Amilcar de Castro no MuBE (parte II)

Foto de Carmela Gross
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Por LUIZ RENATO MARTINS*

Comentário sobre a mostra em cartaz até 26 de setembro de 2021

[Para ler a primeira parte deste artigo clique aqui]

Ordem dos contrários

A siderurgia mineira não escapou ao impacto da emergência de um novo sujeito social, como evidenciou a chacina de três operários pelo Exército em 09.11.1988, na usina de Volta Redonda (que restou sob ocupação operária por 17 dias). Tampouco ficaram imunes outros ramos da economia do estado, impulsionados pela instalação desde 1976, em Betim (arredores de Belo Horizonte), da principal unidade fabril da FIAT na América Latina.

Do ponto de vista objetivo, foi por certo tal processo que moveu de um modo ou de outro a negação superadora, por Amilcar de Castro, dos moldes idealistas do ciclo da abstração geométrica. Porém, em que assentou o mesmo fenômeno, posto do ângulo da experiência subjetiva?

Mais difíceis de aferir e avessos a terceiros, além de eclipsados pela escala magna das evidências objetivas – mas nem por isso menos presentes –, os fatores subjetivos conservam decerto papel decisivo na constituição autoral do discurso épico. Contribuem, assim, para operar uma reestruturação simultânea da sensibilidade e da subjetividade, que confere à narração novo patamar; e, logo, também novo alcance ante o entorno.

Aqui, sem poder alegar declaração ou testemunho preciso, como numa navegação às cegas, arrisco afirmar que a operação de sustentação épica do discurso artístico de Amilcar – ao conferir nova escala às obras e exigir, pois, outras bases e outro modo de execução – provavelmente incluiu a revisão mnêmica de sua iniciação artística.

Nesse sentido, é de se supor que a volta de Amilcar a Minas, em 1972, após vinte anos ausente (no Rio até 1968, e depois nos EUA até 1971), suscitou balanços, e ajustes existenciais e das memórias do artista. Igualmente, presumo que o ato de assunção, por Amilcar, de responsabilidades didáticas (inclusive na Escola Guignard) possa ter propiciado, junto com o retorno à terra natal, o processo de introspecção e de revisitação do exemplo formativo, dado outrora pelas lições e pela obra pictórica do próprio Guignard (1896 – 1962) – via decisiva pela qual o jovem Amilcar, estudante de direito na UFMG, tomou o rumo das artes.

Porém, se for assim, como explicar a passagem da chave lírica e delicada, sutil – mas intensamente cromática –, do mestre Guignard, às pesadas e opacas estruturas em ferro e aço oxidados, e aos grandes desenhos, em geral escassamente cromáticos – quando não majoritariamente feitos só com linhas de tinta acrílica preta sobre o branco – do discípulo Amilcar?

Outra vez, sem poder, de fato, mais do que mapear antíteses e supor pistas ao modo de linhas pontilhadas, é possível, não obstante, aventar questões: em cada janela que Amilcar abria, rasgava ou desfraldava em suas pesadas chapas de aço, acaso residiria a lembrança em potência de uma paisagem de Guignard?

Estas, como se sabe, vinham em pequenas telas, porém eram capazes de traduzir e conter cadeias de montanhas, encostas e vilas, vastas extensões de terra, e, last but not least, céus incomensuráveis (céus equiparáveis – embora com outro temperamento e ardor – aos de Van Gogh [1853 – 90], na dialética polarizada entre o mínimo e o máximo, mediante a aposta arriscada de concentrar forças naturais e cósmicas ilimitadas em pequenas telas).

Analogamente, será que em cada fenda ou cisão no ferro poderia residir a lembrança do risco a lápis duro, aprendido e exercitado nas aulas de Guignard? Pode-se, acaso ou enfim, supor alguma similitude entre os sulcos fendidos no aço pelos projetos de Amilcar e as longas linhas brancas que o pintor traçava a pincel em suas paisagens, evocando estradas sinuosas nas montanhas, rastros de balões e de fogos juninos, nuvens, igrejas e casas? De fato, a linha branca pincelada media – e qualificava como sinal de efusão e recurso de valor – a extensão etérea das paisagens de Guignard. Analogamente, não veio acaso o corte nos blocos e chapas de ferro do discípulo qualificar dramática e dialeticamente extensões e massas das espessas estruturas, de envergadura épica, tingindo-as do brilho momentâneo da esperança e da promessa luminosa de mudanças históricas?

Conclui-se que, se ligação houver entre a linguagem do discípulo e a do mestre, esta será da ordem dos contrários. Se assim for, as vias do escultor maduro e já reconhecido como senhor de seus meios e mestre de outros, poderão, talvez, ter passado pela memória reativada das lições passadas, que o artista-quando-jovem colheu? Fato é que, segundo diz uma canção, acha-se na transformação de algo em seu contrário uma veneração “pelo avesso”.[i]

Tudo somado, cabendo a hipótese, a inversão de sentido dos procedimentos, que levou o autor a priorizar – acima da estrutura – o que de fora a invadia, também pode não estar dissociada das experiências gráficas, reivindicadas com frequência por Amilcar, ao se referir aos seus desenhos (que, aliás, preferia designar de trabalhos de um gráfico). Afinal, entre um “e” e um “i” grafados à mão na página, qual a diferença marcante e decisiva senão a brecha aberta na haste – a fenda entre o traço que sobe e desce, ou vice-versa? Traço maciço ou fresta aberta? Um mundo de sentidos e implicações distingue as duas letras, o e do i; mas, no papel, só uma pequena chama de branco.

