Por LUIZ EDUARDO MOTTA*
O nome de Brizola passou para a História e vem se tornando cada vez mais sinônimo de resistência e de justiça social
Neste ano de 2022 comemoramos o aniversário de Leonel Brizola que nos deixou repentinamente em 2004. Quando faleceu, Brizola estava vivendo o seu pior momento político depois de duas eleições malogradas para prefeito e senador do Rio de Janeiro. Mas, com o passar dos anos, o seu nome foi cada vez mais reconhecido pela nova geração de militantes que reconhecem nele uma das principais lideranças da esquerda brasileira. Nada mais justo para o seu nome e legado político de intenso combate à ditadura militar, às oligarquias brasileiras e ao projeto neoliberal que começou a despontar – ainda que não completamente – na última década do século XX no Brasil.
Entretanto, o fogo lançado contra Brizola e ao trabalhismo não se limitou ao campo da direita, mas também pela esquerda que teve como sua matriz a produção intelectual da USP nos anos 1960, e teceu um combate incessantemente ao ISEB, ao PCB e aos políticos nacionalistas de esquerda que certamente teve na figura de Brizola a sua maior expressão. E a principal materialização disso foi a formação do PT que criticava tenazmente em seus primeiros anos de existência todo o legado da esquerda pré-1964, particularmente os que advogavam pelo nacionalismo popular.
Brizola representou melhor do que ninguém em nosso país aquilo que fora denominado de terceiro-mundismo, i.e., sua posição política era uma clara defesa da libertação nacional e anti-imperialista presente nos chamados países do Terceiro Mundo. Se compararmos o brizolismo com outros congêneres a exemplo do peronismo de esquerda liderado por John William Cooke – cuja obra e liderança política influenciou diretamente as organizações revolucionárias peronistas a exemplo dos Montoneros e das FAP (Forças Armadas Peronistas) – vamos encontrar várias semelhanças. Brizola, tal como Cooke, defendeu o nacionalismo popular revolucionário (no Brasil o principal divulgador e sistematizador dessa ideologia foi Paulo Schilling em seu livro Como se coloca a direita no poder) como uma ideologia e projeto político que antecipava o caminho do socialismo de base nacional (Brizola denominava de “socialismo moreno” esse socialismo nacional).
O próprio Cooke cita numa passagem em sua obra Informe a las bases essa convergência das lideranças nacionalistas populares: “mas a luta anti-imperialista — que, digamos, é ao mesmo tempo a luta social — é “comunismo” ou “castrocomunismo” para um regime que não compreende que o castrismo, peronismo, brizolismo, caamañismo etc. são as formas nacionais que toma um mesmo processo de dimensões latino-americanas e universais”. Brizolismo significava, então, uma forma de socialismo nacional calcada na luta de libertação nacional e anti-imperialista, e ia ao encontro de outras tendências similares no continente americano.
Laclau foi muito preciso na sua desconstrução da noção de populismo empregada pela USP via Francisco Weffort e Octavio Ianni. O populismo de esquerda, ou o nacionalismo popular revolucionário, não era nenhum dique de consciência critica da classe trabalhadora. Contrariamente a isso, expressava uma ideologia que tinha como centro a contradição povo x bloco no poder. O conceito de povo abrange as mais distintas classes e grupos sociais que tem como oposição o modelo excludente vigorado pelas frações que representam o capital monopolista financeiro e industrial, como também as oligarquias agrárias. Não podemos menosprezar como fizeram no passado certos intelectuais, e o próprio PT no seu nascedouro, as lutas e as mobilizações de massa constituídas nos anos 1960 no Brasil e que atingiram diferentes esferas da política e da cultura (vide o Cinema Novo, o CPC da UNE, as Ligas Camponesas, por exemplo).
Ao retornar para o Brasil em 1979, Brizola encontrou um ambiente bem adverso a seu passado por parte da dita “nova esquerda”. Mas, mesmo assim, recriou o PTB (depois PDT), e reuniu em torno de si antigas lideranças e intelectuais identificadas com o nacionalismo popular revolucionário (a maioria oriunda do exílio no México) como Neiva Moreira, Francisco Julião, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, Darcy Ribeiro, Flávio Tavares, e se juntaram a outros políticos e intelectuais mais identificados com o trabalhismo tradicional e com a socialdemocracia (chamada também de “socialismo democrático” termo bastante empregado por Pedro Celso Uchôa Cavalcanti que era um dos quadros intelectuais na fundação do PTB/PDT).
Com a criação da nova sigla PDT, a ideologia nacionalista popular encontrou neste partido o seu espaço de excelência. Mesmo que o PDT absorvesse outras tendências, o nacionalismo popular revolucionário era a principal expressão ideológica de sua militância trabalhista, e inclusive tinha como referência uma revista não oficial do PDT, os Cadernos do Terceiro Mundo dirigido por Neiva Moreira e Beatriz Bissio. E essa vertente nacional popular do PDT teve ainda como acréscimo a entrada em 1982 de vários dissidentes do PCB, em especial o grupo Prestista que se identificava com essa perspectiva. Assim como o PT, o PDT não era um partido homogêneo e havia a convivência, ainda que tensa entre os militantes, dessas diferentes correntes.
Certamente o brizolismo comportava diversos significados dentro do PDT que abarcavam tanto esse nacionalismo revolucionário como também uma centralidade no carisma pessoal da liderança política de Brizola, além de uma identificação ao projeto social democrata promovido pela Internacional Socialista por parte de alguns segmentos do partido (a entrada de Saturnino Braga e de seu grupo em 1982 fortaleceu essa tendência).
No entanto, desde o seu falecimento, as novas gerações de militantes (e não restritas ao PDT, pois estão presentes em distintas organizações, inclusive no PT) identificadas com sua a trajetória política, recuperaram o seu legado nacionalista e terceiro-mundista. Nesse aspecto Brizola hoje se tornou a principal referência simbólica da luta anti-imperialista e nacionalista em nosso país que vem sido assolado desde 2016 pelo projeto neoliberal vende pátria, e numa completa posição de subalternidade aos interesses imperialistas e antinacionais. E tal qual o seu principal mentor Getúlio Vargas, o nome de Brizola passou para a História e vem se tornando cada vez mais sinônimo de resistência e de justiça social.
*Luiz Eduardo Motta é professor de ciência política na UFRJ. Autor do livro A favor de Althusser: revolução e ruptura na teoria marxista (Contracorrente).