidade” que historicamente manteve os militantes da esquerda internacional com medo de serem acusados de de antissemitismo ao criticar o sionismo e sua práxis colonial – uma prática recorrente, como observado no caso de Jeremy Corbyn no Reino Unido. Consequentemente, os aspectos coloniais e racistas do sionismo são ignorados. As formas radicais de crítica dos antissionistas são retratadas como “irracionais”, forçando a esquerda a adotar posições mais moderadas.

A armadilha da pluralidade: a vigilância da esquerda brasileira

Em 2010, observou-se o impacto crescente de novas organizações ligadas ao sionismo de esquerda na esquerda brasileira, afastando-a da campanha do BDS ou da oposição ao bolsonarismo na comunidade judaica. Em algumas ocasiões, houve articulação com grupos judeus não sionistas que concordam com a hegemonia do sionismo liberal, como a ASA no Rio de Janeiro e a Casa do Povo em São Paulo.

A principal área de atuação foi o partido de esquerda radical PSol, criado em 2005 como uma alternativa socialista ao PT, um partido que se tornou mais adequado à hegemonia neoliberal. Vários sionistas de esquerda se juntaram ao PSOL no Rio de Janeiro na década de 2010, como Guilherme Cohen, líder do Judeus pela Democracia, formado no movimento juvenil sionista e ex-assessor do ex-deputado Jean Wyllys, um importante líder da causa LGBTQ e ardente opositor de Jair Bolsonaro.

Marcossi observa que o recrutamento de aliados na esquerda brasileira busca reforçar a crença no sionismo de esquerda entre os judeus liberais em crise. Diante do sofrimento que suportam, eles tendem a se mover em direção à esquerda antissionista ou à direita bolsonarista. A esquerda sionista israelense, em especial o Meretz, frequentemente envia delegados para transmitir os ensinamentos da “pátria” àqueles cujas crenças estão em dúvida, a fim de evitar sua partida.

Na eleição para prefeito do Rio de Janeiro em 2016, que opôs o evangélico Marcelo Crivella a Marcelo Freixo, do PSol, o político de esquerda foi acusado de antissemitismo porque setores de seu partido afirmavam que Israel promovia o genocídio de palestinos. Com o apoio da esquerda sionista, Marcelo Freixo procurou se distinguir da ala antissionista e adotou a tradicional postura da esquerda sionista de diferenciar o Estado de Israel do governo de Benjamin Netanyahu: “Ser contra um governo não é ser contra um país”.

É importante destacar que o PSol é um partido de tendências sem centralismo, e que Wyllys e Freixo eram políticos independentes. As tendências podem ter uma ideologia específica, como o trotskismo ou o ecossocialismo, ou uma abordagem mais geral do socialismo. Como resultado, há divergências entre as posições adotadas por algumas tendências internas e de deputados independentes e as declarações oficiais adotadas pelo Setor de Relações Internacionais do partido em assuntos como Palestina/Israel, Venezuela e Síria.

Consequentemente, o PSol é visto como sionista e pró-Palestina ao mesmo tempo. Esse tipo de contradição não é visto em partidos menores da esquerda radical que adotam uma organização centralista, como o PCB, um partido marxista-leninista, ou o PSTU, um partido trotskista. O PSTU está particularmente envolvido na solidariedade à causa palestina e rejeita qualquer aproximação com a esquerda sionista.

Há também colaborações entre diferentes grupos para iniciativas como viagens à Palestina/Israel para figuras importantes da esquerda brasileira. Wyllys foi à Palestina/Israel em 2015 em uma viagem organizada por Gherman, Cohen e outros membros dos Judeus Progressistas, PSol, CONIB e a Embaixada do Brasil em Israel. De acordo com o político, o objetivo era “fazer a conexão entre a esquerda sionista e a esquerda palestina e avançar o debate sobre a Ocupação dentro da esquerda”.

O itinerário de Jean Wyllys seguiu o roteiro do sionismo de esquerda: reuniões com figuras como David Grossmann e Nitzan Horowitz; visitas à ONG israelense-palestina Combatants for Peace, ao Yad Vashem e ao kibutz Zikim, ligado ao Hashomer Hatzair e construído sobre a aldeia palestina de Hirybia; e uma palestra sobre “paz” na Universidade Hebraica de Jerusalém. Em um tom orientalista, Jean Wyllys escreveu sobre a viagem: “os direitos garantidos pelo movimento LGBT israelense são um farol em uma região dominada pelo fundamentalismo, totalitarismo, misoginia e homofobia”.