Os desenhos

Nos grandes desenhos, contemporâneos das esculturas épico-realistas, a redução explícita dos elementos ao que é mais essencial (traços esquemáticos à base de vassouras de piaçaba, embebidas de tinta acrílica preta, sobre alguma superfície branca, com o infrequente acréscimo de uma “cor gráfica”) explicita a deliberação racional e filosófica de remeter o resultado do trabalho à esfera prioritariamente crítica e analítica; não obstante, como se verá, sem se limitar a um discurso autorreflexivo e sem objeto, tal o que ocorria em geral nos moldes da arte geométrica.

Assim, a decomposição crítica do processo plástico mimético (ou do ato prototípico do desenho), reconduzido ao que há de mais essencial, evidencia, de saída, negação da potência pictórica representacional, ou seja, distanciamento crítico. Entretanto, atenção: apesar de priorizar a função analítica, e a despeito da imaterialidade eventualmente atribuída ao suporte por desavisados (em função da brancura), a operação não implicava nem retomada do espaço puro e nem tampouco reuso, nos moldes prioritários do autorreferimento, dos postulados e modelos geométricos.

De fato, tal como nas esculturas em grande formato, na mira crítico-reflexiva do mestre gráfico, com cunho épico-realista, entravam os ritmos e formas sociais, geneticamente inerentes, como veremos, a outras práticas de trabalho (de preferência, braçais) – ou delas crítica e dialeticamente derivadas, como o seu negativo –, e a serem, nessa condição, simplificados em diagramas ou esquemas.

Fig. 29 e 30 Desenhos de Amilcar de Castro no subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

Aqui, também, a comparação retrospectiva é esclarecedora, para se medir o contraste e estabelecer, com precisão, o sentido da pesquisa de Amilcar de Castro. De fato, é possível que os traços rápidos e decididos dos desenhos possam sugerir – à primeira vista e a uma visão aurática e nostálgica, que supõe a continuidade da via autoral – um diálogo mental com a geometria.  Falou-se assim em “geometria sensível” e em fórmula similares.

É fato que os gestos e o traçado correlato das vassouras de Amilcar, longe de serem impulsivos, pulsionais ou ingênuos, denotam sempre o governo claro de uma vontade mestra, reta e disciplinada, coligada, enfim, à razão. “Severidade”, na fala de Amilcar, era um termo usado como elogio. Assim, os traços dos desenhos à mão livre – sem apoio senão nos cabos das vassouras ou em escovões – estes, às vezes, manejados com as duas mãos – constituem retas, operam guinadas ortogonais ou diagonais, ou voltam sobre si mesmos, reforçando traços já feitos. Zigue-zague errante, memórias de algum labirinto invisível ou eco das lições de Guignard?

Nada disso! Na verdade, tais traços – que não são introspectivos nem nascem da mão, mas dos braços – resumem gestos e atos de trabalho. Nesse sentido, o movimento do traçado, efetuado com apetrechos usuais, adequados à labuta braçal (vassouras, escovões, trinchas, brochas ou similares), aproxima-se antes da rítmica compassada e repetitiva dos gestos básicos ou dos cantos de trabalho (na raiz, como se sabe, tanto dos primeiros sambas quanto do blues e do jazz), nos quais as variações se dão consoante a dinâmica “natural” da fala e da voz, não adestrada pela técnica virtuosística de canto ou das impostações correntes no mundo jurídico.

A opção

 Fig. 31 e 32 Instrumentos de desenho de Amilcar de Castro: vassouras, escovões e trinchas

Assim, nos desenhos, a primeira instância que rege o andamento e ressalta ao olhar atento é a economia do ato de trabalho. Resumidamente, trata-se de intervir racionalmente no espaço: dividi-lo ou multiplicá-lo em frações ou campos de ação, atalhando-o, segundo as possibilidades, numa ou noutra direção. Em qualquer tarefa, começa-se por medir e dividir o campo, e estimar o esforço ante a grandeza espacial a ser laborada. Tal é a atitude do trabalhador braçal: gari varredor, faxineiro, limpador de janelas, pintor de parede, peão que trabalha com a colher, lavrador, operário gráfico e assim por diante. É a estes que o gráfico Amilcar emula e cujo trabalho objetiva emancipar com o seu fazer, a um só tempo, livre e disciplinado.