De acordo com Jean Wyllys, durante sua viagem, ele aprendeu que “sionismo não é sinônimo de judeu”; que “o antissionismo é usado para disfarçar o antissemitismo”; que “há sionistas que são contra a ocupação dos territórios palestinos (…) e a favor da solução de dois Estados”. Marcossi afirma que o político “passou a ‘ver’ através dos olhos de seus ‘anfitriões’, adotando a mesma esperança que eles, o mesmo repúdio ao movimento BDS (…) e o mesmo método, o diálogo”.

O caso de Jean Wyllys é um exemplo de um empreendimento bem-sucedido da esquerda sionista para “ensinar” a sociedade brasileira, por meio do recrutamento de intelectuais não judeus, como contestar a hegemonia ao seu lado. Na visão do militante do sionismo de esquerda brasileiro: “(Wyllys) manifestou posições que são muito próximas das nossas, praticamente semelhantes. Se não for pela diferença de posicionamento, que não é nem judaico nem sionista, mas apenas pela compreensão da realidade, (é) muito próximo”.

Esse esforço também foi direcionado a outras figuras públicas em uma tentativa de normalizar o discurso sionista de esquerda no país, como Gregório Duvivier, um comediante influente com grande influência pública que também é filiado ao PSol; Paulo Abrão, um ativista de direitos humanos responsável por organizar “reuniões e diálogos entre palestinos e israelenses” para a paz por meio do Ministério da Justiça; e Djamila Ribeiro, importante intelectual do movimento negro, que se aproximou da esquerda sionista após entender como uma forma de racismo a crítica que Roger Waters e outros solidários à causa palestina, incluindo ativistas negros, fizeram ao músico negro brasileiro Milton Nascimento por se apresentar em Israel.

Gherman, Wyllys e Ribeiro compartilham um entendimento comum da crítica antissionista como uma forma de intolerância contra suas identidades individuais, aderindo a uma estratégia política próxima à da esquerda moderada brasileira, que se baseia em uma adaptação pragmática à ordem neoliberal dominante. Nessa perspectiva, a utopia libertadora da descolonização e o movimento BDS são retratados como opressivos porque confrontam a “pluralidade” israelense e excluem seus parceiros supostamente “reais”: a esquerda sionista.

Dessa forma, a esquerda sionista rejeita o verdadeiro palestino – aquele que reivindica uma perspectiva colonial dos colonos e adere a uma estratégia de recusa anticolonial contra a normalização do racismo colonial israelense – em troca de um sionismo imaginário baseado em deturpações da realidade que disfarçam o colonialismo dos colonos. Assim como Finkielkraut faz em relação aos europeus, os sionistas de esquerda assumem uma postura que se apresenta como universal e vê o anticolonialismo não como humanismo, mas como preconceito e relativismo moral.

Colonialismo sionista e práxis contrarrevolucionária

Judith Butler, em Parting Ways: Jewishness and the Critique of Zionism, observa que qualquer projeto de coexistência judaica na Palestina deve começar com um movimento duplo, ao mesmo tempo recuperando e negando a tradição ética judaica. Judith Butler aponta a coabitação com o não judeu como a substância ética central do judaísmo diaspórico, representando um compromisso das tradições judaicas seculares, socialistas e religiosas com a igualdade e a justiça. Esses recursos judaicos são o que permite a construção da coabitação na Palestina, bem como “a crítica à violência do Estado, a subjugação colonial das populações, a expulsão e a desapropriação”.

Ao mesmo tempo, Judith Butler postula que é crucial rejeitar essa tradição judaica como exclusivamente judaica e os valores éticos judaicos como excepcionais. Esse movimento tem como objetivo impedir a construção de uma posição judaica privilegiada para entender e agir sobre a realidade, até mesmo uma posição antissionista. Ou seja, a crítica judaica ao sionismo deve questionar a estrutura judaica em direção a valores democráticos mais fundamentais e universais, de modo a superar o judaísmo originalmente reivindicado como a estrutura exclusiva para pensar sobre ética e política.

Todas as críticas ao sionismo e a Israel feitas pela esquerda sionista contribuem para sustentar uma posição privilegiada de pensar e agir sobre a questão da coabitação entre judeus e não judeus na Palestina e no Brasil e, portanto, não conseguem se afastar da estrutura do judaísmo. Ao ignorar o colonialismo dos colonos como uma dimensão estrutural na Palestina/Israel, os intelectuais sionistas de esquerda desconsideram como ele estrutura sua própria consciência, identidade e ação. Como Franz Fanon observou, é a estrutura colonial que produz os agentes coloniais, não suas práticas individuais.

Patrick Wolfe afirmou a centralidade da divisão binária entre colono e nativo como a relação dialética estrutural a partir da qual é possível entender todas as outras ramificações múltiplas em uma situação colonial de colono como a Palestina/Israel. Para os povos indígenas, como no caso dos palestinos, colocar a relação colonial em termos binários como colonizador e nativo, opressor e oprimido, ainda faz sentido e não é nem um pouco imaginário: é como a ordenação das populações naquele território foi originalmente produzida pelos imperativos racistas dos colonizadores sionistas e que continua a fundamentar suas relações materiais.

A identidade não é algo construído a partir de discursos e imaginações, mas a partir de processos materiais. O colonialismo dos colonos israelenses criou o indigenismo palestino, que ressurgiu recentemente nos debates sobre a Palestina e se tornou um aspecto importante da mobilização política, tanto nacional quanto global, constituindo conexões com as lutas de outros povos indígenas contra o colonialismo dos colonos.

Entretanto, a interação com a população palestina nativa não parece ter consequências para a natureza e a identidade dos sionistas liberais. Como observa Gabriel Piterberg, “o que ‘nós’ fizemos é, na verdade, o que ‘nós’ somos”. Os sionistas liberais, entretanto, baseiam-se em interpretações idealistas e particularistas do processo histórico material, como no caso dos kibutzim. Ao retratá-lo como um movimento utópico socialista sionista, eles ignoram o papel central que ele desempenhou na garantia da colonização forçada das terras palestinas e na construção de uma sociedade de colonos sobre as ruínas da sociedade indígena.

Historicamente, a esquerda radical tem lutado contra formas sociais que se baseiam no nacionalismo para realizar práticas opressivas como o colonialismo, mesmo aquelas que se dizem socialistas. A ruptura com a Segunda Internacional no início do século XX resultou de discordâncias que opunham os revolucionários comunistas e anticoloniais à social-democracia europeia, que apoiava o colonialismo como uma etapa necessária para alcançar o socialismo nas periferias.

Esse tem sido o elemento central da posição histórica dos antissionistas: a rejeição do sionismo como a solução para a questão judaica. O colonialismo tem sido um fenômeno plural em seus métodos e ideologias, mas que se baseia estruturalmente na mesma lógica racista de pilhagem, exploração e desumanização, mesmo quando declara sua “intenção humanitária de promover a realização da paz perpétua”. A pluralidade de sionistas que tiveram impacto sobre a realidade material da Palestina representa a pluralidade que o colonialismo em geral, e o colonialismo sionista dos colonos em particular, pode assumir.

Desenvolvido como um projeto nacionalista para a “normalização” dos judeus da diáspora por volta da época de sua colonização na Palestina e da construção de um Estado judeu soberano no território, o sionismo nunca foi um movimento voltado para a emancipação de ninguém além dos próprios judeus. Em vez de rejeitar o paradigma nacional que estava na raiz de sua própria exclusão na busca pela emancipação internacionalista, como fizeram os judeus comunistas, os sionistas reivindicaram as mesmas armas de opressão que deram origem ao antissemitismo moderno para sua libertação nacional fora da Europa. A subjugação de um povo autóctone conferiu aos sionistas o reconhecimento como iguais por parte de seus antigos opressores, os europeus. Assim, os sionistas simplesmente reverteram o jogo da exploração do homem pelo homem.

A interpretação positivista do socialismo foi fundamental para a construção da vertente suave e paternalista do colonialismo sionista, conforme observado no trabalho de Borockov, um intelectual sionista marxista influente na liderança dos movimentos sionistas socialistas responsáveis pelo estabelecimento de Israel. Embora Borockov tenha se identificado um pouco com seus colegas marxistas antissionistas do início do século XX, como Vladimir Medem e o Bund, os sionistas socialistas sempre procuraram se distinguir do sionismo burguês e liberal de Herzl, por um lado, e do antissionismo do Bund e dos bolcheviques, por outro.

Apesar de suas diferenças, os sionistas concordavam com uma solução territorialista para a questão judaica e com a criação de um estado judeu na Palestina baseado na destruição da sociedade nativa. Borokhov via a evolução das forças produtivas em direção a um socialismo liderado pelos colonos judeus como benéfica para a sociedade nativa. Sob uma perspectiva marxista, Borockov reproduziu o discurso “civilizador” colonial dos colonos, muito presente na obra de Herzl: “A população de Eretz Israel adotará o novo modelo econômico e cultural do país. Os povos indígenas se assimilarão econômica e culturalmente àqueles que assumiram a liderança do desenvolvimento das forças produtivas”.

O sionismo socialista de Borokhov apoiava a solidariedade judaica entre classes acima da solidariedade internacional do proletariado. Como resultado, o movimento dos trabalhadores tornou-se a ponta de lança do colonialismo dos colonos sionistas.