Desse modo, quando as retas aparecem, elas não provêm da geometria, ou seja, de uma operação num plano mental ou transcendental, mas sim de um ato físico desenvolvido numa superfície, em atrito com a ferramenta – esta última escolhida, não por acaso, mas, entre outras razões, por ser muito mais áspera do que um pincel. Logo, se algo de pintura existe aí, com certeza, aparenta-se à dos ofícios de trabalho braçal – e não, é claro, à do pintor de telas cujo manejo requer extrema delicadeza e destreza (vide a pincelada de Guignard – outra vez, possível de ser evocado como contrário –, que, de minúsculas torções, fazia brotar uma estrada, uma palmeira, uma nuvem…). Amilcar-desenhista traça e deixa vestígios, como quem – ao volante de um trator – deixa marcas de pneus em chãos submetidos à terraplanagem.

Fig. 33, 34 e 35 Detalhes de desenhos de Amilcar de Castro no subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

Em vão, pois, se buscará a unicidade “aurática” – singular e unicamente meditada –, o traço ímpar – ponderado e espiritual –, num desenho, e, do Contrariamente, cada peça de Amilcar vem irmanada a muitas outras que lhe são, embora distintas, geneticamente equivalentes, quanto ao modo e ao processo produtivo. É o que destacam reiteradamente as fotos de trabalho, no ateliê, bem como as fotos dos acervos das mostras, como esta do MuBE, onde se expõem, além dos protótipos de esculturas, também os escovões e vassouras com que Amilcar desenhava.[ii]

Fig. 36 e 37 Instrumentos de desenho de Amilcar de Castro

Desse modo, mesmo sem serem obras iguais – pois constituem flagrantes do metabolismo do trabalho vivo, e, à sua vez e ao mesmo tempo, frutos lídimos de tal processo –, os objetos produzidos aparecem como seriais e equivalentes entre si, variando segundo combinatórias lúdicas, inerentes a um jogo ou brincadeira. Refletem, todos, um processo ou modo produtivo que, através do caso, vem afirmado, na sua plenitude. E o autor não se fazia de rogado para dizê-lo e esclarecer o ponto, insistindo que nada nascia da “inspiração”, ou de “necessidade terrível”,[iii] mas era, pelo contrário, fruto do trabalho. Trabalho, isto sim, sublinhava Amilcar, feito em estado de alegria.[iv]

Fig. 38 Desenho de Amilcar de Castro, detalhe do friso de 12 m, subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

De que alegria falava o gráfico Amilcar? A combinação de trabalho com alegria tende a parecer insólita nos dias que correm. Mas quem já reparou em faxineiras, a despeito de todas as agruras, trabalhando juntas num grande ambiente (por exemplo, num saguão de prédio do SESC) e sem serem vigiadas; ou operários, de colher e massa na mão, botando argamassa na parede – sem capataz por perto –, todos conversando, rindo e troçando uns dos outros, entende de que espécie de alegria, fundamentalmente coletiva, Amilcar de Castro falava: a alegria de trabalhar, que, com certeza, não era aquela (solitária) do virtuose, que cultua a singularidade e a unicidade dos produtos de sua excelência.

O trabalho pode, enfim, não ser apenas ato sob coação e de degradação – tripalium, como se diz na sociologia do trabalho –, mesmo para o trabalhador braçal. Basta que seja feito em companhia, sem coerção e com reconhecimento material e afetivo. Eisenstein dá um exemplo disso, ao mostrar os tratoristas na sequência final de A Linha Geral/ O Velho e o Novo (1927 – 29).

Enfim, discípulo direto de um dos pincéis mais delicados e líricos da tradição pictórica brasileira, a opção de Amilcar pelos instrumentos utilizados para a varrição das ruas e por equipes de faxina de grandes edificações é clara e inequívoca. Reflete uma crítica dialética, que atravessa o reino das aparências e das injunções de classe; injunções que tolhem não apenas a expansão produtiva das forças artísticas, mas, antes disso, a expansão criativa das faculdades metabólicas e mentais da força de trabalho em geral – que, embutidas e represadas, são levadas em estado bruto e coisificado, como força abstrata, à predação do mercado de trabalho.

Impureza e redenção

Do outro lado do espelho, o que a opção antivirtuosidade de Amilcar mira e colhe no seu momento histórico preciso? O que reitera, afinal, provocadora e destemidamente o traço de vassoura e a forma impura e suja – sempre com excesso ou falta de tinta – com o ar inacabado e provisório do canteiro de obras, ou de coisa impregnada de muitos usos e mãos, enfim, com feição algo bruta, de coisa originada de oficina popular ou borracharia?

Fig. 39 e 40 Desenhos (à esquerda, detalhe de outro) de Amilcar de Castro, sobre parede de concreto aparente no subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

Tal a feição da arquitetura de concreto aparente, a face despojada e inacabada, austera e sincera dos objetos em aço ou papel elaborados por Amilcar de Castro traz à tona a substância social própria do valor: o trabalho vivo, contido universalmente em todo ato de trabalho humano, ora revelado e redimido, trazido à luz pela prova dos nove da alegria.