O Histadrut, o sindicato dos trabalhadores sionistas, foi fundamental para a construção de uma economia exclusiva de colonos, separada da economia nativa, expulsando os palestinos da terra e do mercado de trabalho e lançando as bases para um Estado judeu fundado na exclusão e segregação contínuas da população nativa. O Histadrut chegou ao ponto de impedir a solidariedade de classe entre trabalhadores judeus e palestinos sob os auspícios do Partido Comunista da Palestina, que era antissionista.

Hoje, apesar do enfraquecimento da esquerda sionista, a estruturação colonial da solidariedade foi mantida. O foco das ações permaneceu na luta de classes entre a comunidade de colonos, conforme revelado nas manifestações de 2011 por israelenses liberais, em detrimento da solidariedade com os palestinos. Enquanto isso, novas formas de governo mais brandas e mais duras se alternavam na desapropriação dos palestinos, ambas fortemente baseadas em relações neoliberais desde Oslo.

Vários movimentos de esquerda em todo o mundo se adaptaram a novas formas de colonialismo (neo)liberal, como a construção da usina de Belo Monte no Brasil pelo governo do PT, que expropriou populações indígenas. Outras formas incluem projetos multiculturais de inclusão e reconhecimento socioeconômico que não alteraram a estrutura racial das sociedades.

A esquerda sionista brasileira reproduz o paternalismo colonial dos liberais israelenses como portadores benevolentes do que seria a melhor alternativa para os palestinos. Defendem um sionismo imaginário que, no fim das contas, é uma fraude que serve de ardil para combater o antissionismo dos palestinos e judeus reais e garantir a perpetuação da hegemonia do sionismo liberal.

Como tal, fazem parte do que Florestan Fernandes chamou de “contrarrevolução prolongada”: um esforço permanente da burguesia dependente brasileira para mitigar as contradições decorrentes da desigualdade e da exclusão que são capazes de se tornar uma força política revolucionária. Embora um alinhamento entre as elites sionistas e a burguesia dependente no Brasil seja bastante evidente sob a presidência de Jair Bolsonaro, sua associação na eliminação da esquerda comunista antissionista facilitou a sujeição do país ao imperialismo dos EUA e a proximidade com os interesses israelenses desde a década de 1930.

Como será demonstrado a seguir, os líderes sionistas não estenderam a solidariedade étnico-religiosa aos judeus comunistas antissionistas que foram perseguidos pelo Estado brasileiro em diferentes momentos da história.

A esquerda sionista atua de forma evasiva no campo da hegemonia para cooptar e esvaziar o conteúdo político do projeto opositor e, assim, contribuir para a defesa da soberania israelense sobre as terras palestinas. Esse tipo de ação, que Gramsci chamou de “transformismo”, busca construir oponentes, em outras palavras, palestinos, de acordo com perspectivas coloniais.

Em vez de revolucionários anticoloniais que recorrem à rejeição anticolonial como forma de libertação do lugar em que o racismo colonial os colocou inicialmente, o paradigma do “Israel imaginário” da esquerda sionista reduz os palestinos a ativistas de direitos humanos (neo)liberais, racionais e moderados que mantêm um diálogo pacífico com seus colegas israelenses. Esse tipo de raciocínio, característico dos direitos humanos neoliberais, reproduz o racismo colonial ao manter os palestinos confinados a um lugar estabelecido pelos sionistas.

Essa práxis contrarrevolucionária da esquerda sionista remete a uma posição histórica dos esquerdistas europeus que rejeitaram a violência anticolonial dos colonizados e apoiaram a libertação na colônia meramente como um subproduto da revolução na metrópole. Em um artigo de 1957, Fanon condena a esquerda francesa por não entender como a luta de classes assume a forma de libertação nacional na situação colonial.

Para o intelectual martinicano, essa falta de compreensão do colonialismo foi o que levou os franceses a reduzir o oposto do colonialismo à “escala individual de um comportamento menos racista, mais aberto e mais liberal” e a criticar os “excessos” da violência anticolonial. “A pseudojustificativa para essa atitude é que, para ter influência sobre a opinião pública francesa, certos fatos devem ser condenados, as excrescências inesperadas devem ser rejeitadas, os “excessos” devem ser repudiados. Nesses momentos de crise, de oposição face a face, a FLN está sendo solicitada a direcionar sua violência e torná-la seletiva”.

Assim, Judith Butler postula como base para a coabitação entre judeus e palestinos, em vez de um “multiculturalismo fácil (…) que a vasta e A violenta estrutura hegemônica do sionismo político deve ceder seu domínio sobre essas terras e populações”. Devido à sua lógica colonial de colonização, os movimentos sionistas agem para eliminar as formas antissionistas de rejeição a fim de manter a exclusividade sobre a identidade judaica e a terra palestina. Isso não quer dizer que os sionistas agem com a mesma violência contra os palestinos e outros antissionistas, inclusive judeus, mas é importante enfatizar que essas práticas estão interconectadas. Como observa Judith Butler, embora seja necessário contestar o controle hegemônico que o sionismo exerce sobre o judaísmo, é preciso, igualmente, contestar a subjugação colonial que o sionismo implicou para o povo palestino.

O movimento pela libertação nacional da Palestina é o que atualmente representa, a partir da emancipação particular e universal, transcendendo sua existência como parte da luta anti-imperialista. Portanto, o judaísmo ético exige prática antissionista e solidariedade radical com a rejeição anticolonial do BDS.

Judeus antissionistas e a contrarrevolução no Brasil

Durante a formação da comunidade judaica brasileira na década de 1920, a política era um importante marcador de identidade entre os judeus, além de sua região de origem, etnia e religiosidade. Apesar de um senso compartilhado de fraternidade e conexões entre eles, sionistas e antissionistas constituíam grupos com projetos e entidades políticas antagônicas. Enquanto os sionistas se mobilizavam em favor da colonização judaica da Palestina e do lobby junto às elites nacionais, os antissionistas favoreciam uma práxis integracionista e internacionalista que visava à assimilação dos judeus no Brasil e ao seu envolvimento nos movimentos operários.

Os sionistas socialistas se posicionam entre as elites sionistas e os movimentos comunistas antissionistas. Os sionistas socialistas participavam tanto de entidades judaicas comunistas, como a BIBSA, fundada em 1915 por militantes do Bund e do marxismo-leninismo, quanto do próprio movimento sionista brasileiro, disputando sua direção. O movimento judaico antissionista estava presente em Porto Alegre, Curitiba, Niterói e São Paulo.

No Rio de Janeiro, foram criadas várias organizações de judeus comunistas, como a BIBSA, a cozinha popular Abeter Kich, a BRAZCOR e o Morris Wintschevsky Brazilian Workers’ Centre. A vida comunitária judaica teve interações importantes com outras populações racialmente oprimidas, como os afro-brasileiros, e movimentos comunistas, especialmente o PCB. A conferência de reorganização do PCB em 1925 foi realizada no prédio da BIBSA durante o feriado de Carnaval para escapar da vigilância policial.

Essa proximidade resultou na criação do Setor Judaico no PCB, ligado à BIBSA. Sua principal função era fornecer apoio financeiro e proteção aos judeus comunistas perseguidos pelo Estado. O Setor Judaico enfatizava a particularidade dos judeus na esquerda brasileira, embora como parte da luta internacionalista. Havia também vários judeus comunistas envolvidos nas “lutas gerais” do PCB, que desempenharam um papel importante no fracassado levante comunista de 1935.

As divergências entre sionistas e antissionistas cresceram em torno de disputas no campo educacional devido à ausência de uma base social forte para o antissemitismo no Brasil. As populações negras e indígenas já funcionavam como o Outro no racismo estrutural brasileiro. O sincretismo religioso brasileiro tolerava o judaísmo e os imigrantes judeus foram incluídos em um projeto estatal para promover o branqueamento da sociedade brasileira no início do século XX. Portanto, os judeus não foram coagidos a se identificar com a “pátria” ou com a comunidade judaica.

A disputa linguística entre o iídiche e o hebraico foi o veículo para o conflito entre os projetos políticos sionistas e antissionistas. A conferência da WZO de 1922 determinou que os sionistas deveriam promover a hegemonia do hebraico na educação judaica para alcançar a hegemonia sobre a identidade judaica e sua ação política. Em 1925, a JCA, envolvida na colônia judaica no sul do Brasil, passou a apoiar o ensino do hebraico e o sionismo. Isso resultou em uma fratura da solidariedade comunitária.

Em 1928, diante de disputas sobre a direção e a ideologia da BIBSA, os comunistas expulsaram os sionistas. Como resultado, a Escola Scholem Aleichem, ligada à BIBSA e ao PCB, começou a ensinar principalmente em iídiche e com base em uma perspectiva materialista.

De acordo com um relatório policial sobre as ações do Sionismo Socialista e seu líder, Aron Bergman, no combate ao antissionismo: “quanto ao Partido Socialista Polaé Sion no Brasil, tratava-se de uma vertente socialista da doutrina sionista com o objetivo de ajudar os trabalhadores na Palestina, limitando suas atividades no Brasil a uma campanha financeira Kapai Palestine Arbeiter Fond. Vale ressaltar, entretanto, que essa sociedade era orientada por uma ideologia antagônica ao comunismo. Aron Bergman … declarando-se um social-democrata, liderou em 1929 uma manifestação pública contra os adeptos do comunismo que, na época, estavam se reunindo em Scholom Alechem”.