Mas que espécie de alegria é essa, alegada como certificação de origem, pelo autor? Por certo, não se trata de mero efeito individual ou acréscimo momentâneo e derivado, sentimentalmente contingente; mas, sim, de uma pedra angular da experiência objetiva de trabalho, nas palavras do autor.

Revelação ou demonstração profana?

Entretanto, na contramão da objetividade e buscando adivinhar o que se encerrava no apego de Amilcar ao trabalho, Gullar, companheiro de antanho, dos idos do movimento neoconcreto, garantiu, em modo de desatenção às palavras do próprio implicado: “para Amilcar, o seu maior propósito de artista era ultrapassar os limites normais do trabalho e elevá-lo a um ponto em que se confundi(a) com a ‘revelação’”.[v] Será?

Com efeito, como que prevendo a leitura aurática e conformista de seu ato, e buscando fazer sua refutação crítica antecipada, o gráfico Amilcar criticava explicitamente ante interlocutores, como se pode verificar nas entrevistas nos filmes acima referidos, as alegações correntes de “inspiração” e de “necessidade terrível”, como hipóteses de raiz do ato artístico, às quais contrapunha precisamente a afirmação da alegria.

De fato, a premissa extática, nos termos de uma epifania, segundo aventada por Gullar, condiz com a ideia de “inspiração”. Porém diverge cabalmente da economia de trabalho de Amilcar, posta, conforme suas obras demonstram e o autor assim o destaca, pela produtividade alegre e pela gratuidade das formas. Daí, decerto, a mistura paradoxal nos trabalhos em questão, de imprevisibilidade atestada (de cada ato gráfico) e do teor também atestado (dos objetos resultantes, apresentados sempre ao lado de similares).

Fig. 41 e 42 Detalhes de desenho (friso com 12 m de comprimento) de Amilcar de Castro, no subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

Alegria: modo histórico e estado objetivo

A constituição francesa do ano II (1793) da república revolucionária reconheceu e conferiu objetividade à “tendência universal para o bem”, como inerente a todo cidadão. De modo correlato, Saint-Just (1767 –  1794), em 13 ventoso do ano II (03.03.1794), concluiu seu relatório acerca da proposição dos meios de “indenizar todos os desafortunados com os bens dos inimigos da República (sur les moyens d’indemniser tous les malheureux avec les biens des ennemis de la Repúblique)”, com a afirmação: “A felicidade é uma ideia nova na Europa (Le bonheur est une idée neuve en Europe)”.[vi]

Propensão universal ao bem e aspiração generalizada e legítima à felicidade são postos aí, no âmbito dos debates legislativos revolucionários, como modos históricos correlatos à cidadania republicana e estados objetivos, ligados à satisfação das necessidades básicas gerais. De modo análogo, se a pesquisa acerca da alegria, aqui em tela, for reorientada segundo a concepção de um estado enraizado na experiência do trabalho – tal como foi, de fato, posto por Amilcar nas ocasiões acima referidas – encontram-se modo coletivo e estado afetivo precisamente determinados e objetivamente especificados em suas condições essenciais.

Na ordem dos fatos e processos históricos, a combinação de trabalho e alegria constituiu uma utopia social e histórica específica. É a ela que é preciso remontar, para se entender o júbilo profano e materialista de Amilcar de Castro, sem apoio na revelação extática e no virtuosismo – ambos sempre entendidos como apanágio ou privilégio –: a dita “revelação”, da alma; e o segundo, do indivíduo.

A alegria de que falava Amilcar era corrente, coletiva e terrena, e enraizava-se no trabalho. Como modo coletivo situado na objetividade do processo histórico, a alegria de trabalhar – vale dizer, o eros da matéria e a alegria genuína, inerente ao ato de fazer, postos em termos de utopia social – tem moldes bem próximos aos que foram delineados historicamente em Moscou, em 1923, mediante a noção de “maestria produtivista”, por Nikolay Tarabukin (1889 – 1956), pensador construtivista-produtivista:

“O problema da maestria produtivista não pode ser resolvido por uma ligação superficial entre a arte e a produção, mas unicamente pela sua relação orgânica, pela ligação do próprio processo de trabalho e a criação. (…) todo homem que trabalha, qualquer que seja a sua forma de atividade – material ou puramente intelectual – cessa, no momento em que é animado pela vontade de fazer seu trabalho à perfeição, de ser um operário-artesão para tornar-se um mestre criador. Não pode haver para o mestre, artista no seu domínio, trabalhos triviais, maquinais: sua atividade é uma atividade artística, criativa. Um tal trabalho é destituído dos aspectos humilhantes e destrutivos que caracterizam o trabalho sob coação. A ligação orgânica entre o trabalho e a liberdade, a criação e a maestria inerente à arte, pode ser realizada integrando-se a arte ao trabalho. Ao se religar a arte ao trabalho, o trabalho à produção e a produção à vida, à existência cotidiana, resolve-se num só golpe um problema social extremamente árduo. A teoria do valor fundada sobre o trabalho recebe aqui uma comprovação estrondosa: o valor de um objeto é diretamente proporcional ao trabalho nele investido; o dispêndio de uma fração suplementar de energia humana dedicada ao aperfeiçoamento do objeto aumenta o valor deste. O artista deixa de ser um fabricante de objetos de museu que perderam toda significação para se tornar um criador de valores vitais indispensáveis; (…)”.[vii]

Alegria + antivirtuosismo = antiarte

Artista gráfico experimentado, Amilcar sabia perfeitamente o que queria ao optar por utensílios brutos e ásperos, próprios à varrição de ruas, ao invés de ficar com as sutilezas incomensuráveis do pincel – cujos prodígios, insisto, vira de perto no manejo ímpar de Guignard, mestre e amigo.