Apesar desse revés na disputa com os comunistas e do aumento do antissemitismo no Brasil, a década de 1930 testemunhou a consolidação do sionismo. O Estado Novo, iniciado em 1937, tinha um nazista à frente de sua polícia política e parte de sua base social era formada pelo Movimento Integralista Brasileiro, o maior grupo fascista fora da Europa. Em 1938, a ditadura ordenou a dissolução de todos os centros sionistas e dificultou a entrada de imigrantes judeus no país.

Entretanto, não havia um clima de medo e perseguição contra os imigrantes judeus. Os sionistas se adaptaram facilmente às restrições impostas pelo governo, adotando nomes brasileiros e promovendo atividades que escapavam à vigilância. Entre 1933 e 1945, 24.000 judeus entraram no Brasil, o que significou um aumento de quase um terço na população judaica em geral.

A principal preocupação do Estado Novo era a construção de uma identidade autenticamente brasileira e a preservação da “tradição familiar brasileira”. O ódio antijudaico era uma ideologia restrita a pequenas partes do governo e ao integralismo. A ditadura era principalmente conservadora, xenófoba e anticomunista. Como resultado, os judeus comunistas foram os mais perseguidos. Ou seja, o anticomunismo era uma ameaça maior para os judeus do que o antissemitismo.

Os judeus comunistas foram presos, torturados, assassinados e deportados. Olga Benário Prestes foi deportada para a Europa e assassinada em um campo de extermínio. A polícia fechou a BRAZCOR e invadiu a BIBSA. O governo trabalhou principalmente para impedir a imigração de judeus comunistas, enquanto tolerava a dos sionistas. Apresentado como um nacionalismo com ambições de colonizar outro país, o sionismo não era visto como uma ameaça pelo Estado Novo.

Houve atos de solidariedade judaica durante esse período. No entanto, os grupos sionistas tentavam se diferenciar dos antissionistas e faziam lobby junto às elites brasileiras para se posicionarem como os verdadeiros representantes da comunidade judaica. Ao mesmo tempo em que criavam apoio no Brasil para o Estado judeu na Palestina, os sionistas procuravam enfraquecer as alternativas antissionistas na base social.

Por exemplo, Horácio Lafer, um proeminente empresário e líder sionista, recusou-se a expressar sua solidariedade aos judeus comunistas perseguidos quando interrogado pela polícia. A escola Sholem Aleichem sofreu uma batida policial após as reclamações dos pais sionistas e, na escola I.L. Peretz, os sionistas tentaram assumir o controle, resultando em confronto e intervenção policial.

As elites sionistas, por sua vez, começaram a construir sua hegemonia na comunidade judaica e na sociedade brasileira durante a repressão aos judeus comunistas. Como resultado, o Estado brasileiro fez lobby e apoiou o plano de divisão da Palestina, que criou o Estado de Israel na Assembleia Geral da ONU de 1947, presidida pelo diplomata brasileiro Oswaldo Aranha.

Violência e consenso sob a hegemonia sionista liberal

A maior solidariedade entre os judeus brasileiros só foi retomada quando os grupos antissionistas, enfraquecidos pela violência do Estado, consentiram com o projeto sionista na Palestina após o reconhecimento de Israel pela URSS. Embora não vissem Israel como a solução para a questão judaica, os comunistas começaram a arrecadar dinheiro para apoiar o assentamento e o Haganah. Em meio a um surto sionista no país, muitos antissionistas se juntaram às fileiras do sionismo socialista, e as organizações comunistas se tornaram mais difusas.

Em meio à formação da hegemonia sionista progressista-liberal, os comunistas adotaram uma posição mais bem definida como não sionista do que antissionista. Eles pararam de confrontar o projeto sionista, entendido como inevitável. Para Jacob Gorender, um importante membro do PCB: “Quando o Estado de Israel se tornou realidade e foi reconhecido pela União Soviética desde o início, nunca questionei o direito de Israel de existir como um Estado. Mas nunca considerei o Estado de Israel como a solução para a chamada questão judaica”.

Embora politicamente enfraquecidos, os judeus não sionistas ainda representavam uma parte importante da comunidade. Eles procuraram competir por representação nas entidades judaicas para evitar o apoio incondicional a Israel. Ao mesmo tempo, organizaram novas instituições judaicas para preservar a cultura iídiche e mobilizar as novas gerações para as lutas nacionais e internacionalistas. O maior exemplo foi a Casa do Povo, fundada em 1946 em São Paulo como um espaço para a luta antifascista judaica.

A instituição era um importante centro cultural e político que também incluía outra Escola Sholem Aleichem, um jornal em iídiche, um clube de jovens e um teatro. A escola tornou-se um projeto educacional altamente conceituado, abrigando filhos de trabalhadores judeus e não judeus, inclusive membros da luta clandestina contra a ditadura militar (1964-1985).

No início, a Casa do Povo era composta tanto por comunistas quanto por sionistas socialistas. Internamente, os comunistas procuravam manter o controle do instituto para preservá-lo como não sionista; externamente, eles competiam com outras organizações sionistas de esquerda pelos corações e mentes da comunidade judaica.

Quando a URSS assumiu uma postura beligerante em relação a Israel e em apoio ao nacionalismo árabe na década de 1950, o confronto entre judeus comunistas e sionistas aumentou no Brasil. Os momentos de crise internacional eram oportunidades para contestar a direção das organizações judaicas. Em um desses episódios, os sionistas assumiram o controle da Casa do Povo sob a liderança de Iankel Len.

Mais tarde, os comunistas conseguiram retomar o controle da instituição, que passou a ser diretamente ligada ao Setor Judaico do PCB. O chefe do Setor Judaico era também diretor da Casa do Povo. Essa ligação foi fundamental para que as atividades dos judeus comunistas continuassem após o golpe militar de 1964. O confronto aumentou depois de 1967, quando o Setor Judaico acusou publicamente Israel de agir de forma imperialista, deixando-o isolado do restante da comunidade e dos órgãos representativos, que cortaram todo o apoio político e financeiro.

Embora os sionistas socialistas também tenham participado de campanhas contra a ditadura, grande parte deles optou por emigrar para Israel durante esse período. Os comunistas não sionistas permaneceram na resistência e, mais uma vez, sofreram maior perseguição, prisão, tortura e assassinato por parte do regime. Mais uma vez, os comunistas judeus não puderam contar com o apoio das entidades representativas de sua comunidade, pois elas preferiram manter boas relações com a ditadura. Os militantes sionistas de esquerda eram protegidos por acordos entre as instituições sionistas e o regime militar. O anticomunismo de Estado, apoiado pela burguesia, no contexto da Guerra Fria, continuou sendo uma ameaça maior para os judeus do que qualquer forma de antissemitismo.

O Setor Judaico e o PCB sofreram um duro golpe em 1975, quando a ditadura escolheu dez líderes do partido PCB para serem assassinados e perseguiu dezenas de militantes, entre eles dez professores da Escola Scholem Aleichem. O jornalista judeu Vladimir Herzog foi assassinado por ter sido torturado durante a perseguição aos judeus comunistas. Sua morte foi um importante ponto de virada que levou à mobilização popular e contribuiu para o eventual declínio da ditadura. Foi também um momento que atraiu a solidariedade de sionistas liberais, como o rabino Henry Sobel. Entretanto, isso não pôs fim às hostilidades com os judeus não sionistas organizados.

Diante da perseguição da ditadura, do isolamento imposto pelas instituições sionistas e da ascensão socioeconômica dos judeus que, bem integrados à branquitude brasileira, saíram de seus bairros de origem para áreas de alto padrão, o movimento comunista não sionista perdeu sua base social. Como resultado, a escola Scholem Aleichem fechou em 1979. Um grupo de judeus comunistas sob a liderança de Max Altman, que presidiu a Casa do Povo entre 1965 e 1979, entendeu que o ciclo judaico não sionista havia chegado ao fim. É justo dizer que esses eventos eram do interesse tanto do regime militar quanto das elites sionistas.

Em 1982, durante uma grande manifestação contra o massacre de Sabra e Chatila na Casa do Povo, os oposicionistas incendiaram o carro de Altman em meio a confrontos que tomaram conta das ruas. Diante do cerco sionista à Casa do Povo, os comunistas deixaram a instituição, que, por sua vez, endossou uma hegemonia sionista liberal-progressista durante o processo de democratização brasileiro na década de 1980. A instituição acabou perdendo relevância, se deteriorou e acabou fechando suas portas. Embora tenha sido reaberta em 2011, a Casa do Povo atual é composta por instituições judaicas dóceis e não sionistas que consentem com a soberania colonial dos colonos israelenses sobre o território palestino.

Portanto, é possível ver como a hegemonia sionista liberal foi construída e mantida por meio de ações violentas contra as alternativas antissionistas que confrontavam o sionismo – de cima, pelo Estado anticomunista, e de baixo, pelos movimentos sionistas, inclusive os de esquerda, por meio da denúncia, do isolamento, da expulsão e da desconversão dos judeus comunistas. Ou seja, uma hegemonia, como Gramsci a entendia, garantida em última instância pela coerção quando as disputas culturais se mostraram insuficientes.