Com efeito, quando da escolha estratégica de Amilcar, executava-se, à época, na outra ponta do espectro das artes no Brasil – ponta oposta àquela para a qual Amilcar rumou –, o programa virtuosístico, de retorno ao mármore na escultura e da volta, na pintura, ao pincel e às telas. Consistia em via equivalente à que nos idos do primeiro pós-guerra europeu, após as devastações da guerra de 1914 – 1918 e a revolução de Outubro, fora chamada de caminho do “retorno à ordem”.

No Brasil, dos anos 1980, dois artistas de excelência ímpar e domínio magistral do ofício – ambos atuantes contemporaneamente a Amilcar – capitaneavam, à época, o processo da restauração aurática do objeto de arte: o escultor Sérgio Camargo (1930 – 1990) e o pintor Iberê Camargo (1914 – 1994) – este, por sinal, ex-aluno de Guignard no Rio de Janeiro. Amilcar de Castro sabia, pois, clara e distintamente, o que queria quando escolheu a direção oposta. Tinha convicções a respeito, bem como experiência própria e histórica, acerca do mundo da arte e dos seus limites sociais e históricos.

Convidado, em fins de 1963, a realizar a cenografia da Mangueira para o carnaval de 1964, Amilcar chamou para auxiliá-lo, além do escultor paraibano Jackson Ribeiro (1928 – 1997), Hélio Oiticica, que se encarregou de pintar uma alegoria.[viii] Oiticica também sabia o que queria e de que lado estava, no país conflagrado – pelo golpe armado civil-militar perpetrado 16 meses antes –, quando convidou os passistas da Mangueira a comparecer à abertura de gala da mostra Opinião-65 (12.08.1965, MAM-RJ), na qual foram todos barrados pela diretoria do museu, envergando black-tie.

Alinhado politicamente em seus tempos de estudante em Belo Horizonte, na UFMG, com a Esquerda Democrática (embrião do qual se formou pouco depois o PSB histórico),[ix] e opositor ferrenho do golpe civil-militar de 1964,[x] Amilcar de Castro também tinha um lado ou partido claro nas artes: o da antiarte, do qual faziam parte, entre outros, Mário Pedrosa, Hélio Oiticica e Lygia Clark (esta, aliás, camarada sua desde as aulas com Guignard).

Com efeito, a noção de antiarte foi constituída no bojo do movimento de democratização radical da cultura brasileira, gerado em resposta ao golpe civil-militar de 1964. A radicalização do protesto extenso, que moldou incisivamente a fisionomia das artes e da crítica brasileira no período,[xi] tomou, no campo das artes visuais, o feitio específico e próprio da antiarte. Pedrosa saudou o processo nos seguintes termos:

“Estamos agora em outro ciclo, que não é mais puramente artístico, mas cultural, radicalmente diferente do anterior (…) A esse novo ciclo de vocação antiarte chamaria de ‘arte pós-moderna’. (De passagem, digamos aqui que desta vez o Brasil participa dele não como modesto seguidor, mas como precursor (…) ). [xii]

O curso crítico que engendrou a antiarte passou antes pela crítica histórica materialista e de classe aos pressupostos e parâmetros neoconcretismo, e seguiu adiante. Em estreito diálogo com o Cinema Novo, tal corrente visou à reconstrução crítica do realismo e de uma nova épica, radical e de amplo espectro, conforme antes descrito. Nesse sentido, a noção de antiarte compõe um todo, nas artes visuais brasileiras, com a noção de “arte ambiental”, assim como com o programa-manifesto da Nova Objetividade Brasileira, bem como com a crítica de todos os “condicionamentos”, inclusive aqueles referentes diretamente ao objeto de arte como “instrumento de domínio intelectual”.[xiii]

Em resposta ao golpe civil-militar, instalou-se de fato um estado de guerra civil simbólica nas artes e no pensamento crítico brasileiro. Além da crítica à metafísica do objeto de arte, constava do programa da antiarte uma aliança política antropológica e cultural com os setores populares que eram vítimas do apartheid.[xiv]

Amilcar perseguia objetivos similares, inclusive por meio de sua atividade pedagógica, conforme demonstrou seu empenho em criar em 1979 um curso experimental de acesso livre, na Escola Guignard, que funcionou até 1982; e, em seguida, seu interesse em conceber e dirigir uma escola de artes e ofícios para filhos de operários, no polo industrial de Contagem, para o que obteve o apoio concreto do Instituto Nacional de Artes Plásticas, da FUNARTE;  empenho por fim frustrado, por desistência da prefeitura local, em 1984, não obstante as doações de equipamentos obtidas e já de posse.[xv]

À espera

Para concluir, quero me referir uma vez mais à arquitetura de Mendes da Rocha e à possibilidade posta, entre a mostra e a arquitetura do MuBE, de olhar para uma obra através da outra. Nesse sentido, muito do que salientei acerca desse museu poderia se atribuir também ao projeto do SESC 24 de Maio (2017), igualmente de Mendes da Rocha.

Fig. 43 Paulo Mendes da Rocha e MMBB, rampas SESC 24 de Maio, arquivo do escritório PMR, ca. 2018

Fig. 44 Paulo Mendes da Rocha e MMBB, escada para o palco (no final de rampa não visível na foto), teatro SESC 24 de Maio, no subsolo, arquivo do escritório PMR, ca. 2018

O transeunte que, da rua, ganha o saguão de entrada do prédio do SESC 24 de Maio pode caminhar em piso e fluxo contínuos, se quiser (e não for eventualmente interrompido por obstáculo não previsto no projeto), até o topo do edifício onde fica a piscina, ampla e descoberta, para os trabalhadores inscritos no SESC (ver Fig. 46) . Ou o caminhante pode, alternativamente, descer ao subsolo e, igualmente em piso contínuo, subir ao palco do amplo teatro (ver Fig. 44).

Fig. 45 Paulo Mendes da Rocha e MMBB, Espelho d’água ao lado do café, sob a piscina, SESC 24 de Maio, foto Ana Mello, arquivo MMBB

Fig. 46 Paulo Mendes da Rocha e MMBB, Piscina na cobertura, SESC 24 de Maio, foto Nelson Kon, arquivo MMBB

Fig. 47 Paulo Mendes da Rocha e MMBB, corte rampas, SESC 24 de Maio, arquivo MMBB

Fig. 48 Desenho de Amilcar de Castro, detalhe do friso de 12 m, subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

Fig. 49 Desenho de Amilcar de Castro, friso de 12 m, subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

A fluidez e o teor coletivo dos desenvolvimentos propostos em tais dispositivos aparenta-os aos dois longos frisos (2 x 12 m), nesta mostra apostos dorso contra dorso, desenhados pelo gráfico Amilcar. Eles constituem (ver Fig. 38 e Fig. 48, acima) os dois maiores trabalhos gráficos nesta exposição. São, como os projetos do MuBE – e do SESC –, trabalhos festivos, e quiçá premonitórios ou antecipatórios.

É fato que se encontra com frequência nos desenhos de Amilcar um ar de júbilo e efusão, de festa ou de dança na oficina ou no canteiro de obras. No caso de um dos frisos em questão, distingue-se, entretanto, a mais, além da grande escala – insólita num desenho –, uma sucessão de Vs encadeados, feitos com a vassoura que sobe e desce repetidas vezes, enquanto o varredor anda (por cerca de 12 m) ou evolui ritmicamente, repetindo movimentos – quem sabe, levado por alguma lembrança da Mangueira…? –, numa espécie de esbanjamento ou festa da matéria (a tinta preta enlaçada à superfície acolhedora e branca). Em meio aos Vs (seriam braços levantados?), triângulos vermelhos (flâmulas desfraldadas?).

Fig. 50 Desenho de Amilcar de Castro, detalhe do friso de 12 m, subsolo do MuBE, foto LRM, 2021

Terá sido a manchete sonhada de um jornal por sair algum dia, sabe-se lá quando? Mas o fato é que a alegria extravasada no gesto lúdico, exaltadamente repetido pelo “gráfico”, é indisfarçável e comovente. Aponta no mesmo sentido que os dispositivos de fluidez para o caminhante e o uso coletivo, projetados por Mendes da Rocha.

Uns e outros estão à espera, mas desde já prontos: preparam uma sociedade futura, em semente, mas já saudada antecipadamente, dir-se-ia, pelas flâmulas vermelhas, dispostas pelo gráfico… De um modo ou de outro, o modo despojado e o ar de inacabado de tais trabalhos explica-se: esculturas, desenhos e arquitetura estão à espera de um mundo que os complete. Valem como sussurros deixados – diria Benjamin – por uma geração às seguintes e à espera de resgate.

*Luiz Renato Martins é professor-orientador dos PPG em História Econômica (FFLCH-USP) e Artes Visuais (ECA-USP); e autor, entre outros livros, de The Long Roots of Formalism in Brazil (Chicago, Haymarket/ HMBS).

Revisão, assistência de pesquisa e edição de imagens: Gustavo Motta.

Segunda parte de texto inédito, para o catálogo da mostra Amilcar de Castro na Dobra do Mundo, curadoria de Guilherme Wisnik, Rodrigo de Castro e Galciani Neves, São Paulo, MuBE, 11.03 – 26.09.2021.