É importante observar como o declínio do movimento judeu não sionista coincidiu com a consolidação do movimento palestino brasileiro. Em 1980, a FEPAL é criada como a representação oficial dos palestinos junto à OLP. Logo depois, o movimento palestino se torna-se o principal alvo dos sionistas, inclusive os progressistas. O rabino Sobel declarou em 1985 que uma reunião de jovens palestinos realizada naquele ano era para “treinar terroristas”.

O ressurgimento dos movimentos antissionistas

A conciliação de classes e o pragmatismo que caracterizaram a política externa durante a Nova República (1988-2016), especialmente no período em que o PT esteve no poder entre 2003 e 2016, garantiram a hegemonia do sionismo liberal até o início da década de 2010. Entretanto, a persistência das mobilizações de base dos palestinos e dos movimentos radicais de esquerda durante as décadas de 1990 e 2000 permitiu que os brasileiros respondessem ao apelo dos palestinos por solidariedade e BDS em 2005.

Em 2007, ativistas de esquerda e membros do movimento palestino que faziam parte da oposição da esquerda radical ao governo Lula formaram o Mopat. A primeira campanha do movimento BDS Brasil foi contra o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e Israel, assinado no mesmo ano. Simultaneamente, houve um fortalecimento da Fepal, uma organização mais próxima da esquerda moderada e da administração do PT. Em 2010, o Brasil reconhece o Estado Palestino.

Em 2011, o Fórum Social Mundial-Palestina realizado no Brasil permitiu o encontro transnacional de ativistas em defesa da Palestina e serviu de oportunidade para a criação de novos movimentos no país, como o FFIPP-Brasil. Essa organização, cujo alcance na sociedade brasileira vai além da identidade étnico-nacional, serviu de incubadora para uma nova geração de judeus antissionistas.

Esse grupo promoveu uma importante manifestação em frente ao Consulado de Israel em São Paulo contra o massacre na Faixa de Gaza em 2014, que marcou o retorno dos judeus antissionistas ao cenário político da esquerda brasileira. Organizada como resultado da radicalização internacional da luta palestina após a Segunda Intifada, essa nova geração de judeus antissionistas é uma verdadeira representação da radicalização brasileira após junho de 2013, em oposição à esquerda sionista contrarrevolucionária que surge contra Jair Bolsonaro em 2017.

No entanto, a vigilância ativa da esquerda sionista, em alinhamento com os interesses da burguesia em manter laços mais estreitos com Israel para fins de tecnologia de segurança militar e comércio agrícola, impediu que mais judeus e organizações de esquerda se juntassem às fileiras dos novos movimentos antissionistas pró-Palestina.

Conclusão

Neste artigo, vimos como a esquerda sionista combate o radicalismo da luta anticolonial dos palestinos e também dos judeus e não judeus de esquerda. O resultado é o confinamento da oposição a um anti-sionismo dócil, submetido à hegemonia do colonialismo sionista liberal.

As fraudes discursivas da esquerda sionista encontram apoio entre os judeus liberais e os liberais de esquerda brasileiros acostumados à conciliação com a burguesia nacional e ao conservadorismo na política externa. Dessa forma, os sionistas de esquerda se aliam aos interesses da burguesia dependente e atuam como guardiões, impedindo que os judeus e outros militantes da esquerda moderada brasileira assumam uma posição antissionista mais radical.

A “desconversão” e a exclusão dos sionistas de esquerda que estamos testemunhando na comunidade judaico-sionista constituem a reprodução da antiga lógica hegemônica do movimento sionista no Brasil, que costumava ser dirigida apenas aos judeus antissionistas. Diante das novas configurações do anticomunismo com a ascensão da nova direita em 2010, a esquerda sionista começa a receber o mesmo tratamento que os antissionistas que ela ajuda a excluir.

Além disso, os sionistas perdem de vista o novo antissemitismo real por causa da exclusão de sua análise da dinâmica do colonialismo e do racismo. A aliança dos israelenses com o imperialismo e o posicionamento resultante como defensores da civilização judaico-cristã tornaram a identidade judaica racialmente privilegiada. A direita brasileira contemporânea continua a confinar o judeu a uma identidade fixa, embora não mais negativa. O giro positivo essencialista que instrumentaliza os judeus para o projeto político anticomunista e islamofóbico da extrema direita serve apenas para inverter a polaridade da racialização dos judeus, mas não rompe com o antissemitismo.

Portanto, a esquerda sionista não trabalha para desmantelar o antissemitismo, mas principalmente para preservar o colonialismo brando na Palestina e no Brasil. Reconhecer a centralidade do colonialismo contra os palestinos na formação da identidade judaica contemporânea é um passo importante para a descolonização da Palestina e do judaísmo.

Bruno Huberman é professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de Colonização neoliberal de Jerusalém (Educ). [https://amzn.to/3TNyQ1I]


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