Para ler a primeira parte clique em https://aterraeredonda.com.br/amilcar-no-mube/?doing_wp_cron=1625493180.6640999317169189453125

Referências


Alves, José Francisco, “Uma biografia crítica de Amilcar de Castro”, in idem, Amilcar de Castro/ Uma Retrospectiva, prefácio de Paulo Sérgio Duarte, Porto Alegre, Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2005;

AMARAL, Aracy (supervisão e coordenação), Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962), antologia e catálogo de exposição, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Pinacoteca do Estado de São Paulo, diagramação Amilcar de Castro, Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna/ São Paulo, Pinacoteca do Estado, 1977.

Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica (segunda versão), apresentação, tradução e notas Francisco de Ambrosis Pinheiro Machado, Porto Alegre, ed. Zouk, 2012;

_________, Sobre o Conceito de História [1940], in Michael LÖWY, Walter Benjamin: Aviso de Incêndio – Uma Leitura das Teses “Sobre o Conceito de História”, trad. geral Wanda N.C. Brant, trad. das teses Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller, São Paulo, Boitempo, 2005;

BRITO, Ronaldo (ed. e cur.), Amilcar de Castro, catálogo da exp. 11.12.1999 – 26.03.2000, Rio de Janeiro, Centro de Arte Hélio Oiticica, 1999;

____________, Amilcar de Castro, fotos Rômulo Fialdini, São Paulo, Takano, 2001;

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CASTRO, Amilcar, Amilcar de Castro/ Poemas, Augusto Sérgio BASTOS (org.), prefácio F. Gullar, Belo Horizonte, Instituto Amilcar de Castro;

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TASSINARI, Alberto (org.), Amilcar de Castro, texto de Rodrigo Naves, ensaio de Ronaldo Brito, fotografias de Pedro Franciosi, São Paulo, Cosac & Naify, 1997.

Vídeos


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________________, O Edifício do Museu Brasileiro da Escultura – Concepção Estrutural (vídeo, 24’44’’, 1989-90, parte do projeto “Avaliação do processo produtivo do Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) SP …”, op. cit., disponível em: <http://iptv.usp.br/portal/transmisao/video.action;jsessionid=8F7FE51F62B8DF64A1077B9DB70E0FE2?idItem=9187>;

CLARO, Amílcar M. (dir.), A Poética do Ferro (dir. geral Sandra Regina Cassettari, vídeo, 22’08’’, STV/SESC/SENAC, 2000);

COELHO, Feli (dir.), Amilcar de Castro (vídeo, 28’10’’, Trade Comunicação, 1998);

COSTA, Nélio (dir.), Amilcar de Castro (vídeo, MG, 3’01”, 1999);

Oliveira, André Luiz (dir.), Amilcar de Castro – um vídeo de André Luiz Oliveira  (vídeo, Brasília, CCBB, 7’54’’, 2000);

Penna, João Vargas (dir.), Amilcar de Castro (Belo Horizonte, Projeto Memória Viva/ Secretaria da Cultura de Belo Horizonte, 12’49”, 1992, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SH_EKe7_US0>.

Agradeço a cessão solidária de imagens e documentos aos escritórios de arquitetura Paulo Mendes da Rocha (Eliane Duarte Alves e Helene Afanasieff) e MMBB (Marta Moreira); ao Instituto Amilcar de Castro (Leonardo de Castro Cesar) e ao MuBE (Galciani Neves, Guile Wisnik e Rodrigo de Castro, curadores; Pedro Carpinelli e Sr. Edson, assistentes da direção; Flavia Velloso, diretora do museu); a José Resende e a Daniele Pisani.

Notas


[i] Ver Chico Buarque de Holanda, Atrás da Porta (1972). O verso da canção diz, a rigor, “te adorando pelo avesso”.

[ii] Para um exemplo interessante do modo de Amilcar desenhar mediante o uso da vassoura, ver trecho  13´28” – 14’32”, do vídeo de Amílcar M. CLARO, A Poética do Ferro (dir. geral Sandra Regina Cassettari, vídeo, 22’08’’, STV/SESC/SENAC, 2000).

[iii] Para a refutação da noção de “inspiração” e da “necessidade terrível”, na raiz do ato artístico, ver as entrevistas de Amilcar nos vídeos de João Vargas Penna, Amilcar de Castro (Belo Horizonte, Projeto Memória Viva/ Secretaria da Cultura de Belo Horizonte, 12’49”, 1992), trecho entre os pontos: 1´04” a 1’19”, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SH_EKe7_US0>; ver também o vídeo de Nélio Costa, Amilcar de Castro (vídeo, MG, 3’01”, 1999), trecho a partir de 2’28’’; ver ainda o vídeo de André Luiz Oliveira, Amilcar de Castro – um vídeo de André Luiz Oliveira  (vídeo, Brasília, CCBB, 7’54’’, 2000), trecho a partir de 6’53’’.

[iv] Para a referência à “alegria”, em oposição às alegações de “inspiração” e “necessidade terrível”, ver igualmente as entrevistas de Amilcar nos vídeos de J. V. Penna, op. cit., trecho entre os pontos 1’46’’ e 2´08”; sobre o papel central da “alegria” no processo produtivo, ver também de N. Costa, op. cit., mesmo trecho indicado acima.

[v] Cf. Ferreira Gullar, “O relâmpago criador”, in Augusto Sérgio BASTOS (org.), Amilcar de Castro/ Poemas, prefácio F. Gullar, Belo Horizonte, Instituto Amilcar de Castro, p. 27.

[vi] Apud Albert SOBOUL, La Révolution Française, Paris, Gallimard, 2000, p. 349.

[vii] Cf. Nikolaï TARABOUKINE, « Du Chevalet à la Machine » [1923], in idem, Le Dernier Tableau/ Du Chevalet à la Machine/  Pour une Théorie de la Peinture/ Écrits sur l’art et l’histoire de l’art à l’époque du constructivisme russe, presentés para A. B. Nakov, trad. du russe par Michel Pétris et Andrei B. Nakov, Paris, éditions Champ Libre, 1980, pp. 53-4.

[viii] Sobre a colaboração de Amilcar com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, ver M. Sampaio,  op. cit., p. 218. De minha parte, ouvi também, por iniciativa e em palavras do próprio Amilcar, no correr de conversa pessoal em seu ateliê, o relato de sua colaboração com a Mangueira e do convite feito então a Oiticica.

[ix] Desse grupo fizeram parte, entre nomes mais ilustres à época no mundo jurídico e político – como o jurista e deputado João Mangabeira (1880 – 1964), futuro presidente do PSB –, alguns contemporâneos de Amilcar cujas obras e realizações, mais próximas de seu trabalho, vieram a se tornar decisivas para a compreensão do país, e vêm a calhar neste quadro de referências históricas: Aziz Simão (1912 – 1990), Paulo Emílio Sales Gomes (1916 – 1977), Antonio Candido (1918 – 2017), além de outros da geração anterior: Sergio Milliet (1898 – 1966), Paulo Duarte (1899 – 1984), Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982) etc. Ver Maria Vitória Benevides, verbete “Esquerda Democrática”, disponível in <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/esquerda-democratica>. A propósito, a vinculação de origem de Amilcar com tal grupo, desde os tempos de sua formação em BH, demonstra que o alinhamento declarado, acima referido, de Amilcar com a candidatura presidencial de Lula, em 1998, longe de ser intempestivo, era inerente à trajetória histórica do grupo político da ED, cujos membros, vários, vieram a também se alinhar, nos anos 1980 e 1990, com o PT: Antonio Candido, Sérgio Buarque etc., sem falar no mais próximo de Amilcar, dentre esses, Mário Pedrosa (fundador do PT), que também foi da ED e depois do PSB, até a interdição deste, em 1965.

[x] Em 1998, mesmo ano em que manifestou seu repúdio à FHC (ver nota XXVIII da primeira parte, acima), Amilcar, no curso de uma entrevista filmada para o vídeo (em exibição na mostra) de Feli Coelho, afirmou acerca do golpe civil-militar: “[19]64 veio, acabou tudo. Acabou, liquidou, arrasou… Ficou […] que até hoje tá arrebentado… Foi uma pena, né? Ia bem pra burro”  [para início do trecho, ver ponto: 13’54’’]. Em contraste, o período anterior ao golpe foi descrito nos seguintes termos: “Um momento fabuloso do Brasil (…) Juscelino, Jornal do Brasil, movimento concreto, neoconcreto, Brasília, fervendo… Isso aí convocou o país inteiro, movimentou o país inteiro, em todos os sentidos: engenharia, arquitetura… o diabo… fabricação de tijolo, tudo que você pensa em construir funcionou com muita força” [para início do trecho, ver ponto: 13’25’’], ver Feli Coelho, Amilcar de Castro (vídeo, 28’10’’, Trade Comunicação, 1998).

[xi] Ver R. SCHWARZ, “Cultura e Política…”, op. cit.; ver também L. R. MARTINS, “Muito além da forma…”, op. cit..

[xii] Cf. M. Pedrosa, “Arte Ambiental…..”, op. cit., p. 205

[xiii] Ver H. Oiticica, “Aparecimento do Suprasensorial” (novembro-dezembro 1967), in idem, Museu é…, org. César Oiticica Filho, op. cit., p. 107.

[xiv] Ver também como um desdobramento decisivo do programa-manifesto da Nova Objetividade Brasileira, e um esclarecimento antropológico e político amplo da plataforma anticonformista da antiarte, H. OITICICA, “Tropicália, 4 de março de 1968”, in idem, Museu é…, pp. 108-110.

[xv] Ver M. Sampaio, op. cit., p. 225-28; ver também José Francisco Alves, “Uma biografia crítica de Amilcar de Castro”, in idem, Amilcar de Castro/ Uma Retrospectiva, prefácio de Paulo Sérgio Duarte, Porto Alegre, Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2005, p. 145.

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